Eu, meu pai e o futebol
Ilustração: Flora Próspero/VICE

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Eu, meu pai e o futebol

Contamos casos em que o esporte foi responsável por unir pais e filhos.

Quando nasci, o primeiro pedaço de pano que tocou meu corpo para impedir o frio e diminuir o enorme choque que é entrar nesse mundo foi um cobertor do Santos. Meu pai é santista de coração, alma e DNA, assim como meu avô, seus irmãos, primos e sobrinhos. Formamos juntos uma família quase que integralmente do Peixe.

Quando a Torcida Jovem quis emplacar o hino oficial, meu pai que trabalhava em gráfica não se preocupou em gastar as tintas da impressora para imprimir a cópia da letra para mim, minha irmã e minha mãe. Na hora do jantar ele distribuiu os papéis, colocou na TV e seguimos cantando "Sou alvinegro da Vila Belmiro / O Santos vive no meu coração" até conseguirmos decorar. Tínhamos pouco tempo, afinal, dali a alguns dias, iríamos à Vila Belmiro para assistir Santos e São Caetano pelo Campeonato Paulista. No fim, cantamos bastante e ajudamos a empurrar o time que ganhou de 3 a 0.

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Pouco depois ele me colocou em uma escolinha de futebol feminino para seguir seus passos. Lembro dele me trazendo uma chuteira toda branca e rosa depois de meu primo cansar de emprestar a número 40 pra mim. Depois que terminava o treino, no carro ele sempre me dava os toques do que precisava melhorar. Quando a gente viajava, a melhor hora era quando ele brincava de bater bola na praia comigo, fazendo os chinelos de trave e contando embaixadinhas.

Eu, Edu (ex-lateral do Santos em 1970) e meu pai em Bertioga. Foto: Arquivo pessoal.

Hoje não vamos mais pra praia com tanta frequência, mas a chuteira nunca saiu do meu pé. Com os campeonatos e jogos que tenho sempre tarde da noite ou sábado de manhã, aquele cara que me corrigia no carro a caminho de casa após o treino de futebol é o que dá os mesmos toques nove anos depois.

E eu não sou a única que tive essa ligação com o pai por causa do esporte. Na verdade, muita gente que conheço só fala com o pai para tratar de futebol. Pensando nisso, recolhemos em homenagem a este dia alguns relatos de pessoas que, como eu, guardam boas memórias e carregam grandes influências por conta do seu velho boleiro.

"Era o Corinthians entrar em campo que as diferenças eram deixadas de lado"

Sou corintiano por causa do meu querido pai. Ele era um corintiano apaixonado, desde bebê eu me visto com as vestes do time. Meu pai, por causa da criação difícil que teve, era um homem muito fechado, difícil de lidar, e ainda tinha o agravante do vício em álcool. Então a nossa relação, principalmente durante a minha adolescência, foi bem conflituosa. Mas era o Corinthians entrar em campo que as diferenças eram deixadas de lado. A gente torcia, vibrava, comemorava como se não houvesse amanhã. Poderia ser uma simples partida, sem validade alguma, mas torcíamos como se fosse uma final de campeonato.

Vinícius e seu pai na comemoração do título do Campeonato Paulista em 2009. Foto: Arquivo pessoal.

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Ele tinha um costume incrível de assistir o jogo no mudo na TV, acompanhado da narração do rádio. Depois que ele partiu, não consegui mais fazer isso porque caio no choro.

Em 2009 comemoramos o nosso último título juntos, o Campeonato Paulista. Foi muito simbólico porque era o Corinthians de volta à elite do futebol, depois da queda para Série B no Campeonato Brasileiro no ano de 2007. O Ronaldo Fenômeno estava no time, a campanha do Corinthians no campeonato foi imbatível, venceu o torneio de forma invicta. Foi uma explosão de alegria.

No mesmo ano ganhamos outro título, a Copa do Brasil. Nesse dia ele estava trabalhando, mas ele fez questão de me ligar do meio do expediente para simplesmente dizer: "É nóis, filho! Vai, Corinthians".

Em setembro de 2009 ele partiu, um infarto fulminante fez parar de bater o coração corinthiano do meu velho, o que fez o meu começar a bater mais forte a cada vez que nosso time entra em campo.

Vinícius Vieira de Oliveira, 30 anos, em memória a Venâncio de Oliveira, que morreu com 54 anos de idade

Eu vi meu pai chorar pela primeira vez por causa do Santos

Em 2002, o Santos foi campeão brasileiro em cima do seu maior rival, Corinthians, após ficar 34 anos sem conquistar o título nacional. Na época eu tinha 4 anos e não entendia muito bem de futebol. Eu era são-paulino por causa dos meus irmãos, porém aquele time do Santos cheio de jogadores jovens e talentosos, como Diego e Robinho, foi responsável por fazer eu ver pela primeira vez na vida meu pai santista chorar de alegria após encerrar o jejum e o grito que estava entalado desde 1968. A partir daí não tinha como não começar a torcer pro Santos e não admirar a magia e a emoção que o futebol é capaz de proporcionar.

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Quando criança jogava futebol todos os dias com o meu pai na rua quando ele chegava do trabalho. Apesar de estar cansado por trabalhar o dia inteiro, ele sempre tinha um tempinho e disposição pra jogar comigo. Em muitos sábados ele acordava cedo para me levar e me assistir jogar nos treinos de futebol. Hoje em dia, sempre que possível, vamos aos jogos do Santos e nossa amizade está presente ali.

João Guilherme de Faro Santos, 20 anos e Claudio Alves dos Santos, 60 anos

"Ele falava pra eu jogar de vestido pra mostrar pros meninos que eu era menina e jogava bola"

Minha família inteira é esportista e a vida inteira eles sempre acreditaram que o esporte muda sua vida. Quando eu tinha uns 9 anos, meu pai começou a insistir para eu jogar futebol. Ele, que jogou a vida toda, falava que eu deveria ser jogadora. Na época eu pensava que era coisa de menino e ele comentava: "não, é coisa de menina! Menina também tem que jogar futebol. Todo mundo tem que jogar.” Meu pai me mostrava algumas meninas jogando e falava "tá vendo a menina jogando? Vai jogar futebol." Aí entrei no clube por influência dele. Eu jogava em um time só de menino e meu técnico era meu próprio pai. Ele me ajudava ao dizer o que tinha que fazer e como agir. Uma coisa engraçada é que ele falava pra eu jogar de vestido pra eu poder mostrar pros meninos que eu era uma menina e estava jogando futebol, sim.

Maria quando pequena ao lado de seu pai. Foto: Arquivo pessoal.

Nos jogos do meu irmão eu assistia os jogos ao lado dele, e ele sempre me mostrava as regras a partir dos jogos. Hoje tudo que eu sei em relação ao futebol é por causa dele. Desde que me conheço por gente todo mundo fala que a gente é grudado um no outro. Mas é muito bom eu ter jogado futebol porque eu pude ver um lado do meu pai que eu não veria.

Maria Hungria De Luca, 21 anos e Fabio Trebilcock Tavares De Luca, 56 anos

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