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Música

Luiz Mazetto entrevista o Cult of Luna no 'Nós Somos a Tempestade 2'

Adiantamos o papo que o jornalista e colaborador do Noisey teve com o vocalista e guitarrista Johannes Persson, parte da segunda edição do livro que é a bíblia do metaleiro moderno.

O nosso querido e ilustre colaborador Luiz Mazetto acaba de lançar o segundo volume de sua documentação sobre o metal alternativo pela Edições Ideal. Nós Somos a Tempestade 2 expande o recorte das entrevistas para o cenário mundial — no volume 1, a abordagem se fechava especificamente nos expoentes vindos dos Estados Unidos. Com exclusividade para o Noisey, ele liberou a íntegra de uma das 32 conversas do apanhado, a que teve com o Cult of Luna. Outros nomes com quem ele trocou ideia entre 2014 e 2016 são Iggor Cavalera, Aaron Turner (Isis e Sumac), Kyuss, Pentagram, Labirinto e Amebix.

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No primeiro livro, o foco no cenário norte-americano foi definido mais ocasionalmente do que por uma apuração planejada, explica o autor: "Eu já tinha um material legal com bandas dos Estados Unidos quando veio a ideia de fazer o livro. A grande maioria das entrevistas eram com bandas justamente de lá. Aí acendeu aquela luzinha de que valia a pena focar nos Estados Unidos, justamente por ser o local onde o estilo nasceu e mais se desenvolveu no início". A proposta de um segundo volume, que a princípio era algo informal, se consolidou no começo de 2015, e a repercussão positiva do tomo anterior com certeza colaborou para isso. "Até porque era impossível não sentir que ainda tinha muito mais para se falar sobre o assunto, mais bandas para entrevistar, mais pontos para conectar", comenta Mazetto.

O ciclo sobre o metal alternativo, no entanto, se encerra aqui. Depois de traçar um panorama mundial da música pesada, está nos planos do jornalista voltar seus olhares para o Brasil. "Só que por enquanto não posso falar mais sobre o projeto", reserva-se. Enquanto você aguarda, dá para encomendar o Nós Somos a Tempestade 2 na Ideal Shop. [Eduardo Ribeiro]

Cult of Luna. Foto: Divulgação

Com quase duas décadas de carreira, o Cult of Luna é uma das bandas mais importantes e respeitadas do metal alternativo (ou pós-metal) na Europa e no mundo. Influenciados inicialmente por nomes como Neurosis e Breach, os suecos começaram a ampliar suas referências sonoras especialmente a partir do já clássico Somewhere Along the Highway (2006), quando deixaram a distorção um pouco de lado e se encontraram musicalmente, segundo o próprio vocalista e guitarrista Johannes Persson.

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Único membro original na formação atual e principal compositor da banda, Johannes destaca ainda que a vontade de experimentar é o que o move a tocar, como ficou claro no início de 2016, quando o Cult of Luna pegou todo mundo de surpresa ao lançar um disco em parceria com a vocalista norte-americana Julie Christmas (Made out of Babies e Battle of Mice). Nesta conversa, o cara também fala sobre o seu passado no hardcore, a importância do black metal na evolução da banda, faz piadas com quem chama o Cult of Luna de "hipster" e revela que o primeiro disco que comprou na vida é um clássico do Sepultura.

Luiz Mazetto: O Cult of Luna tocou no Beyond the Redshift Festival (com God Seed, Amenra e The Old Wind) em Londres, em maio de 2014, quando o Gaahl (God Seed e ex-Gorgoroth) dividiu o palco com vocês. Fale um pouco sobre isso.
Johannes: Tínhamos passado algumas semanas na estrada em turnê com o God Seed e esse era o último show. E, na verdade, eu toquei com o God Seed no festival algumas horas antes e foi uma experiência muito boa. E ter o Gaahl no palco foi incrível, mas não tão incrível quanto estar no palco com ele e o restante dos caras do God Seed. Isso foi algo que me tirou da minha zona de conforto, o que foi divertido. Quando eles me perguntaram "Você quer subir no palco com a gente?", eu apenas disse "Claro que sim, porra!" [risos]. Foi realmente um pico de adrenalina que eu não sentia em um palco há alguns anos.

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Já que falamos sobre o Gaahl. Você foi influenciado musicalmente pelo black metal de alguma forma?
Musicalmente, diria que o Cult of Luna não seria a banda que é hoje se não fosse pelo Darkthrone e outras bandas do início do black metal. E posso te dizer o motivo: uma coisa que "pegamos" desse estilo é o acorde aberto. Quando você vem de um background punk e começa a tocar, costuma fazer apenas power chords, que são basicamente duas notas. O black metal nos influenciou a usar mais acordes abertos. A primeira música que gravamos após a demo é a "Beyond Fate", que depois regravamos para o nosso primeiro disco. Se você escutar essa faixa, verá que os acordes abertos menores que vão por todo o braço são inspirados pelo black metal. Então fomos muito influenciados musicalmente por bandas como Mayhem, Darkthrone e outras.

Qual foi o ponto de virada para a banda? Talvez o lançamento do disco Salvation (2004)?
Para ser honesto, eu não sei. Foi nessa época que começamos a tocar bastante (após o Salvation). Sim, diria que provavelmente… Nós nunca vivenciamos nenhum grande salto de popularidade ou algo do tipo. Tem sido uma caminhada bem lenta até o ponto em que estamos agora. Não é como se de repente "Uau, estamos tocando em lugares maiores". Pessoalmente, penso que foi no Somewhere Along the Highway (2006) onde começamos realmente a nos entender musicalmente. Mas diria que muitas pessoas passaram a nos conhecer após o Salvation. Só que não sei se podemos dizer que foi apenas o disco que fez isso, porque realmente saímos e fizemos muitas turnês na época.

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Você mencionou o Somewhere Along the Highway. Possui um disco favorito com o Cult of Luna?
Acho que tenho o Somewhere Along the Highway como algo especial. A parte estranha sobre esse álbum é que o escrevemos de forma muito rápida, acho que algo em torno de dois meses. Mesmo já fazendo quase 10 anos desde que fizemos essas músicas, ainda consigo tocá-las e ficar meio emotivo sobre elas sem precisar pensar muito [risos].

Não sei se você sabe disso, mas algumas pessoas na Internet dizem que o Cult of Luna não é "metal o bastante" (por causa do visual de vocês) e que seriam uma banda hipster ou algo do tipo…
Essas pessoas podem ir se ferrar. Se tem algo que é "hipster" é querer ter essa discussão. E não vou me envolver nisso.

Vocês têm feito alguns podcasts ultimamente. Por conta disso, queria saber se pensa em talvez escrever um livro ou fazer um documentário sobre o Cult of Luna.
Não agora. Porque faço muitas coisas e não tenho tempo para fazer nada desse tipo. E não tenho muita certeza se pessoas suficientes estariam interessadas. Nós somos uma banda entediante. E, para ser honesto sobre isso, talvez esteja voltando um pouco àquele pensamento "nós não somos metal o suficiente" [risos]. Mas se vamos falar sobre backgrounds musicais, que são mais importantes, e não o tipo de besteira "morte ao falso metal", então sim, poucas pessoas na banda possuem um background metal. O que, na verdade, é um dos aspectos mais importantes da banda na hora de compor, já que não ficamos confinados às regras de algum gênero. É por isso que é tão incrível, entende? Como as pessoas na banda fazem algo com a nossa música que nunca seria criado por pessoas que só curtem esse tipo de som que estamos tocando. É assim que progredimos e seguimos em frente. É muito importante trabalhar com pessoas de fora do seu gênero para conseguir encontrar novas maneiras de fazer as coisas. Elas não ficam perdendo tempo pensando se são "metal o bastante" [risos].

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E acha que vocês receberam um maior reconhecimento recentemente como sendo uma das primeiras bandas a tocar esse tipo de som?
Quanto à cobertura da imprensa, acho que tínhamos muito mais na metade dos anos 2000. Isso foi antes da Kerrang! e todas essas revistas virarem publicações de pop punk. Meu sentimento é que recebemos uma cobertura menor agora, mas isso não importa. Não somos o tipo de banda que é dependente desse tipo de cobertura. Não sei, apenas acho que é estranho. Eu ainda vejo as coisas com os mesmos olhos de um moleque de 16 anos que foi influenciado por bandas como Unbroken. E de repente você percebe que está com 30 anos, ou mais, já que tenho 36 anos [risos], e fala com pessoas que dizem ter sido influenciadas por você. E ainda tenho dificuldades em sair desse meu olhar de 16 anos de idade para reconhecer isso. É uma honra que alguém que diga algo assim. Mas só estou esperando alguém me chamar de "falso" – mas acho que já fui, né [risos]? É difícil compreender que você está do outro lado do balcão. Sou alguém em quem outra pessoa se espelha musicalmente, em vez de eu fazer isso com uma outra pessoa.

Quais são os três discos que mudaram a sua vida?
O primeiro é o Life.Love.Regret (1994), do Unbroken. Outro álbum que realmente abriu meus olhos para a música… Bom, preciso fazer uma conexão com o Brasil aqui! Quando era adolescente, meus pais me deram alguns discos do Kiss e tudo mais, mas o primeiro disco que eu comprei com o meu dinheiro foi o Arise (1991), do Sepultura. E outro álbum seria o Peel Sessions do Joy Division. Quando eu tinha 18, 19 anos, estava tentando escrever músicas de maneiras diferentes. E só ouvia bandas como Botch e Coalesce. Mas, de repente, estou em uma loja de discos e encontro esse álbum do Joy Division, o Peel Sessions. E então ouço o álbum e fico desconcertado, como se nunca tivesse escutado nada parecido com aquilo antes. Quando você aprende a compor, nada pode ser mais importante do que o que traz coisas novas e frescas para a mesa. E o Joy Division me mostrou isso. Mesmo que eu toque esse tipo de música pesada, você pode ser pesado sem usar muita distorção.

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Sempre penso nisso quando escuto o Somewhere Along the Highway. Porque é um disco muito pesado, mas sem usar muita distorção de uma maneira mais tradicional, como as bandas de metal e hardcore costumam fazer…
Talvez porque a gente não seja metal o bastante. Me desculpe [risos]. O primeiro álbum que nós lançamos (autointitulado, de 2001) foi também a primeira vez que entramos em um estúdio. Então você vai e tenta fazer tudo o que pode, algo como produzir "o disco mais pesado possível". E quando nós gravamos o The Beyond (2003), usamos algo como cinco amplificadores diferentes em cada guitarra, meio que preenchendo todo o espectro de frequência. E então quando gravamos o Salvation (2004), usamos apenas duas linhas de guitarra. E no Somewhere Along the Highway (2006), tentamos fazer o menor número possível de takes. Aprendemos que o peso não vem do tamanho da sua distorção e isso representou uma grande mudança no nosso som. Provavelmente foi o disco do Joy Division "batendo" de novo naquela época [risos].

Quando você começou a tocar guitarra?
Comecei razoavelmente tarde. Fiz algumas aulas de guitarra aos 10 anos de idade, mas isso não conta, era apenas algo tedioso. Comecei a tocar guitarra por volta dos 14, 15 anos. Tinha um amigo que começou a ir em shows de hardcore e era um ótimo guitarrista. E ele tinha muita paciência comigo e virou meio que um professor de guitarra particular. Começamos tocando músicas de punk e hardcore apenas com power chords e, após algum tempo, realmente entrei de cabeça nisso e comecei a tocar algo como oito horas por dia por uns dois anos. Eu era um guitarrista muito melhor naquela época. Provavelmente sou um músico melhor agora, mas era tecnicamente melhor antes. Sou o cara que escreve as músicas. Mas isso está mais na cabeça do que nos dedos: são duas coisas diferentes.

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Quais as suas principais influências como guitarrista?
Não tenho nenhuma. Já passei disso há muito tempo. Nos últimos 10 anos ou mais tenho apenas tocado. Não estou interessado em "truques". Se uma revista de guitarra fosse me entrevistar, eu nem saberia o que dizer. Basicamente, eu sei apenas do que gosto. Sei qual o som de guitarra que gosto, as músicas que gosto. Não toco guitarra apenas por tocar. Toco para compor. Não estou interessado em fazer escalas ou nada desse tipo.

E você vê alguma banda na Suécia que talvez possa considerar como "espírito irmão" do Cult of Luna, como o Breach ou o Terra Tenebrosa, por exemplo?
Ah, eu esqueci totalmente do Breach. O vocalista do Breach (Tomas Hallbom) possui uma outra banda ótima chamada The Old Wind. Atualmente existem muitas bandas boas na Suécia, como Kongh e Switchblade. É com esse tipo de banda que nos sentimos mais conectados na cena sueca. O Terra Tenebrosa também é ótimo. E o It's Me God (1997), do Breach, está no meu Top 5 de todos os tempos.

Há alguns anos vocês fizeram uma ótima versão acústica da música "Passing Through". Por isso, queria saber se já planejaram fazer mais coisas desse tipo ou talvez um disco inteiro acústico? Já li que você é um grande fã do Tom Waits. Pensa em fazer algo mais despido como alguns cantores de folk e afins?
Vou dizer que durante a época do Somewhere Along the Highway, e acho que é possível ouvir isso, eu só escutava homens velhos cantando e tocando violão [risos]. E foi isso que me influenciou. Sou um grande fã do Tom Waits e conheci recentemente o David Eugene Edwards, do Wovenhand e do 16 Horsepower. Sou um grande fã desse tipo de música. Mas não sei, não tive nenhum problema em fazer aquele lance acústico ao vivo na Finlândia, mas aquilo foi algo especial. Não tenho nenhum problema com aquilo, mas não sou um grande fã de bandas fazendo isso. Porque é meio que o equivalente ao disco do Metallica com a orquestra, o S&M (1999)… Eu não sei, talvez fosse interessante transformar as músicas em algo diferente. Mas por que você faria covers das suas próprias músicas? Talvez eu não tivesse problemas com isso em outro formato. Adoraria fazer algo bem diferente e acho que isso vai acontecer mais cedo ou mais tarde, vamos ver. Uma coisa que me move é a vontade de experimentar.

Do que você tem mais orgulho na sua carreira?
Existem tantos momentos especiais. Essa é apenas a pergunta mais difícil. Mas quero que você saiba que nunca tomamos nada por certo, garantido. É uma coisa muito estranha quando você percebe que as coisas deram bastante certo. Quando você recebe uma oferta para voar pelo mundo e fazer coisas desse tipo e ainda não consegue compreender, algo como "Eles estão fazendo isso por nós? Há realmente uns caras esperando por nós no aeroporto?". Apenas tenho orgulho que as pessoas ainda queiram trabalhar conosco. E com todo disco que lançamos, eu penso "É isso, as pessoas vão nos odiar". Isso é algo de que tenho orgulho, acho que conseguimos sempre ficar melhores. Acho que somos uma banda ao vivo muito melhor hoje do que éramos há cinco ou dez anos. Ainda estamos melhorando e isso é algo de que tenho orgulho. Isso não poderá continuar para sempre, mas os nossos shows são muito melhores hoje do que eram antes.

Nós Somos a Tempestade será lançado em São Paulo neste fim de semana:

Sábado, 27/8, a partir das 15h, na Ugra Press

Sábado, 27/8, a partir das 20h, no Dissenso Lounge + show do Labirinto & banda surpresa

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