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Música

Alerta de Tendência Gastronômica: Cozinha Black Metal Artesanal

Cozinha requintada ou armadilha de satanás?

No domingo à noite, minha namorada e eu saímos pra jantar no bairro de Clinton Hill no Brooklyn. Pra quem não é do Brooklyn, ou pra turminha do Brooklyn que não vai além da South 6th, Clinton Hill é um bairro adulto, onde moram aquelas pessoas que você leu por aí que tiram férias de verdade e têm quartos extras não ocupados por roommates. Nós caminhamos por ruas arborizadas cheias de casas espaçadas de portas suntuosas que poderiam ser chamadas de mini-mansões – com suas entradas tomadas por engarrafamentos de carrinhos-de-bebê – até o nosso destino, o restaurante Three Letters, um bistrô franco-americano que estava servindo um “menu degustação black metal”.

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O evento era chamado de “É Preciso Pilhar: Um Menu Degustação Black Metal”. O restaurante havia preparado um jantar de 45 dólares composto por seis pratos cujas receitas eram inspiradas por temas e nomes de músicas de black metal como “Guardians of the Black Lake” (lula, couve, peixe) e “I Will Lay Down My Bones Among the Rocks and Roots” (tutano, cenouras, tupinambo). Além da comida de inspiração nórdica, uma ótima amostra de black metal da segunda fase tocava ao longo do jantar. O cardápio era escrito em runas, e o restaurante até fez um pôster para o evento com a Igreja Fantoft Stavkirke em chamas estampada.

É muito fácil gritar aqui “Palhaçada!” e dar o caso por encerrado. Toda a ideia de cozinha requintada e cara combinada com black metal, o mais sombrio, mais diabólico gênero do metal de que se tem notícia, tende a causar censura logo de cara. No Brooklyn não é diferente! O que o Fenriz diria? Como o Sargeist deixou claro, black metal é “Frowning, Existing” [“Existência Carrancuda”] e não um bom beurre blanc ou um habilmente preparado confit de pato. Não há nada sombrio em um amuse bouche. A coisa toda cheira a cooptação do black metal pelos mesmos grupos socioeconômicos que o black metal de certa forma pretende exterminar, algo próximo do fenômeno hipster-com-camiseta-do-Burzum. Pode ajudar o fato de que os organizadores disseram que vinham cogitando a ideia há algum tempo como uma “piada/ideia genial”, mas isso não irá impedir os 99% (dos fãs de black metal) de mostrar sinais de desaprovação frente à simples menção do lance. Porém, para fins de relato, nutrição, e celebração de ignorância e gastronomia, nós fomos mesmo assim.

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Nós chegamos e fomos acomodados em um salão relativamente vazio que era anexado a um bar. Era um lugar de boa aparência – o que é, obviamente, em si e per si, não muito black metal – com um bar curvado estilo artistinha, meio futurista e em tons de azul turquesa. Em algumas mesas pessoas davam uma sacada no cardápio. Nossa atendente, uma loira simpática, vestia uma camiseta que o restaurante criou para a ocasião onde se lia “Three Letters” em um tipo de fonte vagamente black metal. Posso dizer com confiança que ela não era uma fã de metal. O bartender, por outro lado, parecia ser um fã do gênero, com sua cabeça metade raspada, camiseta do evento, piercings, baton preto e um colete de couro. Também havia alguns metaleiros sentados no canto do bar. A garçonete explicou que estavam servindo jarros de cerveja especiais para a ocasião, mas nós fomos direto para algo mais pesado e pedimos uns drinques (\m/).

Nosso primeiro prato, “Cut Their Grain and Place Fire Therein”, em homenagem à música do Weakling de mesmo nome, chegou enquanto estava tocando “As Flittermice As Satans Spys” do Darkthrone. Nomear o primeiro prato com uma música do Weakling é como dizer “A gente manja das paradas”. O prato era uma salada de trigo defumado com o que eu acreditei serem folhas de dente-de-leão e um molho cremoso de limão. O trigo carnudo deu ao prato uma sustância que era acentuada pelas folhas leves e amargas. O prato me lembrava a porrada frenética e gélida que lhe dá nome, ao mesmo tempo ameaçadora e majestosa? Na verdade não, mas era bom mesmo assim.

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Na sequência veio o “Guardians of the Black Lake”, um prato de lula e broto de feijão. Tinha uma aparência sombria (no bom sentido), com a lula mergulhada em um caldo de tinta de lula salgado e temperado. Os brotos de feijão explodiam brilhantemente contrabalanceando a lula, que tinha um frescor agradável e absorvia só um pouco da tinta – era preciso mergulhar uma colher pra realmente pegar o caldo. Eu definitivamente não consegui sacar a conexão black metal do nome do prato - “Black Lake Nidstång” do Agalloch parece tão provável quanto muitas outras- mas mesmo assim, humm, jóia, nota 10, etc.

Guardians of the Black Lake. Escuro.

No terceiro prato, “I Will Lay Down My Bones Among the Rocks and Roots”, nós estávamos adentrando a nossa primeira jarra de vinho (da torneira!). O prato, que tinha o nome de uma música do Wolves In The Throne Room, consistia de cenouras crocantes e tupinambos cozidos com tutano. O tutano é um tipo degGlutamato monossódico da alta-cozinha, ele confere sabor, acabamento, e um certo não-sei-o-quê ao prato. As cenouras e tupinambos foram cozidos de leve e tinham uma crocância agradável, e a combinação de tutano, tupinambos e cenouras funcionou muito bem com o black metal inspirado na natureza do WITTR. De fato começava a parecer que as coisas seguiam naquela direção, considerando a suspeitada referência a “Black Lake Nidstång” do Agaloch. O Agalloch teria funcionado pra esse prato também, com seu álbum Marrow of The Spirit (Tutano do Espírito). Mas o que estava tocando nas caixas era The Body, o que marcava, essencialmente, o fim da trilha sonora black metal e a passagem para o doom. Perdeu pontos.

A sabedoria popular diz que se tem um grupo de alimentos que é mais metal que os outros é o grupo das carnes, e as coisas logo ficaram carnudas. “Beyond the Great Vast Forrest” (música do Emperor) era uma grande pilha de carne crua de veado polvilhada com porções de (acho) bacon e servida com um ovo em conserva. Era carne de veado o bastante pra fazer um pequeno hamburguer de veado e, preciso confessar, duro de encarar, pois era muito pesado e tinha um gostinho de ferro que me lembrou o ceviche de coração de boi que eu havia comido há algumas semanas (não pergunte). Enquanto nós devorávamos a carne de veado, entrou uma moça vestindo uma camiseta do In the Nightside Eclipse do Emperor com as mangas cortadas, provando, mais uma vez, que o destino age de forma misteriosa.

Ficamos então com as carnes não-tradicionais de “In the Hall With Boar and Mead”, duas costeletas maciças de javali cozidas com hidromel que tinham uma boa variação entre a parte de fora crocante e o miolo mais suculento mas ainda assim bem passado. A sobremesa, “My Blood Is Made of Sap”, consistia em beterrabas assadas, bordo e creme e era deliciosa. Continuamos na vibe do hidromel do prato anterior e pedimos um copo de Upstate New York, como foi sugerido, e ele tinha gosto de licor. Fiquei um pouco desapontado porque as beterrabas, que soltavam suco no creme, poderiam parecer mais sangrentas. Mas minha brava companheira de jantar, que comeu mais carne crua de veado do que eu (ela é um bom partido), descobriu que, amassando as beterrabas no meio do creme, ele ficava com uma cor vermelho-sangue. Quem nunca.