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Música

Hippies e Meganhas: O Diário de Turnê de Buzz Osbourne, Parte Dois

Depois de enviar a primeira parte, sobre sua viagem subindo o litoral da Califórnia, King Buzzo está de volta com o relato da etapa seguinte da turnê, pelo Noroeste do Pacífico.

Da última vez que conversamos com Buzz Osborne, do Melvins, perguntamos o que ele achava da Miley Cyrus e do Mumford & Sons (spoiler: não muita coisa). Agora, King Buzzo está na estrada, em uma turnê solo acústica chamada "This Machine Kills Artists". Já que para começo de conversa a ideia toda pareceu deixá-lo meio tenso, perguntamos se ele poderia nos mandar uns relatos da estrada. Depois de enviar a primeira parte, sobre sua viagem subindo o litoral da Califórnia, ele está de volta com o relato da etapa seguinte da turnê, pelo Noroeste do Pacífico.

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SÃO FRANCISCO, CALIFÓRNIA

Ficamos parados no engarrafamento por mais de uma hora, bem ao meio-dia, esperando para pagar o pedágio que nos permitiria cruzar a fantástica e novinha em folha Bay Bridge. Infelizmente, tudo ocorreu direitinho como esperado e planejado. É interessante que eles tenham construído uma ponte inteira cruzando uma enorme extensão d'água, mas não consigam, ou se recusem a, achar algum jeito de fazer os carros passarem com mais eficiência por aquelas malditas cabines do inferno. Ao que parece, quem tem a audácia de querer chegar de carro a São Francisco deve ser punido. É como se os poderosos da Bay Area não acreditassem que a vida dos motoristas mereça qualquer atenção.

Tenho certeza de que essa é a verdade, e fodam-se todos eles por isso.

Essa zona toda me põe à beira de um ataque psicótico e violento, que permanece comigo o tempo inteiro enquanto cruzo a cidade, até estacionarmos em frente ao Great American Music Hall. Adoro essa casa de shows, e já tive o prazer de tocar aqui dezenas de vezes, num período de mais de duas décadas. É um espaço lindo, e eu mal podia esperar para montar tudo e ficar pronto para o show daquela noite.

Buzz, Brian e Dave

Dave e Brian estão trabalhando para mim nessa viagem. Gosto desses caras, e trabalho com eles faz anos. Nos damos muito bem, o que é um bônus, e eles têm uma maneira muito realista e divertida de encarar a nossa sina como menestréis viajantes, ou ciganos retardados viajantes. A linha que separa as duas coisas é tênue.

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Partimos para Sacramento depois de um ótimo show em São Francisco e, enquanto eu dirigia em velocidade máxima pela Bay Bridge, não me saía da cabeça como que todo o negócio da música parecia uma forma bizarra de insanidade demente, cheia de mentiras desgraçadas e vagabundos imbecis e sem talento. É como se o mundo todo fosse um gigante doente se retorcendo num estrebucho final antes da morte, e cá estou eu na porra de uma turnê acústica…

Sério?

Já está acabando?

É agora que seremos destruídos?

Acho que poderia ser verdade, mas duvido. Duvido porque está claro que ainda não sofremos tudo o que há para sofrer.

EUGENE, OREGON

Chegamos a Eugene, no Oregon, que é lar de centenas de hippies sujismundos, e o que não me saía da cabeça era Alice Cooper. Eugene é um dos vértices do Triângulo das Bermudas hippie, composto de Eugene, de Boulder, no Colorado, e de São Francisco. Hippies velhos e jovens entram nesse vórtex e ficam presos num ciclo infinito de perambulações sem sentido entre essas três cidades infelizes. Nos bons e velhos tempos antes que Jerry Garcia morresse, eles às vezes saíam desse triângulo para seguir o Grateful Dead por aí, sempre que a banda decidia pegar a estrada, mas, desde que o Captain Trips Garcia bateu as botas, os hippies estão presos para sempre nesse vazio, e agora tornam a vida, para qualquer não-hippie que more nesta área, num inferno de maconheiros hippies imundos descalços mendigantes. Que maravilha…

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Mas o que isso tem a ver com o Alice Cooper? Bom, ele sempre disse que o objetivo da Alice Cooper Band era tentar enfiar uma estaca no coração da geração paz e amor. Assim é que se fala – mas cadê Alice quando mais se precisa dele?

WOW Hall

Eu estava tocando no WOW hall, um espaço em que venho fazendo shows há mais de vinte anos. Nos bastidores, depois da passagem de som, fiquei folheando distraído umas revistas velhas de artes e espetáculos, publicadas em Eugene mesmo, e descobri, para minha grande surpresa, que eram exatamente iguais a todas as outras publicações semanais do país inteiro – ou seja, cheias de confusão política baseada num besteirol sabor pseudocomunista, e qualquer um que ouse fazer o menor questionamento a esses pontos de vista altamente intelectualizados recebe de imediato o rótulo de lacaio racista que anda de mãos dadas com a elite imperialista governante. Esão revistas sobre música! Rá!

Enfiados no meio dessa insanidade sem sentido, encontrei dois agradáveis artigos sobre mim e o meu show naquela noite, que eram muito camaradas e bem escritos. Obrigado por essa, Eugene! No show correu tudo muito bem, e me diverti pra caralho. Por sorte, o público se mostrou muito receptivo ao meu novo trampo acústico. Isso é bom.

Colocamos tudo dentro da van e fomos para o norte, em direção a Portland, com Jimi Hendrix de trilha sonora, e nenhuma nuvem no céu negro como piche da noite estrelada. Hendrix foi a pedida perfeita para nossa fuga de Eugene, e sua música profundamente religiosa, "Voodoo Chile Slight Return", me colocou de volta nos trilhos, com o tipo certo de mentalidade transbordando ódio pelos hippies.

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PORTLAND, OREGON E SEATLE, WASHINGTON

Tenho boas memórias de Portland e Seattle. A gente sempre se divertiu muito farreando nas duas cidades. Eu sabia que esses shows seriam bons, e foram mesmo. Pedi a Steve Turner, do Mudhoney, que abrisse ambos os shows, e ainda bem que pedi, porque ele foi ótimo. Ótimo e completamente diferente do que eu estava fazendo, então foi uma noite cheia para todos.

Durante o show de Portland, eu não parava de pensar em todas as pessoas que conheci por lá no decorrer dos anos, que hoje estão mortas, na cadeia, voltaram a morar com os pais, enlouqueceram ou simplesmente sumiram. No início dos anos 80, Portland e Seattle eram muito mais assustadoras do que são hoje, com muitas depravações nível sarjeta escancaradas e hordas de lixo humano infestando os bairros do centro. Para dizer o mínimo, rendia umas aventuras bem pitorescas. As coisas mudaram, e eu prefiro que continuem assim. O que será que aconteceu com o lixo humano?

Nos bastidores, em Portland.

O Mudhoney é a última banda dos velhos tempos que ainda tem alguma coisa a ver conosco. Gosto muito de todos aqueles caras. Mark Arm apareceu no show, o que foi uma bela surpresa. Mark foi uma das primeiras pessoas com que fizemos amizade no início dos anos 80, quando começamos a nos arriscar nas grandes cidades, vindos da cidadezinha de merda em que vivíamos na baía de Grays Harbor. Já ouvi dizerem que a história pessoal do sujeito não começa até que ele saia da própria cidade natal, e não vejo motivos para discordar. Com certeza foi assim que funcionou no meu caso. É engraçado pensar que sou amigo de Mark e Steve há mais de 30 anos. Jesus!

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BELLINGHAM E SPOKANE, WASHINGTON

O show em Bellingham foi meu primeiro lá. Eles me deixaram erguer a parede de trás, de modo que eu pudesse tocar com as costas viradas para o lado de fora, para a rua. Muito estranho, mas é algo com que eu poderia me acostumar. Tinha gente dos dois lados, atrás e na frente. Mas era uma galera bastante bêbada, e eles falaram alto o tempo inteiro. Já que eles não viram nenhum problema em fazer isso, acho justo que não reclamem quando eu voltar com a banda inteira e colocar, estourando no PA, nada além do ruído de motocross intensificado pelos meus amplificadores durante duas horas.

A extorsão em Bellingham

No dia seguinte tínhamos que percorrer 560 quilômetros até Spokane, então saímos cedo. Depois de darmos um pulinho no Estreito de Snoqualmie, chegando perto de Ellensburg, lembrei de o carro ter quebrado por ali em 1985, quando estávamos a caminho para fazer um show na área Tri Cities do sudeste de Washington. Era cerca de meio dia quando a van de merda em que estávamos resfolegou até parar, enquanto a gente tentava chegar a Yakima. Isso, é claro, aconteceu anos antes de inventarem o celular, então não tivemos escolha senão tentar pegar carona pelos mais ou menos quinze quilômetros até a cidade, o que não deu certo, porque todo mundo se recusou a parar. Então fizemos a pé o trajeto até um orelhão, e ligamos para um mecânico amigo nosso, que deu algumas ideias sobre o que fazer para tentar resolver o defeito nós mesmos. Nos arrastamos entroncamento acima até a rodovia, fazendo o caminho de volta, e fomos imediatamente parados por um guarda estadual altamente agitado e boca suja, que não acreditou nem um pouco na história de que o carro tinha quebrado. Ele nos disse para "entrar no porra do carro" e que veria com os próprios olhos se estávamos mentindo ou não. Eu pensando "maravilha, agora a gente vai ser preso", mas em vez disso ele parte na direção em que dissemos que estava nosso carro. O policial guiou num silêncio de pedra até dizer: "é aquele o veículo de vocês?", que mal podíamos enxergar àquela distância. Dissemos que sim, e ele imediatamente encostou e nos expulsou do carro, deixando a gente para andar os mais ou menos três quilômetros até a van escangalhada. Meganha é foda.

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Até hoje isso me deixa puto, e penso numa coisa que o Jack Grisham do TSOL disse: que ele era pró-polícia, mas antipoliciais. Nem me fala. Gambé é foda.

Spokane ostenta a maior taxa de criminalidade do estado de Washington, e por um motivo simples: as cadeias não têm espaço para mais ninguém. As autoridades daquele município dizem que é caro demais alojar tantos criminosos, então eles simplesmente soltam os infratores mais cedo, como quem distribui pirulitos. Caro demais mantê-los na cadeia? Qual é o custo para a comunidade quando eles estão correndo soltos pelas ruas? Ninguém sabe, porque essa é uma despesa impossível de calcular. Perfeito. Não preciso dizer que ficamos de olho na nossa van a noite toda.

O show de Spokane correu bem. Havia muita gente e até mesmo uma mãe trêbeda, que trouxe a filha de oito anos e colocou-a bem na frente e no meio da plateia durante o show. Durante uma das minhas pausas, ela proclamou em ALTO e bom som, para mim e para todos, que aquele era o primeiro show da vida da menina. Eu disse à filha que, já que era o seu primeiro show, ela precisava compreender que o meu plano era cortar os pulsos e jorrar sangue para todo lado, e depois disso tirar a minha fralda. Dali em diante, nos próximos shows, se as bandas não fizerem isso, ela vai saber que está sendo embromada.

Tradução: Marcio Stockler

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