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Música

Não Confunda o Soft Pink Truth Com Uma Versão Satânica e Gay do Weird Al Yankovic

Em "Why Do The Heathen Rage?" Drew Daniel pega tudo que há de mais pesado e transforma em um monstro da música disco, uma doideira requebrante, repleta de sintetizadores, totalmente gay e black metal.

Why Do The Heathen Rage? arte de capa por Mavado Charon

É capaz que Drew Daniel - integrante do duo experimental de pop eletrônico Matmos, professor de Shakespeare e aclamado autor de um livro sobre o Throbbing Gristle - tenha acabado de pintar um alvo em suas próprias costas, com corpsepaint. No papel de erudito, conhecedor de metal e líder do projeto multifacetado The Soft Pink Truth, Daniel - no ato seguinte ao banquete de covers de punk rock, Do You Want New Wave or Do You Want the Soft Pink Truth?(2004) - está lançando um álbum inspirado em black metal, chamado Why Do The Heathen Rage?.

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Para o projeto, ele se muniu com um batalhão de black metal, seu amor seminal, incluindo bandas como Venom, Beherit, Sarcófago, Sargeist, Darkthrone, An, Mayhem, Hellhammer e Impaled Northern Moonforest, e transformou tudo em músicas de house furiosas, explosivas, com uma linha de baixo bem pesada. Os metaleiros mais extremistas talvez não fiquem muito contentes ao ouvir uma versão dançante, suadona, de "Satanic Black Devotion”, dos terroristas finlandeses do Sargeist, remixada com um riff vibrante e um sample da matéria-prima de dance dos anos ‘90, “The Power”, do SNAP!. Sim, aquela "I got the power."

Mas essa é a raison d’être do Daniel em Heathen - sem pudor, ele bate de frente com a história manchada do movimento, marcada por homofobia e violência, enquanto, ao mesmo tempo, homenageia os ídolos do black metal. Com parceiros como Antony, Jenn Wasner (Wye Oak), Terence Hannum (Locrian), M.C. Schmidt (o outro integrante do Matmos) e Owen Gaertner (Horse Lords) na área, e suas “Profanações Eletrônicas de Clássicos do Black Metal”, Daniel pega o que há de mais pesado no gênero e transforma em um monstro da música disco, uma doideira requebrante, repleta de sintetizadores, totalmente gay e black metal.

Contatamos o Daniel via email quando ele estava em turnê com o Matmos, em algum lugar na Europa, para conversar sobre corpsepaint, sua ascendência metaleira e a arte de capa do álbum Why Do The Heathen Rage?.

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Noisey: Quero conversar sobre a arte de capa esplêndida do Mavado Charon para o Why Do The Heathen Rage?, divulgada acima. Você dirigiu o processo? Ou o Charon desenvolveu um conceito e seguiu em frente? Como foi? A obra tem alguma mensagem subliminar? Ou talvez uma mensagem para a seita de black metal? O que significa para você?
Drew Daniel: Eu queria algo ofensivo, e queria que fosse ofensivo para o purista de black metal (embora talvez ele seja um personagem inventado, que não existe). Eu já conhecia o trabalho incrível do Mavado, e perguntei se ele podia desenhar um bando de caras do black metal kvlt, com corpsepaint, no meio de uma orgia-massacre gay, sadomasoquista, em um campo cheio de brinquedos sexuais e cadáveres. Ele aceitou a tarefa e tirou de letra. Para mim, a capa é uma versão gay hardcore de “Onde Está o Wally?”: faz os olhos dançarem, há tantos detalhes, é horrorosa e também hilária, espero (como a música ali dentro, em teoria). Desenhei o logo do SPT com espinhos de black metal, e o designer Rex Ray o colocou sob a orgia do Mavado, em rosa metálico, para brilhar como um lago de sangue/gozo cor-de-rosa. Você tem que ver a versão em vinil para obter o efeito completo, recomendo. É lindo!

O que significa? Acho que é uma interpretação do id, um espaço de fantasia violenta, sem ética, uma espiral de desejo e morte, juntos, em que não cabem saúde, sanidade ou sobrevivência. Então, é uma imagem que apreende uma zona esquisita, além do alcance da ética, um lugar onde a negatividade, o ódio e a ira em curso nas letras de black metal podem circular livremente. Meu objetivo é confrontar um fã de black metal imaginário com uma realização cartunesca e literal dos ideais que os metaleiros já clamam: Destruction and Sodomy (“Destruição e Sodomia”), por exemplo, que é o título de um EP conjunto do Black Witchery com o Arch-Goat. E para eles verem que a subcultura deles já é gay pra caralho.

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Agora, sobre o Why Do the Heathen Rage?.Por que houve um hiato de dez anos entre o Do You Want New Wave or Do You Want the Soft Pink Truth?, de 2004, e o Heathen?
Terminei meu doutorado em Berkeley, me mudei de São Francisco para Baltimore e virei professor de Shakespeare no departamento de Inglês da Universidade Johns Hopkins. E trabalhei em diversos álbuns do Matmos, e escrevi dois livros (um sobre o Throbbing Gristle e outro sobre melancolia renascentista). Também compus um álbum inteiro para o SPT, mas estava num laptop que foi roubado em casa, do qual restam apenas rascunhos e demos. Então, por uma década, estive bem ocupado.

Foto por M.C. Schmidt

Heathen é a incursão do SPT pelo black metal. Como e quando você decidiu abordar o gênero para o Heathen? Você vivenciou algum tipo de revelação que o fez querer seguir nessa direção?
Tudo começou quando eu estava discotecando numa festa no Brooklyn, chamada Rainbow in the Dark (Arco-Íris no Escuro), toquei uma faixa do Darkthrone e notei que a letra de “Beholding the Throne of Might” tinha algumas intersecções interessantes com frases de house, especificamente com a música ““No Way Back”, do Adonis. Foi a semente do álbum. Por um tempo, o título provisório do álbum foi Fenriz Has A Guidance Tattoo (“Fenriz Tem Uma Tatuagem-Guia”). Ele tem mesmo! E isso é engraçado pra caralho para mim, e também é formalmente interessante, porque significa que dá para pensar no minimalismo e na onda rítmica implacável do black metal como algo que já dialoga com a música disco, desde o início. Só estou explicitando o elo.

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Vamos retomar sua juventude um pouco. Como você descobriu o black metal? Quantos anos você tinha? Que aspecto do gênero atraiu você?
Como um moleque do hardcore dos anos ‘80, é claro que eu estava ciente da intersecção caótica entre o metal e o hardcore: Cro-Mags, Corrosion of Conformity, Cryptic Slaughter (isso foi antes da horda de “metalcore” inundar tudo). Na época da faculdade, fui DJ na KALX FM, em Berkeley, e comecei a tocar metal - primeiro Venom, depois as bandas norueguesas. Vi o Mayhem e o Enslaved tocarem numa casa de show chamada Lucifer’s Hammer (Martelo de Lúcifer), e isso cimentou meu interesse. Escutei o Burzum pela primeira vez quando a banda do meu amigo Kris Force, Amber Asylum, assinou com a Misanthropy, que era a gravadora do Burzum na época. Ela me deu uma cópia do Filosofem. Adorei a violência da música, o ciclo esquisito de energia em movimento e a estranha paralisia emocional que ela induz. Soa pretensioso, mas o black metal mostra que estase e momento (ou, usando uma díade filosófica mais antiga, ser e vir a ser) podem ser uma coisa só.

Você é viciado em metal e também é um homem gay. A violência e a homofobia do black metal têm sido bem documentadas. Você pode recontar alguma experiência que você ou colegas seus enfrentaram em shows, etc.?
Tive mais problemas em shows de hardcore do que em shows de metal. Lembro de ser encurralado em um muro e ser chamado de veado durante um show de hardcore straight edge, e nunca passei por problemas do tipo em shows de metal. Mas também nunca fiquei na pegação com caras em shows de metal (até então). Avistei e fiquei com alguns gays no Maryland Death Fest, mas é preciso ser discreto, porque as pessoas geralmente estão na surdina nesse ambiente. Dito isso, vi uma pessoa trans/genderqueer no MDF este ano, bem chamativa, na rodinha, na hora da apresentação do Gorguts, e fiquei contente. Assim como qualquer questão de direitos civis em espaços públicos, o ônus está nas mãos da minoria, que tem que se defender, e isso exige coragem. Nutro o maior respeito pelo Gaahl, pelo mesmo motivo.

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Como dá para ver nas fotos sensacionais do Soft Pink Truth, você se dedicou seriamente ao corpsepaint para o álbum. Vestir-se assim é um maneira de homenagear ou você zoando?
Adoro a artificialidade e esquisitice do corpsepaint, o indivíduo despercebido por aí com uma identidade drag e trans, mas também acho o estranho parentesco com tradições de menestréis meio risível, porque acho que há uma dimensão hiper-racializada na fabricação de brancura-sobre-brancura que vale ser criticada e desconstruída, considerando os ideiais volkish, racistas, de muitas bandas de black metal. Então… é as duas coisas. Escrevi uma tese academica chamada “Corpsepaint como Necro-Menestrel”, sobre essa dinâmica.

Foto por M.C. Schmidt

Existem certos fanáticos de black metal por aí que levam o gênero super a sério. Você já vivenciou alguma reação negativa sobre o Heathen?
Ainda não, mas ainda não foi lançado. Estou pronto para o desdém, e suponho que algumas pessoas vão querer me arrebentar. Quando ouço histórias sobre pessoas que furaram o pneu da van do Liturgy por causa da “falsidade” deles, só consigo imaginar quão ofendidas poderão ficar com o meu álbum. Eu digo: podem vir. Mas venham e me desafiem, conversem comigo. Não fodam com os pneus da banda quando eu não estiver olhando. Isso é covardia.

Como você defenderia o álbum para os céticos e aqueles que pensam que você está “desrespeitando” o black metal?
A questão, para mim, é “profanação”, não desrespeito. Quando você profana uma coisa, você aceita que é algo sagrado, mas inverte o valor e mexe com a tradição de uma forma bruta, prática. É isso que tomar uma posição verdadeiramente satânica frente ao black metel permite. Além disso, sinto que a maneira como exerci a voz não é meramente gay ou um humor bobo, punheteiro - toda a performance vocal no álbum é, na minha opinião, uma expressão sincera das ideias que estão nas letras. Adoro as letras, e as deixei claramente inteligíveis como forma de celebrar e estender seu alcance poético. Isso não é desrespeito.

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Você é amigo, conhecido ou tem contato com alguma das bandas que serviram de base para o Heathen? Se for, como tem sido a resposta?
Alguns dos músicos que regravei já morreram, alguns estão vivos. Não tentei contato em nenhum dos casos. Não criei o álbum para elogiá-los ou puxar saco, e claro que são livres para desprezar o que fiz com a música deles. Mas gostaria de expressar minha sincera gratidão por eles, por criar as músicas que estão ali, e falo sério quando digo: são músicas maravilhosas, e por mais que eu critique as limitações do black metal como uma cena, também celebro o que há de inspirador nele – a música.

O Soft Pink Truth fez um disco de covers punk, e agora fez um álbum de covers de black metal. Como você vê esse projeto se não como um ato humorístico? O que vem depois? Uma interpretação de hits grunge dos anos ‘90?
Sou uma versão satânica e gay do Weird Al Yankovic? Nos meus sonhos veados, sim. Às vezes, “música humorística” é um termo desdenhoso, utilizado para policiarem as fronteiras da tal “música verdadeira”. Não tenho medo da categoria, pois acho que algumas coisas visionárias se acomodam nela, na “mesa das crianças” (como Spike Jones ou Jud Jud ou Tater Totz ou Thai Elephant Orchestra ou Anton Maiden, etc. e tal). Quanto a outros álbuns de covers, não sei - acho que a próxima gravação talvez seja mais psicodélica e movida a samples e mashups.

Foto por M.C. Schmidt

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Você planeja fazer shows com o SPT com músicas apenas do Heathen?
Sim, certamente.

Você vai tocar em “casas de metal” ou danceterias?
Tocarei onde quiserem que eu toque. Toquei essas músicas em um festival de música eletrônica e noise chamado Voice of the Valley, na Virgínia Ocidental, e numa danceteria gay R&B em Londres, chamada Vogue Fabrics. Em ambos os casos, foi bem divertido, porque é algo que não se encaixa completamente em lugar nenhum. Sempre parece que está no contexto “errado”, e adoro isso. Algumas pessoas curtem, levantam a mão com chifrinhos, fazem mosh, suam e dançam; outras só ficam ali paradas, bem confusas, sem entender.

Quais as chances de fãs de black metal que não costumam dançar se soltarem um pouco, requebrarem?
Eu não apostaria nisso, mas vi alguns adolescentes com camisetas do Revenge na minha apresentação em Londres batendo cabeça, então acho que é possível.

O que significaria para você se um de seus heróis tivesse participado?
Acho que mudaria o projeto completamente. Tenho todo o amor e respeito do mundo pelo Fenriz, e adoraria fazer música eletrônica com ele, mas este álbum foi criado para ser uma crítica gay, baderneira, e ir atrás de permissões teria comprometido o espírito de profanação e intrusão.

Como você escolheu as covers que fariam parte do Heathen?
Foi como uma partida de Jenga: coloquei, tirei, com a expectativa de não derrubar e destruir tudo. Comecei com Beherit e Darkthrone, e depois cresceu como um fungo. Por bastante tempo, pensei que um cover do Burzum estaria no álbum, mas por razões políticas, me pareceu algo impossível de ser racionalizado. A decisão de fazer um LP único não deixou o álbum ser uma produção sem fim. O estilo dos próprios covers mudou muito - há uma versão radicalmente diferente de “Let There Be Ebola Frost”, que fiz e ainda me agrada, mas senti que a versão com a Jenn era mais pop, e por isso, mais provocativa como cover. Gradualmente, surgiu uma sequência meio histórica - equilibrando os pioneiros e primeiros inovadores com as hordas mais tardias. Eu sabia que precisava cobrir uma série de assuntos nas letras: sodomia, sexo, assassinato, desastre ecológico/extinção, desolação, bares gays e, claro, Satanás.

Como você escolheu os colaboradores do Heathen , como Antony, Jenn Wasner, Terence Hannum (Locrian), seu parceiro do Matmos, M.C. Schmidt e Owen Gaertner (Horse Lords)? Ser entusiasta do black metal foi um requisito?
O Owen é um gênio musical assutador, e ele fez todas as transcrições de riffs; como prova disso, ouçam a banda louca dele, Horse Lords, que toca músicas hiper-obscuras, mas vibrantes, no sistema de afinação conhecido como “entonação justa”. Ele manja muito de black metal, entende o gênero. O Terence também é um caso especial, porque ele é do Locrian. Então, ele consegue gritar/guinchar como um verdadeiro mestre do black metal, e eu sabia que algumas músicas precisavam culminar com isso. Mas tirando esses caras, eu queria pessoas cujas vozes me ajudassem a transformar as músicas e colocá-las em novas direções, pessoas que não soassem como os cantores que costumam ser associados com black metal. A voz rústica da Jenn deixa as letras do Sarcófago hilárias, e a presença dela coloca o gênero alternativo em jogo, e também desenvolve a complexidade das harmonias nessa cover. Ter amigos talentosos é útil! Acho que por ter 50 anos, o M.C. Schmidt coloca as letras do Mayhem para fora (“I’ve been old since the birth of time” - “Sou velho desde o nascimento do tempo”) com grasnidos, sequelas de cigarro e uma autoridade que só vem com a idade e a experiência. Sou suspeito, porque é meu namorado, mas acho que ele acertou em cheio.

Enfim, você diria que o Heathen é um “grande foda-se” para a violência e homofobia que existe no black metal?
Estou dizendo “Lembrem-se de Magne Andreassen!”. Gays não são descartáveis. O black metal tem sangue homossexual em suas mãos. Isso torna o jogo justo para a pressão e a resistência.

Brad Cohan faz todo tipo de corpsepaint, até mesmo quando está em casa. Ele é metaleiro demais para o Twitter.

Tradução: Stephanie Fernandes

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