O happy hour do proletário paulistano é na jukebox — parte 2

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Música

O happy hour do proletário paulistano é na jukebox — parte 2

Na segunda parte da nossa andança, fomos a bairros distantes do centro expandido da cidade em busca de mapear o eclético gosto musical do trabalhador.

Lucas Brito Araújo (amarelo e preto), Felipe Lins (verde e azul), Wesley Santos (regata nike). Todas as fotos por Guilherme Santana.

Resistentes à modernidade, as jukeboxes estão sempre presentes nos bares mais populares de São Paulo. E para dar sequência à nossa saga em busca das mais tocadas nos aparelhinhos, fomos atrás de personagens que curtem colocar um som nas jukeboxes localizadas em regiões mais afastadas do centro expandido paulistano. O clima, precisamos advertir, é bem diferente do retratado no som “Farra, Pinga e Foguete”, dos sertanejos Bruno e Barretto (♫“As luzes tão piscando/ a jukebox tocando Amado Batista/ e o pau tá quebrando♪”).

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Passada a Marginal Tietê, virando, subindo e descendo em ruas em que caminhões, ciclistas, motoqueiros e todo tipo de gente motorizada divide espaço com crianças no Capão Redondo, o desempregado Lucas Brito Araújo, 22, prometeu que ia escolher um proibidão do R7 para tocar na jukebox da Lanchonete Fênix, mas acabou optando pelos românticos Henrique e Juliano (“Sosseguei” e “Cuida Bem Dela”). “O cara mandou tirar os funks da máquina porque a gente ficava aqui só ouvindo umas putarias e ele não gostava”, contou entre risadas, no espaço cheio de gaiolas com picharros e coleirinhas, um grande console de videogame de luta e a sempre infalível mesa de sinuca. Sem emprego e com aluguel para pagar, Lucas se retratou por ter se apresentado como “vagabundo nato”. “Eu queria fazer uma faculdade, mas favelado na Fatec é foda e agora que o governo acabou com as bolsas fica mais difícil”, me disse ele, que gostaria de ter estudado Logística e tempos antes era empregado de uma metalúrgica.

Na viela colada ao estabelecimento, estava o entregador de marmitex Felipe Lins, 23, que botou 50 Cent (“A Baltimore Love Thing”) na jukebox. “Nóis é favelado igual a ele. Coloquei um batalhador aí para fortalecer”. O rapaz, que também atende pelo nome de Boquinha, optou por um dos sucessos gostosos e transantes do mestre Djavan (“Se”). Por que escolheu o som? “Favelado também é cultura.”

Mas, antes de prosseguir com os causos dos aficionados em jukebox, uma explicação de quem entende: José Pedro Francisco, nome que responde pela empresa Feras Box Music, estima que existam 40 mil máquinas de jukebox espalhadas por São Paulo. Cada maquineta, conta, tem capacidade para até 40 mil músicas em seu catálogo, dependendo do espaço no HD. José Pedro sabe dos números porque é responsável pelo aluguel de 50 máquinas de jukebox espalhadas pelos mais diferentes bares paulistanos. "Quando eu comecei, há 18 anos, ainda era a época dos compactos de vinil”, relembra o empreendedor. “Nas máquinas só havia espaço para duzentas e quatrocentas músicas, já que cabiam no máximo 50 compactos de vinil com duas faixas de cada lado. Depois, com os CDs, [a capacidade] pulou para mil ou duas mil músicas”.

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E ainda que a capacidade da maquininha seja grande, José Pedro informa que, de acordo com os relatórios gerados pelas jukeboxes, as pessoas ouvem, mensalmente, no máximo quatro mil faixas do universo sonoro disponível. Segundo o empreendedor, rock e música de balada são os ritmos preferidos dos usuários das máquinas instaladas perto de faculdades, especialmente “ali perto do Mackenzie”, enquanto sofrência e ritmos mais populares, como o funk, são os mais tocados na periferia.

De volta à baila das jukeboxes e a história de quem ouve música nesses aparelhos, o Bar do Tezim, no Jardim Angela, vende espetinho de carne por R$ 3 e cerveja long neck — chamada carinhosamente de “pirigueti” — pelo mesmo valor e aceita moedas de R$ 1 na máquina de jukebox. O dono do lugar, Antônio Rodrigues Ferreira, 38, divide o faturamento da máquina de música com o locador, ficando com 40% da grana e repassando os outros 60% para o proprietário do equipamento. Há meses, conta Antônio, em que chega a embolsar R$ 300 ou R$ 400, suficientes para garantir o aluguel do botequim.

O motorista de ônibus José Rocha dos Santos, 39, estava por lá e acabou me contando que há pouco tempo fechou a bodega que manteve por quase dois anos nas imediações do mesmo bar onde bebia sua “pirigueti” de 300 ml. O motô lamentava ficar sem uma jukebox, e garantiu que está providenciando um novo aparelho para colocar na sua casa. “Vou pagar R$ 1,5 mil e mais o valor das manutenções, que é a atualização do catálogo, mas para mim vale, eu amo música”, disse. Sem saber cantar em inglês e sem medo de ser julgado, o motorista botou Aerosmith (“I Don't Want To Miss A Thing”), Cher (“Believe”) e Cindy Lauper (“Girls Just Wanna Have Fun”) para começar a noite.

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Do outro lado da cidade, na Zona Norte, a presença de “putos, gays e sapatonas” em um bar incomodou o namorado de Marilene Pinheiro, 47, o que os levou ao Point do Karaokê (que não tem um karaokê) para ouvir forró. Escolheram um dos sucessos atemporais da banda paraibana Magníficos (“Me Usa”). “Mas eu também gosto muito de Zezé de Camargo e Luciano, Bruno e Marrone e amo Alcione”, contou a simpática cozinheira sentada em uma mesa de canto do lugar.

Na mesma lanchonete-com-nome-de-karaokê-mas-sem-karaokê estava o carnavalesco Rogélio Alves, 47, que além de ter informado ser “viado”, se considera “um sambista que gosta de rock”. Ele meteu um Michael Jackson (“Rockin’Robie”) na máquina e tirou a amiga Ana Carolina Oliveira, 35, para dançar. “Já fui até mestre sala da minha, da sua, da nossa Mocidade Alegre”, contou fazendo as devidas reverências carnavalescas com as mãos. Momentos depois da dança, Ana Carolina elogiou a xará da MPB e selecionou uma faixa para tocar. “As letras da Ana Carolina são todas muito profundas, preste atenção”, disse. “Eu me identifico muito. Gosto dela, da Maria Gadú, adoro MPB, independentemente da orientação sexual de quem canta”, garantiu a mulher casada e mãe de três filhos “sem preconceito algum”.

De regatinha e óculos modernos, Rogélio destilou uma pequena maldade contra o artista “Eduardo Bosta”. “Está rindo por quê? Tem algum cantor com esse nome?”, dissimulou junto aos amigos antes de iniciarmos uma discussão sobre a real idade do sertanejo Eduardo Costa, autor do hit “Sapequinha” (♫“vamos brincar de fazer besteirinha, brincar de fazer amor♪”). Todos ficamos perplexos com a informação de que ele tem apenas 36 anos.

A noite já ia alta em Santana, com mesas e cadeiras sendo recolhidas, quando o motorista Flávio Francelino, mais conhecido como Cebola, 56, botou um clássico do rock como saidera. Ex-integrante dos Abutres e dedicado agora a montar sua própria tribo urbana de motociclistas, Flávio escolheu Led Zeppelin (“Kashmir”) e explicou com poucas palavras a sua preferência: “Música para mim é Led, Purple e Sabbath”. Tá certo, Flávio.

A Camilla Feltrin curte muitão uma jukebox e está no Twitter.

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