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Música

O EP de estreia do Supervão é uma caosmose gótico-tropical

Perca-se nos meandros das ondas gravitacionais de 'Lua Degradê'.

Foto por: Lucas Carneiro Neves

O Supervão tem pouco menos de um ano de vida. Fosse o projeto musical um bebê desenvolto, estaria agora parando de engatinhar e começando a dar os seus primeiros passos. Mas no caso da plataforma criativa dos músicos e artistas visuais Mario Arruda (voz, programações e sintetizadores) e Leonardo Serafini (guitarra), estamos diante de uma proposta que chega ao mundo com maturidade e personalidade bem definidas. O Supervão caminha a passos largos e firmes, sabendo aonde quer chegar. O EP de estreia, Lua Degradê (Honey Bomb Records / Lezma Records), que o Noisey apresenta a vocês nesta sexta (26) com exclusividade, é ousado no som e também no conceito.

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Em termos abrangentes, a música pode ser descrita como um synth-pop gótico-tropical. A partir de um viés mais específico, noções da astronomia e do futurismo inspiram ritmos e melodias. Do ponto de vista do processo criativo, tanto no caso das composições como do polimento das faixas em estúdio, o Mario e o Leo foram buscar na definição do termo “caosmose”, cunhado pelo psicoterapeuta, filósofo e semiologista francês Félix Guattari, o caminho das pedras. Há algo de arriscado nessa história toda. Mas é justamente esse risco que serve de botão ejetor para que os músicos possam explorar suas habilidades e, ao mesmo tempo, superar limitações – as deles e também das ferramentas sonoras de que lançam mão.

Naturais de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, atualmente o Mario e o Leonardo vivem em Porto Alegre. Eles são idealizadores do selo Lezma Records e também tocam em outras bandas: Chimi Churris e Siléste. Em Lua Degradê, o baixo foi assumido pelo Ricardo Giacomoni, que também toca no Chimi. Antes deste EP, pra quem quiser sacar, eles soltaram em 2015 duas músicas no single Cadilac Olodum. A faixa-título virou clipe, e no lado B vem “Priminho Maçã”. Agora em janeiro saiu outro single, o “Vitória Pós-Humana”. Clique aqui para ouvir. É isso. Perca-se nos meandros das ondas gravitacionais com este streaming enquanto lê a entrevista que fiz com eles.

Noisey: Achei curioso vocês terem usado o termo "caosmose", do Félix Guattari, numa das aspas do press release. Outros artistas costumam atribuir o termo "mashup" a propostas com pluralidade de referências. Por que, no caso de vocês, a caosmose representa melhor o conceito da banda?
Mario Arruda: Caosmose é um conceito que me pilha muito em razão de sua potência criativa (o que fez o Primal Scream nomear seu disco, provavelmente). Guattari, em caosmose, propõe a produção de uma interface em que caibam zonas de intensidades que não se conectariam de outra forma. Tipo, modelos já estabelecidos e que não se conectariam pelo seu vetor de significado e sentido podem se conectar através de sua estetização. Utilizei esse termo em uma conversa com o Afonso de Lima, porque estou nesse momento iniciando meu mestrado no Grupo de Pesquisa Semiótica e Culturas da Comunicação (GPESC), e por isso imerso em teorias. O que eu quero dizer é que a gente faz uma espécie de mashup, mas o que entendo por mashup é um processo entre sons. Ele se dá exclusivamente em relação à música. O que estamos iniciando na Supervão é entender a produção como resultado de diversos fatores que nos afetam, como a música, claro, mas também nosso dia a dia, a indústria fonográfica, a televisão, a internet, o cinema, a literatura, as teorias, as pessoas, a política, a arte, a alimentação, o gênero, as representatividades, a moda…

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Leonardo Serafini: Usar o termo mashup ia gerar um entendimento um pouco distante do desejado.

Existe um esforço consciente e realmente focado em traduzir sonoramente conceitos da astronomia, do futurismo, do pós-humanismo, nas composições?
Mario: Se você entender tradução como criação, sim. Desacreditamos na possibilidade de tradução, seja ela qual for, mesmo de um idioma ao outro. Sobre os conceitos, vivemos um momento em que todo assunto é falado a partir de um viés científico, duro e apenas questionável através de argumentos aprovados pela ciência. O que queremos fazer é mexer nesse discurso. Queremos entender o que está por vir, qual é a transformação que está para irromper a qualquer momento. Leonardo: Tem relação com o lance de como as pessoas vivem hoje em dia. Todo mundo busca ajuda em ciências alternativas pra responder suas perguntas diárias e de como criar a sua rotina influenciada por essas vibrações. Por isso utilizamos, diversas vezes, temáticas assim nas músicas. É mais natural do que pensado. Quase irônico. As músicas do Supervão nascem primeiro como conceito ou como experimentos que depois ganham forma e significado?
Mario: É um processo que vem de vários lados. É sempre experimento, mas não necessariamente sonoro. A todo momento que me sinto tocado pelo mundo, surpreendido ao sentir algo destoante do que a princípio já sentia, vejo o estopim para a criação. Como acredito que vivemos em uma espécie de estrutura que está se transformando infinitamente (apesar dos esforços de alguns por sede de poder por diversos motivos), quando sinto a transformação chegando tenho vontade de dar um empurrãozinho [risos]. Hoje, já não entendo a criação como um processo inconsciente, mas um processo de levar ao consciente aquilo que ainda é inconsciente. Leonardo: Mas são mais músicas de compositor do que de jams em ensaios. Cada um propõe o seu comentário em um conceito já concebido e definido pela criação primal.

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"Supreme by Supervão". Foto: Lucas Carneiro Neves Vocês acham que essas ideias, assim como a proposta por trás da arte da capa, podem criar uma relação mais íntima com os ouvintes?
Mario: De repente… Mas trabalhar de forma estética é doido, pode gerar intimidade agora ou daqui a 50 anos. Talvez, geraria intimidade anos atrás… Antes, até esperava algum resultado com arte, agora me divirto com as possibilidades. A capa é da Ana Paula Peroni. Queríamos uma lua, e ela traduziu todo resto das sonoridades e conteúdos de Lua Degradê numa imagem. O Lucas Carneiro Neves fez o mesmo com as fotos e com o clipe que serás lançado muito em breve. Leonardo: Acho que do ponto de vista do consumo final, sim. Mas é uma continuação do trabalho de uma banda, que começou na música e que recebeu a expressão de um novo integrante com total liberdade de criação. Nos outros ambientes são outras pessoas, sem briefing incontestável, criando somente pela sua expressão a partir de um tema inicial. Gostaria que comentassem o processo de elaboração dessas faixas em estúdio. Levou-se muito tempo para chegar nessa coisa de confundir as fronteiras entre o que é produzido no software e o que é resultado da intervenção humana?
Mario: O José Fonseca foi quem iniciou esse processo. Ele me mostrou uma nova forma de gravar e mixar. Pegou um software para criação de música eletrônica e começou a mixar umas guitarras por lá. A gente tinha feito “Cadilac Olodum” a partir de um arranjo de bossa nova que ele tinha gravado. Aí coloquei um solo e um riff de guitarra que se transformou em baixo… Mas foi na hora de mixar que entendi o que estava rolando. Era até meio tenso, porque cada um vinha com ideias completamente absurdas e inicialmente trabalhosas. Mas é que vimos ali possibilidades infinitas. O difícil era entender se combinaríamos através da harmonia ou da batida, ou de alguma outra coisa… Até agora não entendi muito bem, mas trabalhamos uns oito meses para finalizar o EP.

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Acho que estamos com isso pronto agora porque o Léo entrou na Supervão e gravou a maioria das guitarras. Ele chegava, ouvia os sons e simplesmente tocava como se já os conhecesse há muito tempo. Era totalmente como eu achava que tinha que ser, mas não conseguia fazer.
Quando terminamos de mixar, o resultado ainda não tinha ficado satisfatório. Foi aí que o Bernard Simon Barbosa se pilhou em masterizar os sons. Foi tipo uma remixagem total. Ele fez soar tudo de modo diferente, maior e com mais espaço. Além disso, ele nos apresentou muitas possibilidades de gravação e mixagem. Acredito que chegamos no melhor resultado possível. Lua Degradê foi um processo. Já estamos gravando sons novos depois da transformação que esse EP nos causou até agora. Leonardo: Acidentes de processo foram o que mais ajudaram nessa criação. Encontros e misturas dessas fronteiras. Desde enjambres de softwares de gravação até a sabotagem de uma música que alguém tinha proposto. O que as outras bandas de vocês, Chimi Churris e Siléste, têm de similaridades e diferenças em relação ao trabalho do Supervão?
Mario: A relação com a Chimi Churris é que a música é vista como um caminho estético. A Chimi de início era totalmente um trampo de arte. É Pisco Férias é um produto estético, não um disco de música convencional, já que não foi feito pra cantar, dançar ou entender… Era tudo o que podíamos produzir sonoramente através de violões, pedais artesanais, captadores de contato em madeiras, sons corporais… E tudo captado com microfones de plástico e mixado no Premiere, o programa de edição de vídeo. Agora estamos gravando o segundo disco e ele está entre o que fazemos na Supervão e o que rolou em É Pisco Férias da Chimi Churris. O Ricardo Giacomoni, que toca guitarra na Chimi e entrou na Supervão no fim das mixagens dando a cara dos baixos em Lua Degradê, é um artista da práxis: ele simplesmente se expressa com aquilo que tem em mãos. A grande diferença entre Chimi Churris e Supervão é que, na primeira, a ação é um recorte/expansão de conceitos já formados, enquanto na segunda, ocorre um recorte/colagem entre conceitos diversos.

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Leonardo: Acho que é claramente possível ver a influência de todos esses projetos no trabalho do Supervão. Eles são uma inspiração e influência constante de todos os outros artistas mais próximos com quem já pudemos dividir os shows, uma apropriação direta. No meu caso, toco guitarra também na Siléste, e trago a imagem de cada um dos meus colegas de banda ao meu perfil de guitarrista. Trago os personagens deles ao meu modo de tocar e também à programação de ideias no Supervão.

Sendo vocês artistas visuais, vou dar uma de Abujamra e lançar uma pergunta pra divagar: o que é arte?
Mario: Arte pra mim é produzir uma coisa que possa mostrar possibilidades de mudança. A produção artística, assim, é sobre criar novos espaços habitáveis, novos modos de aproximação das diferenças. No caso das cenas musicais, o ato artístico seria o de criar uma cena em que todas as pessoas, artistas, estéticas, pudessem se relacionar. O que tentamos fazer em nossas festas (VDD, Volta e Neu Tropicália) é isso: rola bandas, DJs de música eletrônica, DJs de música pop, exposições, performances, e mais o que for proposto. Já teve mapa astral, ocupação de espaço público, na próxima vai ter distribuição de sementes frutíferas… Isso tudo com o intuito de juntar pessoas diferentes. Arte é tornar isso possível, achar as possibilidades de encontro. Isso pode parecer fácil falando, mas até mesmo a ausência de uma tomada pode inviabilizar a projeção de um filme sobre eletricidade alternativa… A arte nesse caso é fazer o enjambre necessário para realizar o filme.

Leonardo: Eu diria que é apresentar novas estéticas do seu ponto de vista. Mas num sentido mais egoísta, é a eterna vontade de se expressar para outros seres humanos de uma forma mais natural, inocente, e muito mais frágil do que nas relações cotidianas.

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