FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Straight Outta Stockton: Lições de Vida de Gary Young, do Pavement

Direto da cidade natal da banda, na Califórnia, o ex-baterista do grupo conta como Kannberg cuidava da burocracia, Malkmus escrevia a maior parte das músicas e ele, além de tocar bateria, “gravava a porra toda”.

A Matador Records recentemente lançou The Secret History, Vol. 1, do Pavement, um LP duplo contendo lados B, faixas inéditas, sessões de rádio e outras faixas ao vivo dos primeiros anos da banda. Uma porrada de relançamentos do Pavement apareceu por aí ao longo dos anos, mas esse pequeno tesouro nos leva para a estaca zero. Para onde tudo começou. Saído direto de Stockton.

Stockton, na Califórnia, tem uma reputação sinistra, de um lugar onde a vida não é nada fácil. É verdade que ela já foi classificada como A Cidade Mais Miserável da América do Norte múltiplas vezes pela revista Forbes. É verdade também que, em 2012, Stockton se tornou a maior cidade a declarar falência na história dos EUA. Por trás de toda essa má reputação, Stockton é rica em agricultura, e de lá já saíram Chris Isaak, Dave Brubeck, Lord Buckley (o primeiro hipster), e também aquele que é o pão com manteiga do indie-rock: o Pavement.

Publicidade

Eu mesmo nasci e fui criado em Stockton. Quando criança, ouvia o Pavement improvisando em uma garagem na Waco Way, na região rural norte da cidade. O som deles era horrível, mas eu era muito novinho, e na época estava começando a curtir MC Hammer. Pavement foi a única banda local que veio do colégio onde fiz ensino médio, na cidade próxima de Lodi, e isso fazia deles os caras mais cool da paróquia. Chi Cheng, do Deftones, frequentou o mesmo colégio, e morava pertinho da casa dos cofundadores Stephen Malkmus e Scott “Spiral Stairs” Kannberg, em um subúrbio muito distinto chamado Morada.

Voltando ao básico. Os universitários Malkmus e Kannberg escreveram músicas durante a folga de Natal de 1989, e levaram essas tais “músicas” para o mito local e hippie do punk rock já ficando mais velho, o Gary Young, também conhecido como The Plantman, que gravou a banda em sua garagem, e foi seu baterista durante quatro anos.

No dia em que o Pavement se juntou para gravar pela primeira vez, houve um tiroteio numa escola do ensino fundamental na sangrenta Stockton. Cinco crianças foram assassinadas e 32 feridas. Foi uma coincidência então que eles tenham dado ao primeiro EP o título de Slay Tracks [Faixas do Morticínio] (1933-1969)?

Todo inverno eu fujo do frio de Montreal, no Canadá, e vou para o nevoeiro de Stockton, e já tive a sorte de entornar algumas com Gary Young, hoje com 62 anos. Sua postura corporal com certeza é torta e encurvada por causa de todas as casas das quais ele já pulou, mas ele é uma companhia muito encantadora. Passei alguns dias na casa em que ele morta desde 1993 com sua namoradinha da época do colégio, Geri. Ele é tipo um fantasma se escondendo nas periferias distantes de Stockton, aconchegado em meio aos pomares de cerejeiras e nogueiras de Spanos County. Ele é quase um acumulador compulsivo, mas está mais para colecionador. Toda vez que estou perto do sujeito, dá para sentir e cheirar o espírito do rock. Com ele o lance é de verdade, e isso fica óbvio já da primeira vez que você o vê. O homem ainda tem aquele olhar juvenil, com brilho, e sorriso de adolescente. Ele talvez não saiba disso, mas, se você procurar no Google por “maior disco indie de todos os tempos”, Gary Young muito provavelmente fez parte da gravação e foi o baterista dele. Leia abaixo nossa entrevista com Gary.

Publicidade

NOISEY: Você é um alcoólatra devoto. Quanto você bebe, e como é um dia normal do Gary?
GARY YOUNG: Hoje já reduzi para duas garrafas de [gin] Seagram's de 200ml por dia, junto com uma cerveja. Eu me sinto bem a maior parte do tempo. Já te contei que tomei ácido 65 vezes na minha vida? Faço um caminho de vários quilômetros de carro todas as manhãs até a loja de bebidas na hora em que ela abre, às seis da manhã. Fico bebendo com uns fazendeiros locais em Linden, ali perto (de onde vieram os serial killers que ficaram conhecidos como “os malucos do speed”). Tenho um estúdio de gravação moderníssimo, com um controle remoto no meu quintal dos fundos, e o som é uma maravilha. Tenho muitos amplificadores bonitões, e uma pilha de microfones. Fora isso, passo muito tempo em lojas de ferramentas e compro coisas. Foi assim que inventei e patenteei um protetor de microfones chamado Universal Shock Mount. Vendo o meu por US$27 [cerca de R$ 90] e ele vem em tamanho único que serve para tudo. Os outros feiões, que parecem aranhas, saem bem mais caro. Faço [os meus] individualmente, com as minhas mãos mesmo, e mando pelo correio para os distribuidores e para quem me faz pedidos diretos pela internet. Já vendi cerca de 13 mil deles. Se eu trabalhar que nem louco, consigo fabricar dez por hora. A coisa tá no meu sangue já. Meu pai era inventor e técnico de aviação, e ajudou a construir o avião Spruce Goose. Deixa eu te mostrar uma bandeira oficial dos EUA, que foi hasteada no Capitólio americano em homenagem a ele.

Publicidade

A Stylus Magazine listou você entre os '50 Maiores Bateristas do Rock de Todos os Tempos', e seu trabalho solo apareceu num episódio de Beavis and Butthead. Foda!
Fiquei em 42º lugar entre os 50. Não fiquei na frente do Keith Moon, isso é certeza. Todo mundo que ficou atrás de mim naquela lista merecia estar na minha frente. Aquele jornalista é um palerma, até um certo ponto aquele é um artigo datado. Agradeço pela parte que me toca, mas não acho que eu merecia. Eu meio que já estou no passado. Fiquei sabendo do negócio do Beavis and Butthead, mas na verdade não achei nada demais.

Você agendou muitos shows em Stockton na década de 80. Quais bandas você agendou?
A verdadeira história é que eu era o único cara com mais de 21 anos, que podia assinar os papéis para alugar um espaço para shows com a Mexicano Halls local. Contratei Dead Kennedys, Circle Jerks, e qual foi mesmo aquela outra banda famosa? [Longa pausa] Black Flag. Contratei uma banda muito massa de São Francisco, chamada Crime. Eles vieram usando aquele uniforme padrão azul da polícia. O povo do Dead Kennedys ficou na minha casa. Tô te falando, Jello Biafra é basicamente o cara mais esquisitão que você consegue imaginar. Acordo de manhã e tá lá ele fazendo exercícios isométricos no chão da minha sala de estar.

Quais foram as suas primeiras impressões do Pavement e do Malkmus?
Eu fazia parte de uma banda chamada The Fall Of Christianity, junto com o Brian Thalken, do The Authorities. O Stephen e o Scott vinham ver os nossos shows. E também vinham ao meu estúdio, e eu gravei os primeiros EPs deles, e também Slanted and Enchanted. No início, eles não tinham baterista, então me convidei para tocar a bateria, e quando fui ver já estava na banda. O lance é o seguinte: quando ouvi eles pela primeira vez, não entendi. Eu contava para os meus amigos de Nova York que tinha acabado de fazer um disco bizarro, e que não sabia como descrever. Três ou quatro anos depois entendi que a gente tinha feito algo de verdade ali. Mas levei um tempão para sacar isso. O exemplo clássico disso para mim é que o Yes é a minha banda favorita.

Publicidade

Proto-Pavement: os jovens Stephen Malkmus e Scott Kannberg. Foto por Conrad Matsumoto

Quantos shows ou turnês você já fez com o Pavement?
Tipo uns 500 shows. Cruzamos os Estados Unidos cinco vezes, e acho que [fizemos] umas três turnês mundiais.

De quantos dos seus próprios shows você já foi expulso?
No mínimo sete.

Você é um ex-ginasta, e é conhecido por fazer aquela posição de ioga de ficar de ponta cabeça durante seus shows ao vivo. Você cumprimentava todos os fãs na porta da frente, dando um presente para cada. Isso emputecia a banda?
Eu fazia a posição de ponta-cabeça enquanto o Malkmus tocava umas músicas solo lindas. Pousava na minha cabeça até não aguentar mais. O público torcia por mim até o momento em que eu perdia o equilíbrio. Isso deve ter deixado o Malkmus puto. Tipo, a banda simplesmente não queria que eu fosse o seu representante. O lance é que a maioria dos fãs e a mídia tipo NME queriam falar comigo, ou tirar fotos de mim. Eu era o maluco, e Malkmus era o inteligente, o cara que tinha boas músicas. Eu parava de tocar no meio das músicas e pedia um drinque para o público. Ficava na entrada das casas noturnas em que a gente se apresentava, e dava boas-vindas a todo mundo com um presentinho quando chegavam para o show. Ficava lá no final também, e agradecia a todos por terem vindo. Daí a coisa ficou mais bizarra. Comecei a entregar vegetais. A única pessoa que curtia me ajudar a fazer isso era o Thurston Moore. Ele curtia demais a parada. Teve uma vez na Alemanha, junto com o Sonic Youth, que vieram cinco mil pessoas. Achei lá uns repolhos que eram do tamanho de bolas de basquete. Eu tinha uma faca imensa de cozinha e cortei pedaços para todo mundo que aparecia e passava pela porta. Eu sou meio alemão, mas os alemães não têm muito senso de humor, então eu fui expulso por dois caras loiros, com pinta de soldado, por fazer isso. Eles não me deixaram voltar, mas acabei conseguindo entrar de fininho pela porta dos fundos. Na minha cabeça, eu era um entertainer, então eu estava só entretendo os nossos fãs.

Publicidade

Uma vez a gente fez um show em Londres e tínhamos vendido 250 ingressos, então comprei 250 selos postais de um centavo cada, e eu tascava um selo no verso do canhoto dos ingressos. Foi nessa noite que o John Peel veio ver o nosso show, coloquei um selo para ele também.

Você sabe que um dos singles do Pavement que você gravou foi encontrado numa caixa secreta contendo a coleção dos discos favoritos do John Peel depois que ele morreu, né? Tinham 143 singles, incluindo um dos Beatles. Fizeram um documentário sobre a coleção dele. Isso te deixou pirado?
Opa, espera aí, o John Peel morreu? Eu não sabia dessa.

Falando de mortos famosos, você também conheceu o Kurt e a Courtney, né?
A gente estava abrindo para o Nirvana no Reading Festival de 1992. Eu estava no motorhome/camarote e tinha lá um garoto sentado no sofá, e o [guitarrista do Pavement, Scott] Kannberg estava lá também. Começo a bater um papo com o garoto e ficamos nessa por uns 20 minutos. Depois disso o Kannberg me pergunta: “Você sabe quem é esse cara?”, eu digo que não, e ele: “Kurt Cobain”. Eu não fazia ideia de quem era. Daí ele me contou que era o vocalista de uma banda chamada Nirvana, e eu disse que também não conhecia esse nome. Depois eu saí e fui andando, e uns três motorhomes abaixo aparece uma mulher branca, grande, feia, gigantesca, e grita “GARY!” e me dá um beijo na boca, e, para minha surpresa, era Courtney Love, e me disseram que ela era a esposa do Kurt. Eu fiquei num impasse naquele momento, e não fazia a menor ideia de quem eram aquelas pessoas. Só pára deixar claro, eu e Courtney não ficamos nos pegando. Foi só um beijo mesmo.

Publicidade

Como o Pavement trabalhava?
Kannberg cuidava da burocracia. Malkmus escrevia a maior parte das músicas. Eu tocava bateria e gravava a porra toda.

Eles disseram que você pediu demissão, mas você diz ter sido demitido. Tudo não passou de um mal-entendido?
Eu não deveria dizer isso, mas, na época, eu senti que tinha muita grana circulando, e imaginei que eles talvez tentassem me passar a perna. Meu irmão é um diretor musical que ganhou o Grammy três vezes, e ele me pressionou a fazer com que alguém assinasse algum papel. Eles tinham 20 anos, e nenhum plano de longo prazo. Eu era o mais velho, e a juventude só ia ficando mais longe. Mas não quero ser escroto. Quero ser amigo desses caras. Não me entenda errado, eles me pagaram, e eu ainda recebo tipo uma grana residual periodicamente, mas nada que dê para pagar as parcelas da casa.

Gary Young e Mikey Bernard

Recentemente seu ex-colega de banda, Bob Nastanovich admitiu que, agora, estando mais velho, ele entendeu qual era o seu lance. Isso significa alguma coisa para você?
Fico grato. Bob foi meu padrinho de casamento.

O Pavement nunca teve um empresário. O lance deles era super DIY. Eles não queriam ser o próximo Nirvana, ou o próximo Weezer. Isso te incomodava?
O que é DIY?

Do It Yourself [Faça Você Mesmo]. É o que você é, Gary.
Bom, sim, esse sou eu mesmo. Só achava que a gente devia ganhar mais grana sendo que aparecíamos naquelas revistas todas, mas na época a banda não se importava com isso. No longo prazo, eu estava errado. Eles conseguiram.

Publicidade

Você ainda conversa com os caras?
Na verdade, não. Scott me convidou para a festa de noivado dele, e me disse que eles me levariam [para a] Europa na turnê de reunião da banda. Isso não rolou. Eles acabaram me convidando para tocar quatro músicas nos shows de reunião da banda em Stockton e Berkeley.

Uma vez citaram uma frase em que você dizia que o baterista que o substituiu, Steve West, era um ótimo sujeito mas péssimo baterista.
É verdade, mas eu nunca diria isso na cara dele. Quando olho para um baterista, se não consigo fazer o que ele faz, então ele é com certeza melhor do que eu. É assim que eu avalio um baterista.

Recentemente, num episódio do podcast WTF with Marc Maron, Malkmus proclamou que, de toda a discografia dele, a gravação favorita tinha sido com você em Stockton. O que você tem a dizer sobre isso?
Como ele poderia dizer outra coisa? Manda ele voltar correndo pra Stockton pra gente fazer um disco bom pra caralho. Ponto final. Estou falando sério. Nós fizemos o maior disco de toda a história do punk rock, porra, bora fazer outro, qual é o problema? Tô a postos!

Qual é o seu disco favorito do Pavement antes e depois de Gary?
Ao que parece, Crooked Rain é bom. Aquela jam em que fizemos cover do Dave Brubeck, “5-4=Unity” foi ideia minha. Ao que parece o nome que deram para o disco Wowee Zowee fui eu que criei, esse era um verso meu. Meu disco favorito do Pavement em que eu estava na bateria foi Watery, Domestic.

Você acha que algum dia a gente vai entrar no Hall da Fama do Rock and Roll?

Sim. Mas vocês já estarão mortos quando isso acontecer.
Será que a gente consegue antes do Sonic Youth?

Eu sou de Stockton. Pavement vem em primeiro lugar.

Mikey B. Rishwain é o diretor de programação do M for Montreal. Siga-o no Twitter.

Tradução: Márcio Stockler

Siga o Noisey nas redes Facebook | Soundcloud | Twitter