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Música

Por que os rappers norte-americanos adoram teorias da conspiração?

As teorias de B.oB. sobre se a terra é plana ou não é uma das características mais comuns no meio do hip-hop, onde o ato de desconfiar, de questionar e de atacar tudo que lhe foi dito é parte essencial do trabalho de um rapper.

Imagem via B.o.B no Instagram.

Recentemente, o rapper de Atlanta B.o.B – o cara responsável por hits pop como "Nothin' on You" e "Airplanes", além de ter mais recentemente participado das músicas "Up Down", de T-Pain, e "Paranoid", de Ty Dolla $ign – causou frisson no Twitter depois de apresentar algumas evidências de que a Terra era plana. Os comentários viralizaram, culminando numa discussão do rapper com o renomado astrofísico Neil deGrasse Tyson, que tentou convencer B.o.B de que o mundo é, na verdade, redondo. Daí o músico lançou um rap contra Tyson.

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Deixando a obsessão com a teoria da terra plana de lado, a carreira de B.o.B parece ter dado uma guinada alguns meses atrás. Ele lançou dois EPs intitulados WATER e FIRE (False Idols Ruin Egos), mostrando um recorte bizarro do dom do rapper para o pop e seu ceticismo recente por todo o cânone da razão humana.

Em "Uncomfortable", de WATER, ele completa a trilogia da paranoia: diz que acordou da Matrix, fala bosta do Charles Darwin por ter sido maçom e afirma que a NASA mostra imagens criadas por computador das estrelas. Em "The Crazies!!!", ele manda o verso de duplo sentido "That jet fuel gon' melt them steel beams, girl".

Em FIRE, bom, tem uma faixa chamada "False Flag", e só por isso você já vai entendendo do que se trata. É uma mistura pra lá de estranha e fascinante do velho extremismo retórico de B.o.B, saído direto de um disco de Pharoahe Monch e feito sob encomenda para uma noite muito louca no clube de striptease Magic City, de Atlanta.

Mas isso é parte de uma longa e rica tradição de rappers norte-americanos expondo seus pontos de vista míopes sobre o mundo ao redor. Antes de B.o.B, foi Chris Brown tuitando que o governo estava usando o Ebola para controlar a população; o Instagram de Chingy; e "Georgia Bush", de Lil Wayne, que acusava o governo de explodir os diques ao redor de Nova Orleans durante o Furacão Katrina. Antes disso, Prodigy, do Mobb Deep, se juntou a Alex Jones para mandar a ciência sobre os Illuminatis . E, aproveitando que estamos no assunto, não vamos esquecer as sugestões frequentes de que Jay Z é illuminati.

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Isso sem falar nos vários rumores cercando as mortes prematuras de ícones como Tupac, Biggie, Pimp C, Eazy-E e Aaliyah que atingem níveis mais altos de irrealidade a cada ano. Ou a crença de que o então presidente dos EUA Ronald Reagan introduziu o crack e a AIDS na comunidade negra, uma teoria que já foi repetida tantas vezes no rap por lá que já virou uma opinião.

Para alguns, essas ideias amalucadas são um charme típico do gênero. "Isso é parte do hip-hop", disse o rapper, produtor e escritor J-Zone, que documentou suas décadas como um estranho na cena do rap em seu livro Root for theVillain. "Essa sempre foi uma forma artística na qual as pessoas estão constantemente se testando. Acho que qualquer coisa que gere debate é hip-hop, não importa quão absurda."

"Mas isso chega ao ponto de se tornar ridículo", acrescentou J-Zone.

"Gente que conheço pessoalmente", comentou a lenda do rap de Houston Bun B, estava convencida de que "o ano de 1995 deveria simbolizar uma grande revolução no mundo. Esse tipo de conversa surgiu de novo com Y2K." E, quanto aos rumores falsos de morte, Bun fez piada: "o hip-hop já matou Too $hort umas oito vezes".

O próprio Bun B está no centro de algumas teorias estapafúrdias do rap. "Existe a noção de que J. Prince e eu matamos Pimp C para ficarmos ricos", ele me contou. "Eu não sou rico", ele acrescentou. "E que diabos eu ia ganhar matando Pimp C?"

Outros acusaram Bun B de ser illuminati. "Não sou illuminati", ele riu. "Preciso ter essa conversa com o Professor Griff." (Ex-membro do Public Enemy, Professor Griff é responsável por uma das mais notórias teorias da conspiração do rap : a de que "judeus financiaram… experimentos com AIDS em negros da África do Sul".)

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Para J-Zone e Bun, a tendência do hip-hop de desconfiar de narrativas do mainstream é um efeito colateral de anos de racismo institucional contra a comunidade negra norte-americana. "O rap nasceu da negligência e do desespero; por isso, não tem respeito pelas autoridades", sentenciou J-Zone. Parte do trabalho de todo rapper, ele acrescentou, é "questionar, atacar e desconfiar de tudo".

J-Zone disse que, como afro-americano, "você vai à escola, e eles passam por cima de toda sua história. Você foi escravo, aí Martin Luther King e Rosa Parks aconteceram; agora, existem gangues, drogas e pobreza. Eles passam por cima de tudo que você conquistou, e você é obrigado a pensar: 'Tudo que o establishment nos diz é mentira'.".

Eles querem que eu seja um "rapper bonzinho", cante e dance – e não questione coisas…

B.o.B. @bobatl – 25 de janeiro de 2016

Bun B ecoa esse sentimento. "Se você pensa em dez coisas que são estranhas e acha evidências para quatro delas, você começa a questionar as outras seis. Quando as pessoas dizem 'Isso é resultado da opressão sistêmica de toda uma raça', aí você vê os experimentos Tuskegee, vê Guantánamo – isso realmente te impede de assumir cegamente certas coisas."

Quanto a B.o.B e suas teorias da terra plana, Bun B me explicou que o público não deveria tentar ler muito além disso. "B.o.B é amigo meu", ele frisou. "Ele é um desses caras que, por causa da música que fez, viu muito do mundo e provavelmente teve algumas noções preconcebidas derrubadas pelo caminho. E, quando você começa a questionar as coisas, você começa a questionar tudo."

De certa maneira, a questão não é que B.o.B esteja dizendo coisas estranhas no contexto do hip-hop, e sim a dissonância cognitiva causada ao se ouvir o músico – um cara mais conhecido por seu trabalho na esfera pop – alertando sobre a desgraça iminente alimentada pelo governo. "Quando alguém se desvia de seu arquétipo", disse Bun, "as pessoas surtam".

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Tradução: Marina Schnoor

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