FYI.

This story is over 5 years old.

Entretenimento

Assisti um desfile de moda do pessoal da Terra plana

É claro que o boné de papel-alumínio faz parte do visual.
Todas as fotos pelo autor.

Parece que estou sempre cruzando caminho com teóricos da conspiração. Como a vez que viajei para Amsterdã e no avião sentei do lado do famoso teórico da conspiração George Green, que publicou livros sobre uma raça alienígena chamada pleiadianos e me mostrou $1 mil em ouro sólido com que estava viajando, porque achava que seria a única coisa de valor depois do apocalipse. Ou a vez em que eu estava em Huntington Beach, Califórnia, e um cara começou a me falar sobre as tramas do Rothschild enquanto Complicações do Amor do Mark Duplass passava numa TV atrás da gente. Por destino ou interferência do Estado Profundo, estou começando a pensar em mudar minha tribo no Grindr para Alex Jones.

Publicidade

Enquanto eu estava passando pelo meu feed do Meetup.com outro dia, cruzei com uma postagem do Primeiro Desfile de Moda da Terra Plana, que ia acontecer numa loja em Anaheim, Califórnia, chamada Streetwear Addicts, uma “loja de moda masculina que promove a verdade desde sempre e a Terra Plana desde que ficamos conscientes desse fato”. Então eu tinha que ir até lá e pelo menos tentar comprar um boné de papel-alumínio.

Estilistas muitas vezes fazem declarações políticas com suas coleções, mas até onde eu sei, o único caso de moda e Terra plana colidindo foi o lançamento do tênis do Kyrie Irving.

A Streetwear Addicts é uma lojinha propriedade de Steven Fisher. Seus vizinhos são um salão de manicure e uma empresa de cobrança de fiança. Entrando você vê uma parede coberta com meias Dope, dois bonecos do Mac Dre e parafernália da Terra plana que Fisher comprou pelo Ebay. Olhando as araras de roupas, você tem a mesma chance de achar uma camiseta da Nike quanto uma que diz “Terra plana”.

Encontrei Fisher enquanto ele estava reposicionando algumas araras para abrir espaço para a passarela. Ele é careca, um pouco gordinho e estava usando bermuda camuflada – que é como eu imagino que o elenco do No Limite se veste hoje. Veterano da Marinha e ex-plantador de maconha, Fisher disse que, cinco anos atrás, ele foi uma das primeiras pessoas no Instagram a começar a postar sobre Terra plana. Sua conta @streetwearaddicts714 tem mais de 7 mil seguidores, mas, segundo ele, ele tinha 25 mil antes de ser derrubado pela Jewish Defense League. Acho que Fisher não percebeu que eu era judeu, porque ficou falando das várias maneiras como os judeus estavam destruindo o mundo. No Instagram da Streetwear Addicts – entre uma postagem e outra você encontra um meme de conspiração sionista. Ele também parecia muito confortável usando a palavra “Holohoax” para se referir ao Holocausto na minha frente. Eita.

Publicidade

Além disso, muita gente no evento parecia acreditar numa Mídia Judia. O que no meu caso, tecnicamente não é mentira, acho. Culpar os judeus sempre esteve na moda, então não achei uma surpresa que pessoas usando camisetas “TERRAPLANA” no estilo do logo da Supreme pensem que estamos por trás da Nova Ordem Mundial, do 11 de Setembro e de fenômenos climáticos. Fico até um pouco triste em saber de quantos planos e agendas secretas me deixaram de fora. Cadê meu convite? Tudo que o judaísmo me deu foram mensagens de eventos do Birthright Israel e a história constrangedora de como minha mãe enterrou meu prepúcio embaixo de uma árvore no quintal de casa.

Tentei perguntar a Fisher sobre sua nova “coleção” – que na real eram só camisetas de algodão com o mapa da Terra plana estampado no peito – mas ele continuava falando de chemtrails e MKUltra. Quando ele começou a falar que os artistas que fazem os shows do intervalo do Super Bowl estão “literalmente fazendo rituais na nossa cara”, fiquei perdido. Então me virei para o casal que estava do meu lado, que pareciam pessoas normais, tinham um bebê e, achei, também deviam estar perdidos.

Mas a mulher disse “Sabe, como quando a Beyoncé, no Super Bowl, fez o sinal Illuminati? O triângulo? 666?”

O casal era Mike e Deana Geier, produtores e compositores musicais cristãos de Canyon Lake, Califórnia. Apesar de acreditarem na Terra plana há três anos e já terem, segundo eles, convertido pessoalmente mais de 20 pessoas, o desfile era o primeiro evento social deles com a comunidade.

Publicidade

Foi o Mike que se envolveu primeiro com a Terra plana, e por meses isso foi um ponto de discussão sério entre eles. Mas aí, ele disse, Deanna “teve um sonho e sentiu que Deus contou a ela que era verdade”. Mike e Deanna queriam muito que eu entendesse que eles não eram tão diferentes assim de todo mundo. “Somos muito normais, cara”, disse Mike. “Tipo, a gente pratica remo em pé.”

O dono da Streetwear Addicts, Steven Fisher

Antes de ir para o evento, eu imaginava que seria uma coisa “Milão meets MAGA”, mas vendo o estacionamento onde uns 50 discípulos da Terra plana estavam conversando, ficou claro que o “desfile” era mais uma desculpa para o pessoal se reunir e falar sobre a Terra plana.

Barraquinhas, mesas com comida, cerveja – poderia parecer uma festinha normal se não fosse por todo mundo estar usando jalecos de laboratório e ter a câmera de selfie do celular coberta com silver tape. Um pessoal estava tocando covers da Terra plana de músicas pop, tipo a paródia de DelanoTV de Weeknd “The Earth is Flat” e um cover Terra plana de “Hello” da Adele, com uma letra tipo “Hello from the inside / I'm here to tell you NASA lies”.

Tentando me misturar, conheci discípulos simpáticos da Terra plana com adesivos de nome dizendo Dan The Water Man, Flat Earth Dude e Earth is Seriously Flat, e caras mais paranoicos, como um tiozinho chamado Adam que acusou Dan The Water Man de ser da CIA e ter me convidado para o evento para fazer todos eles parecerem loucos.

Publicidade

No final do dia rolou um bingo. Um dos prêmios era esse colar da Terra plana.

Em certo ponto acabei aparecendo no livestream do youtuber britânico Poncho Pete, onde ele ficou gritando a palavra “horizonte” na minha cara. Ninguém nem tentou falar de outra coisa. O próximo evento podia ser uma orgia e a única coisa que você ia ver é o pessoal pelado mostrando mapas da Terra plana. Enquanto eu falava com Sydney Silver – que se descreveu como cientista e uma das modelos do desfile – perguntei se eles nunca falavam de outras coisas nesses encontros, tipo esportes. “Só sobre como todos são todos armados”, ela respondeu.

Várias teorias diferentes da Terra plana estavam sendo discutidas. A Antártida é uma parede de gelo. Estamos cercados por um oceano de ar (?). Dinossauros? Não. Evolução? Provavelmente não. Espaço? De jeito nenhum. Christian Perez – que prefere o termo “geo-horizontologista” em vez de discípulo da Terra plana – citou o Gêneses, a fonte mais mencionada pelo pessoal naquele dia, como base de suas crenças. “Não acreditamos no que está fora desta redoma”, disse Perez. Ele estava particularmente preocupado com a ideia de demônios vindo “para a Terra se fingindo de alienígenas” para afastar as pessoas de Deus e desencadear o apocalipse. “Primeira coisa, você precisa do espaço para isso. Por isso não temos espaço.”

Finalmente, com quatro horas de atraso, era hora da passarela. Nesse ponto, tinha umas 20 pessoas presentes, então Fisher tirou as cadeiras que estavam sobrando para o lugar parecer menos deprê.

Publicidade

O desfile em si durou uns cinco minutos e foi só as mesmas pessoas que já estavam usando as roupas e acessórios da Terra plana andando de um lado para o outro da loja. Todo mundo adorou. O pessoal ficou fazendo pose, dando high five e zoando, e, se não acreditasse em tudo que acredito, eu provavelmente também teria me divertido. Fui embora quando Fisher começou a obrigar o pessoal a participar do bingo com prêmios da Terra plana, que eu descreveria educadamente como “porcarias aleatórias”.

Na saída, parei para conversar com J.P., Alisa Garcia e o filho de 13 anos deles, Jake. Jake é filho da Alisa de um outro casamento, e aqui vai a coisa irônica – ela diz que o pai biológico dele é um engenheiro aeronáutico da NASA.

Camisetas e bonés da última coleção de Fisher.

Apesar disso, Jake tem orgulho de acreditar na Terra plana e disse que a melhor coisa a fazer é questionar tudo. “É difícil aceitar que mentiram pra você esse tempo todo”, ele disse. “De alguns professores eu até gosto, mas eles não sabem toda a verdade.”

A única “verdade” que descobri nesse evento foi que nada é real, a vida é falsa e judeus são ruins.

Não comprei uma camiseta, apesar de ter chegado com essa intenção. A ideia me deixou desconfortável. Claro, celebridades ainda usam John Galliano mesmo depois do piti antissemita que ele deu – mas ele é alta costura, queridinha.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.