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Música

Entrando na Toca do Capone

Foi no estúdio construído pelo lendário produtor Tom Capone que o pop brasileiro de hoje transou pela primeira vez.

Os cariocas do Sound Bullet durante sessão do Converse Rubber Tracks no Toca. Foto: Divulgação

Este conteúdo é um publieditorial da Converse Rubber Tracks. Veja e leia mais.

Em 2002, o produtor de toda uma geração edificou, como parte de seu legado, um templo sagrado para a música e um norte para os músicos. O estúdio Toca do Bandido. Parte relevante da memória histórica musical brasileira está impressa nas paredes e na alma do estúdio. Mas já em 1998, quando esse mesmo local era a casa do produtor, rolavam sessões de gravação.

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O paranaense Tom Capone nasceu Luís Antônio Ferreira Gonçalves, em 27 de dezembro de 1966. Nos anos 80, seguiu com a família para o planalto central, onde sua verve musical aflorou e explodiu com a cena rock. Tocou guitarra em bandas locais. Foi nessa época que ganhou a alcunha que viria a defini-lo como indivíduo. Nos início dos 90 aterrissou no Rio para sedimentar uma belíssima carreira como produtor musical e engenheiro de som.

Capone nem curtiu muito a sua Toca. Em 2004, em cima de uma Harley-Fatboy, em um cruzamento da Avenida Ventura Boulevard, Los Angeles, aos 37 anos, fez sua passagem, de forma prematura e no auge.

Horas antes, na noite do dia 1º de setembro, Tom havia sido indicado em cinco categorias do Grammy Latino. Não levou o seu objeto de desejo, o gramofone de melhor produtor musical latino. Nunca um brasileiro havia sido tão indicado em uma mesma edição.

Após a cerimônia de entrega dos Grammys, Tom ligou para sua esposa, Constança Scofield, e deixou evidente o seu desapontamento por não ter levado o prêmio de melhor produtor. Ela credita que a "bad vibe" provinda desse desapontamento possa ter sido uma das causas do acidente.

"O desânimo de não ter ganhado deve ter baixado a energia vital dele. Alheio ao entorno, em cima da moto, devia estar com a cabeça ainda na cerimônia, talvez."

Constança me confidenciou que Tom, desde muito jovem, sabia que morreria cedo: "Ele sabia, tinha esse sentimento. Teve vários insights e avisos. Creio que uma vidente ou o que o valha havia alertado ele sobre isso. Inclusive ele tinha duas tatuagens no corpo, uma no peito e uma nas costas, para sua proteção."

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A new boss Constança Scofield. Foto: Arquivo Pessoal

Capone, antes de ter o reconhecimento público, era um operário da música. Traçava tudo, fosse MPB, rock, pop, caipira, brega, punk e etc. "Grana não era prioridade. A arte era. Ele bancava um projeto se precisasse", diz Constança.

Se o artista chegasse com indecisões, inexperiência e problemas, Tom contribuía com certezas, expertise e soluções. Tornou-se objeto de desejo de artistas em todo Brasil. O Rappa chegou a esperar seis meses na fila para contar com Capone no álbum O Silêncio que Precede o Esporro. A espera claramente valeu a pena.

E era lá, no Toca do Bandido, sentado horas a fio, em frente à mesa de som, que a alquimia acontecia e Capone criava obras-primas.

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Dito isso, segui em direção a Zona Oeste do Rio de Janeiro, rumo ao Itanhangá — em verdade a estrada velha de Jacarepaguá, longe pra cacilda — para conhecer, in loco, o antológico estúdio carioca.

Quando adentrei no Toca do Bandido, fui recebido pelo Tom… calma lá — não estive em uma sessão para invocar o gênio, não — ele estava ali graças a pelo Marcelo Ment, grafitado em uma parede da entrada. Independente da imagem, a presença do Tom é flagrante em cada canto. Capone é o boss, ainda que in memoriam, por trás do new boss, sua viúva Constança Scofield. No local, sua memória é preservada, através de sua obra e de seus objetos pessoais.

Colei na Constança, que me recebeu de forma extremamente aprazível. Ela me contou que após a morte de Capone, levou dois anos para sacudir a poeira e dar a volta por cima, na vida pessoal e no Toca: "Viúva e mãe solteira. Naquele momento eu havia herdado um 'elefante branco', o quê eu faria com isso? O que iria acontecer? Era também a nossa casa. Sem o Tom nada fazia sentido naquele momento."

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"Aproveito bastante a minha infância e ainda não penso no futuro, mas é muito bom saber que tem aquele monte de instrumentos e todos aqueles recursos para fazer música se um dia eu quiser. Estou começando a tocar agora. Acho que o trabalho de produção musical não é pra qualquer um, pois tem que se dedicar muito". Bento, 11, filho do Tom e Constança.

Outros adereços interessantes pipocam por todos os cantos do estúdio. Um violão todo ferrado do Wander Wildner; uma imagem da Virgem de Guadalupe feita pelo quadrinista Fabio Cobiaco; uma tela do grafiteiro Speto feita durante um show d´O Rappa — do Speto são três obras ao todo pela casa. No escritório tem uma prateleira que ostenta uma pá de Grammys. O Toca tem o seu próprio pub privê, profissa, para lançamentos, festinhas de ocasião, palinha dos amigos e tals.

Seu Antônio, o pau pra toda obra do estúdio, me ciceroneou por todos os cantos. É uma lenda local e também vocal. É voz por trás da introdução de Só No Forévis, dos Raimundos, de 1999.

As guitarras são as garotas cobiçadas da fauna do estúdio. São as verdadeiras obras de arte do local.

Com o passar dos anos, o Toca do Bandido vem se transformando em um espaço de múltiplos projetos interessantes. Tem o selo Toca Discos, uma galeria de grafite, uma guest house para hospedar bandas de fora do Rio e da gringa. E para um futuro breve, ainda em processo embrionário, um projeto pessoal de Constança, a Casa do Rock, uma escola para guiar jovens músicos que queiram ingressar na carreira. Segundo ela, esse é o motivo para ela estar na Toca até hoje.

Em outubro desse ano rolou o projeto Converse Rubber Tracks, no Toca do Bandido. O estúdio já tinha participada da edição de 2014 do projeto. Constança se orgulha do fato do estúdio estar nesse pacotão exclusivo, junto com outras lendária fábricas fonográficas como Abbey Road e Sunset Sound. "O objetivo é promover um intercâmbio entre bandas, que têm a oportunidade de gravarem em alguns dos estúdios mais fodássos do mundo. O Toca foi o representante brasileiro nesse balaio icônico. Isso demonstra a moral e prestigio que o estúdio adquiriu nos últimos anos. Recebemos bandas de vários lugares, EUA, Índia, Europa."

Um dos predestinados nessa fita cabulosa foi o rapper de Fortaleza Côro MC, que gravaria na gringa e teve seu visto negado de forma vergonhosa pelo consulado norte-americano. Mas foi recompensado pela organização e teve dois dias para usar e abusar do aparato tecnológico e humano do estúdio, e recebeu um baita vale, o apadrinhamento e dicas valiosas de MV Bill.

O Toca do Bandido é foda! É um espaço artístico coletivo e colaborativo. Lá se cultivam amizades e a boa música, tudo que Capone — que completaria 49 anos no próximo dia 27 de dezembro — mais amava. Quer dizer, depois das motos!