Marcelo Viegas ranqueia os livros que ajudou a lançar pela Edições Ideal​​

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Música

Marcelo Viegas ranqueia os livros que ajudou a lançar pela Edições Ideal​​

O editor escolheu os seus títulos favoritos entre os cerca de 40 que já editou desde 2013.

Foto por: Marcelo Ribeiro

No dia em que conheci o Marcelo Viegas, provavelmente em 2001, ele me foi apresentado como "o cara da sHort records". Essa fita rolou na Playstereo, a loja de discos da qual ele era sócio na Galeria do Rock, em São Paulo. A sHort, pra quem não saca, foi responsável por lançar discos de algumas das mais importantes bandas alternativas dos anos 90. Exemplos: Pin Ups, Hateen, Thee Butcher's Orchestra, Echoplex, Dread Full e Cold Beans. Ele também teve bandas — cantou no ästerdon e no Chocolate Diesel — e anda de skate desde as antigas.

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Embora formado em Ciências Sociais, o Viegas nunca refutou a sua alma de repórter. Quando fomos apresentados, ele já tinha uma bagagem de escriba que vinha desde 1994, ano em que publicou sua primeira matéria na One Skate Magazine. No ano seguinte, virou colaborador da CemporcentoSkate, veículo do qual, com o tempo, se tornou redator, e, mais tarde, editor, no período entre 2009 e 2012. Dentro da mesma editora da CemporcentoSKATE (pra onde ainda escreve), ele assumiu o comando da finada Outro Estilo.

E o bicho fez também o zine The Answer, colaborou com diversos outros zines, com as revistas Rock Press, Rolling Stone, +SOMA, SneakersBR e Revista da MTV, além do jornal Antimídia e do Contravenção, entre outros veículos. A intimidade com o meio underground, tema recorrente de suas pautas, foi o que lhe deu base para atuar, hoje, como editor da Edições Ideal, um selo totalmente dedicado a livros de rock e contracultura.

Na Ideal, o Viegas está desde 2013. Até aqui, já editou cerca de 40 livros e traduziu três: Dance of Days, O Reino Sangrento do Slayer e Todos Meus Amigos Estão Mortos. Achamos que uma pilha como esta, cheia de feitos dedicados à literatura musical, já estão à altura de uma discografia. Por isso, assim como costumamos fazer com os músicos donos de um vasto legado, convidamos o Marcelo Viegas a olhar em retrospecto e elencar os melhores títulos, em ordem de preferência, que ele ajudou a botar nas prateleiras.

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1. Dance of Days: Duas Décadas de Punk na Capital dos EUA (2015)

Noisey: Por que você colocou esse livro no topo da lista?
Marcelo Viegas: Esse livro ocupa o topo da lista por razões pessoais, profissionais e óbvias. Eu ainda trabalhava na CemporcentoSKATE quando fui convidado para fazer a tradução. Aceitei, com relativo cagaço, afinal nunca tinha traduzido um livro. Tinha experiência na tradução de matérias e entrevistas, mas o volume de trabalho de um livro é muito mais denso. A tradução foi feita em parceria com minha companheira, Carol. Quando terminamos, eu já estava trabalhando na Edições Ideal como editor. O projeto gráfico leva a assinatura do meu amigo Daniel Justi, skatista, designer e ganhador de um certo Prêmio Jabuti na categoria capa em 2013. O Daniel fez um trabalho primoroso na edição nacional do Dance of Days.

Você falou das razões pessoais e profissionais. Quais são as óbvias, para aqueles que não te conhecem?
Devotei boa parte da minha vida à cena independente nacional, com bandas, zines, atuando como jornalista, loja de discos e selo (a finada sHort records). Sempre fui adepto do faça você mesmo e entusiasta da cultura alternativa, e obviamente fui influenciado pelas bandas, pessoas e histórias reunidas nas 520 páginas do livro. Foi uma honra e uma grande responsabilidade assumir essa dupla missão, como tradutor e editor da obra.

Tem alguma história de bastidores desse trampo pra contar?
Sim. Aos 45 do segundo tempo resolvi mandar um e-mail para o Mark Andersen, coautor do livro, na esperança de conseguir um breve depoimento dele para a orelha do livro. Para minha surpresa e alegria, o breve depoimento virou um belíssimo prefácio à edição brasileira, com direito a citações de Dom Hélder Câmara, Paulo Freire e Bad Brains no mesmo texto! Não dá para querer mais do que isso.

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2. Malcolm (2014)

Boa ideia essa de transformar uma entrevista numa história em quadrinhos…
A Coleção Mondo Massari sempre reserva agradáveis surpresas e as aventuras editoriais mais ousadas. Malcolm é um exemplo perfeito: jornalismo musical em quadrinhos! Em 1995, o Massari fez uma entrevista com o Malcolm McLaren para a MTV Brasil. Papo longo, 50 minutos, mas pouca coisa foi utilizada desse material. Eis que, quase vinte anos depois, o Reverendo resolve converter a entrevista em uma história em quadrinhos, através do talento do desenhista Luciano Thomé. Para completar o time de talentos, o posfácio foi escrito pelo André Barcinski.

Essa foi a primeira HQ que você editou?
Eu nunca tinha editado uma HQ e foi um aprendizado e tanto. Complexo em alguns momentos, mas absolutamente recompensador na maior parte do tempo. A fonte (Komiks Grotesk) foi desenvolvida pelo Luciano e notamos — quando o letreiramento estava quase concluído — que a vírgula parecia ponto final. O editor desesperado liga para o artista, pede desculpas por ter notado isso tardiamente e solicita a correção. Ninguém gosta dessa parte do trabalho, mas ela é essencial para o sucesso do projeto. No fim das contas, deu tudo certo e tenho muito orgulho de ter participado da produção dessa HQ. Como disse o Massari na introdução, "abrimos uma passagem através da cabeleira vermelha".

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Considerando o significado dos nomes Ian Curtis e Joy Division, é incrível como ninguém tenha pensado em fazer uma edição brasileira desse título antes, né?
Acho que foi em 1997 que ouvi falar desse livro pela primeira vez. Na época, eu trabalhava na Eletropaulo e tinha um companheiro de trabalho que pirava em Joy Division. E ele tinha lido a edição portuguesa do livro de memórias da Deborah Curtis. Fiquei com essa lembrança na cabeça. Os anos foram passando, veio o filme Control, e lembrei novamente do camarada da Eletropaulo. E finalmente, quando comecei a trabalhar na Edições Ideal, esse foi um dos primeiros livros que indiquei. Era mesmo bizarro que ele não tivesse ainda uma edição brasileira. Problema resolvido, conseguimos lançar a obra por aqui.

E o projeto gráfico ainda ficou melhor que o original…
O projeto gráfico foi criado pelo Guilherme Theodoro (diretor de arte da editora). É trezentas vezes mais bonito do que a edição inglesa. Não tem nem comparação. Como o Gui também é fã de Joy Division, acredito que essa devoção tenha sido transferida para o produto. Fizemos duas versões: brochura e capa dura. A edição capa dura não traz nenhum texto na capa, apenas a foto do Ian Curtis durante um show na Holanda, em 1980. O que parecia uma opção estética arriscada, encontrou ressonância do outro lado e esgotou mais rápido do que a versão brochura. Os leitores sabem das coisas!

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4. Alguém Come Centopeias Gigantes? Seleção de Entrevistas do Zine Search & Destroy e da RE/Search Publications (2015)

Como rolou o contato com o V. Vale e o processo de confecção desse livro?
Para encurtar uma história longa: esse livro é um registro histórico. Quinze entrevistas inéditas no Brasil com nomes pesados do punk e da contracultura. Segura a lista: Jello Biafra, Devo, The Clash, Patti Smith, J.G. Ballard, The Cramps, Timothy Leary, Paul Krassner, John Waters, Henry Rollins, Lydia Lunch, Lawrence Ferlinghetti, Throbbing Gristle, Diane di Prima e William S. Burroughs. A ideia foi sugerida pelo Massari, que tinha conhecido o V. Vale em São Francisco e resolveu selecionar algumas entrevistas desse agitador/editor contracultural para criar essa antologia. E foi um processo à moda antiga, pois não recebemos arquivos digitais desses textos. Chegou pelas mãos do carteiro uma pasta preta aqui em casa, e dentro dela várias páginas xerocadas das entrevistas originais. Inclusive os cortes de trechos foram feitos à mão pelo Massari, diretamente nas fotocópias. Guardei a pasta aqui, como lembrança. O scanner da editora trabalhou freneticamente: todas as imagens que ilustram o projeto foram escaneadas dos livros originais. Um trabalho insano, mas muito divertido! E mais um projeto gráfico cabuloso do Guilherme! O que os personagens dessas conversas podem agregar à vida do leitor?
Alguém Come Centopeias Gigantes? é muito mais do que um título estranho, algo enigmático: é um registro fundamental sobre pessoas, ideias e movimentos que influenciaram muitos descontentes ao redor do mundo e, de modo surpreendente, também respingaram na cultura de massas. A própria existência de uma editora com o perfil da Ideal deve muito ao legado desses precursores. Pagamos tributo assim, na forma de um livro.

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5. Nós Somos a Tempestade Vol. 2: Conversas Sobre o Metal Alternativo pelo Mundo (2016)

Projetos assim, criados do zero, são os mais legais?
Sim. E os livros do Luiz Mazetto se encaixam perfeitamente nessa categoria. Pensar a capa, o projeto gráfico, a ordem das entrevistas, a padronização do texto, enfim, o livro como um todo. Pensar coletivamente, junto com o autor, o diretor de arte e o curador da coleção. É muito gratificante poder driblar a alienação do trabalho; em projetos como esse, os envolvidos conseguem se enxergar no produto final.

Já tínhamos feito o volume 1 em 2014, abordando as bandas americanas de metal alternativo, e agora o Luiz acaba de receber o seu novo filho, que trata do gênero em termos globais. Assim, nada mais apropriado que o livro tenha sido lançado primeiro em Portugal, durante o festival Amplifest​, no Porto.

Como é trabalhar com o Luiz?
Verdade seja dita: é muito fácil trabalhar com o Luiz, pois o material chega bem esmiuçado. Criamos uma certa confiança, então posso mexer no texto sem muito receio. Editar é cortar, menos é mais, e se tem uma coisa que aprendi nesses anos como editor (tanto de livros como de revistas) é que cortar é uma arte! O autor é o primeiro e melhor termômetro: se ele aprovar a edição, então o trabalho foi bem feito.

6. Bela Baderna: Ferramentas para Revolução (2013)

Bem, neste aqui, de certo modo, temos um retorno seu às raízes acadêmicas…
Sou formado em Ciências Sociais pela Fundação Santo André, turma de 1996. No entanto, nunca exerci a profissão de fato. Dei aula de história no distante ano de 1994, mas não segui na carreira de professor. Todavia, o desenvolvimento do pensamento crítico e do repertório cultural foram benefícios oriundos dessa vivência acadêmica. Por isso, tive especial prazer em editar a versão nacional do clássico Beautiful Trouble, batizado por aqui de Bela Baderna. Conforme ia trabalhando no livro, saltavam memórias da época da faculdade, em particular da primeira editora com a qual tive contato mais próximo, a extinta Editora Ensaio. Visitei algumas vezes a sede da editora na Rua Tupi, em São Paulo, e lembro-me de ficar divagando: "Será que um dia terei a oportunidade de trabalhar com isso?". O tempo e a vocação conspiraram a favor e aqui estou.

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O que você achou da experiência?
Foi muito interessante. Tive a chance de conversar por Skype com o Andrew Boyd, um dos organizadores do livro. Ele se mostrou muito interessado em entender melhor o que se passava no Brasil naquele momento (junho de 2013) e teve papel decisivo na escolha da melhor tradução para o título em português, dando o aval para a ideia sugerida pelo pessoal da Escola de Ativismo, que atuaram como coeditores do livro e foram fundamentais para o sucesso do projeto.

7. O Reino Sangrento do Slayer (2013)

Como a biografia do Slayer caiu no seu colo?
Logo que fui contratado para trampar na Edições Ideal, o Felipe [Gasnier] e a Maria [Maier] [o casal dono da editora] jogaram essa missão na minha responsa: fazer uma nova tradução da biografia do Slayer, pois a primeira tradução tinha ficado bem ruim. Missão dada é missão cumprida! Mergulhei no livro do Joel McIver e entreguei uma nova tradução, com a ajuda dos seguintes elementos: Lalo, Marcelo Jacote, Renato Puppi Munhoz, Marcos Garcia e Anderson Mattiello.

A identidade visual também foi refeita?
Foi, porque chegamos à conclusão de que, além de um novo texto, ele merecia também uma nova embalagem. Acionei o Daniel Justi e ele criou uma nova identidade visual para o projeto. Além do belo projeto gráfico, o Justi também desenvolveu uma capa de impacto, digna de uma banda como o Slayer. A nova edição saiu em capa dura, lindona!

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Muito louco que deu tempo de incluir uns depoimentos de homenagem ao Jeff Hanneman.
Recebemos a notícia da morte do Jeff Hanneman [guitarrista], aos 49 anos, poucos dias antes da finalização do livro. Resolvemos, então, fazer uma pequena homenagem coletando depoimentos de músicos, jornalistas e artistas brasileiros sobre o falecido guitarrista do Slayer. Foi o espírito do jornalista falando mais alto, obrigando o editor a retardar o lançamento para que esse adendo pudesse ser incluído. Esses detalhes, no final, fazem a diferença.

8. Suzy, Led Zeppelin e Eu (2015)

Vocês são fãs do trabalho do Martin Millar na Ideal?
Martin Millar é um dos autores prediletos do Neil Gaiman. E isso diz muito sobre o cara, né? Nós lançamos dois livros do escritor britânico no Brasil: As Boas Fadas de Nova York, em 2014, e esse, Suzy, Led Zeppelin e Eu, no ano passado. Nas palavras do Massari, Martin Millar é "um Nick Hornby mais temperado e dono de um humor gentil".

Esse não é exatamente uma biografia do Led Zeppelin, como alguns podem pensar…
Em geral, o nosso catálogo é formado por obras de não-ficção, então é sempre uma experiência agradável quando aparece algum romance pelo caminho. E melhor ainda se for um romance rock and roll, como é o caso! Suzy, Led Zeppelin e Eu é uma mistura de romance, livro de memórias e artigo musical, e a tradução é do Leonardo Scriptore, da banda paulistana Twinpine(s). O jovem e nerd Martin Millar conduz o leitor ao seu mundo em 1972, dividido entre a paixão por Suzy (a garota inatingível) e a ansiedade pelo show do Led Zeppelin, que promete abalar a cidade (Glasgow) e mudar muitas vidas.

Eu cresci lendo resenhas de shows em revistas de rock. E o bloco de capítulos que trata do tal show de Glasgow é basicamente uma grande e bem escrita resenha, carregada de emoção (fica evidente que o autor está relatando um show que foi muito marcante para ele) e de criatividade, ao ponto de ser difícil dizer o que de fato aconteceu e o que foi inventado. Em suma, é uma leitura deliciosa, e tenho orgulho de ter o meu nome envolvido nesse lançamento.

9. Jerry Lee Lewis: Sua Própria História (2015)

O que mais lhe atrai aqui?
Essa biografia faz parte da lista dos prediletos por um simples motivo: qualidade do texto. De modo geral, biografias de músicos não são necessariamente um sinônimo de texto primoroso. Obviamente existem as exceções, e esse livro de Rick Bragg faz parte desse seleto grupo. De todas as biografias lançadas pela Edições Ideal, essa é a minha favorita. Disparado. Concordo com a opinião emitida pela revista Vintage Guitar: "Simplesmente um dos melhores livros sobre rock and roll que já foram feitos. Rick Bragg transformou isso em literatura, situando-se em algum lugar entre William Faulkner e Jim Thompson". Lendo o livro, você percebe que o Rick Bragg não ganhou o Prêmio Pulitzer por acaso.

Não posso deixar de mencionar a tradução caprichada do Paulo Alves, fundamental para a riqueza da edição nacional. Apesar de ser uma biografia autorizada, ela não esconde nada: todas as polêmicas da trajetória do Matador estão reunidas nesse livro. Essa história épica merecia um relato à sua altura, e posso afirmar que os dois anos de entrevistas com o Jerry Lee Lewis resultaram em um material denso e comovente. Uma obra impecável.

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