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Música

Você não sabia, mas “Pense em Mim” do Leandro e Leonardo nasceu como um reggae

Nos 25 anos do clássico sertanejo, uma investigação sobre a composição que surgiu pelas mãos de uma dupla reggaera da cidade de Santos.

Capa do disco 'Vol. 4' em que está o clássico "Pense em Mim". Foto: Divulgação.

Wesley Safadão não passava de um bebê de colo quando, há 25 anos, o sertanejo meteu o pé na porta para tomar conta do mercado musical brasileiro. Os donos da botinada: Leandro e Leonardo. Foi em 1990 que a dupla lançou "Pense em Mim", hit absoluto que cimentou o gênero no mainstream nacional e pavimentou o caminho para que os dois ex-agricultores se tornassem os maiores hitmakers do Brasil na década de 90.

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Claro, ajudava o fato de que a música sertaneja já vinha em ebulição, graças, especialmente a Chitãozinho e Xororó. Em 1982, eles lançaram o disco Somos Apaixonados, que trazia a clássica “Fio de Cabelo”. Mas o que vinha sendo feito até então ainda estava ligado ao sertanejo tradicional, com instrumentos acústicos, sanfonas e elementos de música mariachi.

Foi “Pense em Mim”, no entanto, que mudou de vez o estilão que dominaria a indústria fonográfica naquela década: guitarras dobradas emprestadas do heavy metal (olá, Iron Maiden), bateria com timbres de synthpop, sopros e teclados mais urbanos e aquela voz aguda de fazer todo corno chorar. O sax na introdução de “Pense em Mim”, por exemplo, poderia ser um dos tantos temas do Kenny G (Calma! Não fujam! Não cito mais ele). Tudo isso foi fundamental para que a canção invadisse a cidade grande e dominasse rádios e TVs.

Em 1991, um ano depois do lançamento de “Pense em Mim”, veio um dos anos mais dourados para o sertanejo: Zezé di Camargo e Luciano surgiram com “É o Amor”, Chitão soltou “Brincar de Ser Feliz” (aquela que todos cantavam na escola “Como é que posso vomitar batatas se eu comi repolho”) e Leandro e Leonardo lançou “Não Aprendi Dizer Adeus”. Depois disso surgiram outras tantas duplas, enquanto os grandes nomes iam enfileirando hits.

Para a carreira de Leandro e Leonardo, “Pense em Mim” também serviu como ponto de virada. Eles já tinham um certo sucesso no interior do Brasil graças ao disco Vol. 3, que trazia “Entre Tapas e Beijos”, mas estavam longe de ser estrelas. As turnês ainda eram precárias, como conta Leonardo em sua autobiografia. Tipo, dois carros levando banda, cantores e instrumentos. Foi depois de “Pense em Mim” que tudo aconteceu. Para você ter uma ideia do que estamos falando, veja abaixo o vídeo de 1990, no qual o Faustão ainda trata a dupla como novidade. Não dava para imaginar que Leonardo seria o cantor com mais aparições na história do programa. Até aqui são 65.

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REGGAE DO MORRO

Mas volta a fita. A história de “Pense em Mim” começa em 1985, no Morro da Nova Cintra, em Santos. Em uma noite de novembro daquele ano, dois integrantes da Nova Dimensão, banda de bailes da cidade, estavam se preparando para um ensaio naquilo que chamavam de estúdio (na verdade, um quartinho de fundo na casa dos pais de um deles). Estavam lá o baterista Douglas Maio e o guitarrista e filho dos donos da casa, José Ribeiro. A sonzeira foi interrompida quando uma amiga da dupla, que morava nas redondezas, chegou se lamentando e chorando com a situação do noivado. Tava rolando uma crise. Parece que os noivos tinham terminado.

Zoeira extrema, Maio mandou: “Em vez de você ficar chorando por ele, por que você não chora por mim?”. Ligeiro, Zé Ribeiro começou a botar uns acordes no violão enquanto pedia para o amigo transformar aquelas frases em melodias. “A música nasceu em cinco minutos”, recorda o batera. Com um detalhe: “Pense em Mim” surgiu reggae, algo muito mais parecido com aquilo que uma banda de Santos faria. Virou sertanejo depois.

“Daquele primeiro rascunho, a música só teve uma lapidação. Ela tinha a estrofe ‘Vamos pegar o primeiro TREM com destino à felicidade’. O Zé falou ‘Porra, trem não. Trem é muito esquisito. Nós não somos mineiros’. Nisso, passou um avião. E o Zé falou: ‘É isso! Vamos pegar o avião’”, conta Maio. Estava incorporada ao repertório da banda Nova Dimensão “Com Destino à Felicidade”.

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Boate Love Story, na Santos dos anos 1970. Foto por Carlos Marques.

Em um dos shows na boate Love Story, em Santos, o grupo decidiu mandar aquele reggae, com o próprio Maio cantando na batera, e o som chamou a atenção de um músico da casa. Era Mário Soares, a terceira pessoa a levar os créditos de composição do hit. No Facebook, ele até se apresenta como Mário Soares “Pense em Mim”.

Depois do show, Mário chegou na galera da Nova Dimensão curioso sobre uma música que dizia “Pense em mim, Pense em mim”. Ele estava gravando um trabalho solo e queria contar com aquele som. Maio e Ribeiro liberaram, escrevendo de próprio punho a autorização. Não envolvia grana. Todo mundo era fodido.

Só que pouco depois, Mário se transformou no tecladista da banda da “Caravana do Bolinha”, aquele rolê organizado pelo apresentador da Band que levava shows sertanejos para os cafundós do Brasil. Em um desses shows, o santista mandou “Pense em Mim” e agradou o dono do pico. Bolinha convidou Mário para tocar aquele som no programa dele na TV. Tentamos falar com ele para essa reportagem, mas ele não respondeu às mensagens. Nessa entrevista de 2009, o músico relembra esse período.

No dia da apresentação, Bolinha, um dos responsáveis por fomentar o sertanejo antes que o gênero se tornasse um tsunami comercial, recebia também uma dupla novinha vindo de Goiânia, Leandro e Leonardo. Os moleques ouviram o santista e piraram.

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Veja Leandro e Leonardo no 'Programa do Bolinha’.

Àquela altura, o reggae de Santos já tinha virado uma balada romântica sofrida, ao estilo Roberto Carlos. Aconteceu quando Mário gravou o som. A melodia clássica no sax nasceu com o maestro Areia Lima, que rearranjou a balada. Leandro e Leonardo apenas preservaram a pegada.

“Eu nunca gostei dessa música. Achava chata porque foi algo que nasceu numa brincadeira. Não tinha sentimento, coração”, conta Maio.

Ainda que a canção original não envolvesse sentimento, naquele dia no Bolinha, Leandro e Leonardo arrancaram suspiros com a sua interpretação. Isso sem contar o fato de que faltava uma música para a dupla completar o repertório do próximo disco, o bombástico Vol. 4.

SENTA A MÃO, BATERA!

“Neguinho, nós vamos trabalhar juntos em breve! Tamo arrumando uma produção…”. Foi assim que Orlando Ribeiro, engenheiro de som do estúdio Gravodisc, foi recebido por César Augusto na sede da RCA em São Paulo. Augusto era o compositor que se tornou produtor de Leandro e Leonardo quase acidentalmente — veja ele contando sobre essa passagem no vídeo abaixo:

César Augusto se tornou o poderoso chefão da música sertaneja da década de 90. Produziu, compôs e lançou quase todas as duplas que você conhece, incluindo Zezé de Camargo e Luciano, além de Bruno e Marrone. Ribeiro tinha ido receber um cachê, mas já ficou esperto com o que estava por vir.

Enquanto isso, “Pense em Mim” havia sido finalmente editada (rolou pela Warner/Chapel). Douglas Maio e José Ribeiro, os autores da canção e integrantes da banda Nova Dimensão que eram, respectivamente, pintor de parede e pedreiro, iriam ver a cor do dinheiro. Mário Soares também foi registrado como autor por fazer a ponte entre o Morro da Nova Cintra e o mainstream sertanejo.

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“Eu ganhava tipo R$ 300 por semana e na assinatura desse contrato tirei tipo R$ 50 mil. Fomos os três comprar um carro zero, à vista. Quando cheguei em casa, minha mãe soltou: ‘Filho da puta, o que você tá fazendo?`”, conta Maio.

Em São Paulo, além de Ribeiro como técnico de som, foram convocados para os arranjos de Vol.4 os maestros Martinez e Otávio Basso (morto no último mês de junho). César Augusto cuidava do repertório com o auxílio de Leandro.

“Avisei ao Paulo Rocco, diretor artístico da gravadora, que iria fazer um som mais pesado, algo que não tinha sido feito ainda no sertanejo. Ele me disse que assinava embaixo qualquer coisa que fizesse”, diz Ribeiro.

Outras duplas do passado, como Milionário e José Rico já haviam experimentado com bateria na música sertaneja, mas ainda faltava sustância. Com Vol. 4, a bateria cavou um espaço na música sertaneja que dura até hoje. Ribeiro, hoje com 75 anos, lembra que rolou um temor por parte da gravadora de que o peso da produção pudesse estragar os discos de vinil.

Detalhe: o instrumento utilizado para a gravação não era acústico e sim eletrônico, como já era feito na música pop gringa da década de 80 e começo da de 90. Albino Infantozzi ficou responsável pelas baquetas. Ele já vinha experimentando fazer gravações com bateria eletrônica desde o começo dos anos 80, quase sempre com modelos da Roland. Resumindo, ele batia em pads e não em tambores.

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Coincidência, “Pense em Mim” foi composta por um baterista e o instrumento também recebeu atenção especial nas gravações. O resultado final só podia ser uma música com introdução na bateria, antes do saxofone meloso. Compare o começo de “Pense em Mim” com seu primo de terceiro grau gringo, “It’s the End of the World as We Know It”, do R.E.M.

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VOZ ARDIDA

As gravações ocorriam sempre no período noturno — o horário de Ribeiro no estúdio era das 20h às 2h. Mas essa janela era a única que podia ser alongada sem ser barrada por outras gravações, o que tornou comum que todos virassem a noite ali. Além de cantar, o papel da dupla, segundo Ribeiro, era o de acompanhar e escutar aquilo que a equipe estava produzindo.

“Os meninos eram novinhos e quase não falavam. Só no final, quando toquei a última mix, o Leonardo decidiu se pronunciar. Ao ouvir ‘Pense em Mim’, ele tacou: “Minha voz não tá meio ardidinha? Eu disse ‘não, vai ficar do jeito que está!’ Ele é um brincalhão”, lembra Ribeiro.

Porém, segundo o próprio Leonardo nessa entrevista (a partir de 12 min.), ele teve um papel decisivo para que “Pense em Mim” entrasse no disco. E o fato é que a posição da faixa no disco denuncia que desde o início se tratava de uma aposta certeira. Era a primeira do lado B, sétima faixa para quem apenas vê a lista toda do disco. O lado A começava com “Cadê Você”, outro torpedo que se tornou clássico. Por onde começasse, Vol. 4 tinha um hit.

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Além de “Cadê Você?”, “Pense em Mim” puxava um disco cabuloso, que ainda levava “Talismã”, “Desculpe, Mas Eu Vou Chorar” e “O Cheiro da Maçã”. Entrou para a história.

“Eu ainda estava mixando e parece que a já tinha vendido dois milhões de cópias”, diz Ribeiro. Os números oficiais são 3,1 milhões de cópias vendidas, terceiro disco mais vendido da história do Brasil, segundo o livro Os 10 Mais, dos jornalistas Luiz André Alzer e Mariana Claudino. Perde apenas para Padre Marcelo Rossi e Xuxa, que, convenhamos, nem deveriam estar no ranking.

VIDA QUE SEGUE

Depois de “Pense em Mim”, Leandro e Leonardo se tornou a dupla sertaneja de maior sucesso do Brasil, atingindo a marca de 35 milhões de discos vendidos. No repertório, foram quase 30 hits inquestionáveis do gênero, até a morte de Leandro em 1998. E “Pense em Mim” se transformou em hit internacional, sendo gravada em 25 países diferentes.

Orlando Ribeiro se aposentou como funcionário contratado da Gravodisc pouco tempo depois do estouro da dupla. Desligou-se em setembro de 1993, e foi morar em Leme (cidade a 190 km de São Paulo). No entanto, ele continuou atuando como frila nas funções de músico (toca acordeon e sanfona), produtor e engenheiro de som. Chegou a gravar outros discos na própria Gravodisc. Hoje em dia, mora em Campinas, onde ainda está pronto para realizar pequenos trampos.

Mário Soares seguiu a vida como cantor e compositor. Conseguiu que outras músicas suas fossem gravadas, incluindo “Mais Uma Noite Sem Você”, lançada em “Leandro e Leonardo Vol. 6. Em 2012, candidatou-se a vereador em São Vicente (SP). Com um jingle pouco inspirado, foi derrotado nas urnas.

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Douglas Maio, 62, nunca mais conseguiu emplacar composição com artista nenhum, nem Leandro e Leonardo. “Há muita máfia no meio artístico”, diz ele. Tentou seguir carreira solo e também se aventurou em uma dupla sertaneja, Douglas Maio e Mariano. Nesse caso, diz que a carreira foi prejudicada por episódios de racismo, incluindo na TV.

“Acertamos uma apresentação no Gugu [que na época tinha programa no SBT], mas quando a produção viu que eu era negro, decidiram adiar. E nunca houve a apresentação. Tenho uma mágoa muito grande do Gugu.”

Com tudo isso somado, além da morte do filho, Maio entrou em depressão e ficou 10 anos afastado da música. Voltou a trabalhar como pintor de paredes. O retorno à música aconteceu no ano passado, com a fundação da gravadora Top Som Music.

Como todo recomeço, Maio está de volta ao ponto de onde tudo teve início. Neste ano, ele também voltou a tocar e regravou aquele reggae do Morro. Um quarto de século depois, “Pense em Mim” deixou de ser sertaneja e voltou a ser reggaera:

O Bruno Romani descola as melhores pautas e está no Twitter.

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