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Música

Ruy Fernando Contra os Metaleiros que Curtem Titãs e Outros Causos

Estreamos uma série sobre os infortúnios e tragicomédias da vida de músico independente. Para começar, convidamos o Ruy, vocalista do No Violence e Parental Advisory

Fotos por: Marcos Aragão

Quando você monta uma banda, meu chapa, é bom se ligar em algumas coisas. No meio alternativo, você vai viver um monte de experiências legais, mas também vai arrumar treta, alguém vai falar mal da sua pessoa, te xingar no show, você vai ficar puto com aparelhagem zuada, dono de selo aproveitador, prensadora que atrasa pra entregar os CDs, regulagem de som que prejudica sua música, balão em cachê, tempo curto pra se apresentar (enquanto a banda da vez pode tocar o quanto quiser…), embaço ou burocracia do dono/promoter do clube pra te descolar uma data firmeza… Enfim… Tem uma pá de quiproquós… Tipo quando te colocam pra tocar por último num domingão à noite depois da atração principal e o público vaza. Mas se você é apaixonado pelo que faz, mete ficha, porque a ideia é essa mesmo. Vai que vai na força de um jedi.

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No fim, se nada valer a pena, ficam pelo menos as boas histórias. Sobretudo as histórias de rolê fora da cidade. Quem é que, com anos de estrada, saindo de van pra tocar em outros picos - ou mesmo fora do estado ou país -, já não coleciona um bom punhado de relatos sobre roubadas e perrengues bons de contar numa mesa de bar? Foi pensando nisso que resolvemos iniciar aqui uma seção só para registro de tais episódios. Para inaugurar, convidamos o Ruy Fernando, calejado em suas andanças por aí no posto de vocalista do No Violence e outros grupos, como o Parental Advisory. O Ruy tem um jeito naturalmente engraçado de desenrolar pequenos fatos, então eu ri muito fazendo essa pauta. Mesmo sabendo que na hora dos apertos descritos logo a seguir, não tenha sido tããão engraçado assim. Com vocês, Mr. Rey Efe:

Destrua o Capitalismo!

Onde: Itapevi - SP

Quando: 1998

"Teve uma história que foi com o Parental Advisory, em que íamos tocar num show que os caras do Dischord e o Cristiano, hoje do Bandanos, organizaram numa quadra comunitária. De repente, o pessoal de lá veio dizer pra gente que tinham roubado a bilheteria do show, onde só tinha a irmã do Molusco, do Dischord, cuidando da grana, uns meros R$ 100, eu acho. Imediatamente toda a punkaiada se uniu e decidiu não deixar aquilo barato, exigir uma satisfação, e como a menina sabia quem era o cara que roubou, fomos, todo mundo das bandas e do público, uns 60 punks, até a casa do cara, a pé. Lá chegando começou uma gritaria, saiu a mãe do ladrão, depois a irmã, as duas chorando, brigando com a gente, e então aparece o cara que roubou a bilheteria, branco, todos os punks gritando com ele, e ele se desculpando, dizendo que tinha problema, a irmã disse que ele era viciado, pediu desculpas… mas não devolveu a grana. Ninguém bateu nele, nós não éramos da cidade, não sabíamos se estressar naquele momento seria ruim pra quem morava lá, e todos os punks acabaram desistindo e indo embora. Não sem antes um anarco chegar na cara do bandido e mandar esta pérola: 'Mano, você vai roubar os punks? A gente é pobre que nem vocês! Vai roubar um banco, destrua o capitalismo!'. Um triste fim pra uma emocionante história."

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Titãs é Muita Treta, Vish!

Onde: Cotia - SP

Quando: 1994

"Nesse dia tocamos num salão onde tinha um casamento num lado e nosso show com uma banda cover de Led Zeppelin e o Chemical Disaster, de Santos, que era death metal, no outro. No meio do nosso show uns metaleiros começaram a pedir pra gente tocar Titãs. Achei que era zoeira, que estavam tirando a gente de playboy por usarmos bermuda e tal, e mandei no microfone: 'Titãs? Titãs é banda de playboy. A gente toca hardcore.' Imediatamente uns 10 caras vieram pra perto do palco, todos cabeludos, com coturno, munhequeira de rebite e pregos, e com camisetas… dos Titãs! Era a época daquele disco deles, o Titanomaquia, que era meio pesado, e esses metaleiros de Cotia curtiam, a sério e sem ironia, os Titãs! Incabível e imprevisível, pra mim. Um deles veio até mim e disse 'Titãs não é banda de playboy. Vocês que são playboy', cheio de ódio. Tocamos o show todo sob os olhares fuzilantes desses caras e no fim do nosso show rolou um empurra-empurra generalizado que envolveu até gente do casamento, com direito a umas porradinhas. Nunca imaginei que brigaria por causa do Titãs."

Lá Vem o Negão

Onde: Guarulhos - SP

Quando: 1991

"O No Violence tocou no Wood's Bar, e tínhamos uma música que se chamava 'BCE - Brancos, Católicos e Europeus', que falava do racismo no Brasil e eu, querendo interagir e estimular o público, comecei a falar que no Brasil negro tinha que se ferrar, tinha que ter os piores empregos, morar mal, e tal, como se fosse o discurso de um branco classe média. Aí, do fundo do bar, aparece um negão de dois metros de altura e vem se aproximando na minha direção, injuriado, até parar na minha frente, enquanto ainda falo, e começa me encarar. Acabo a minha fala, olho pra ele e pergunto: 'Você acha certo isso tudo que eu disse?' E ele responde, no veneno: 'Não.' E eu emendo, 'Ah, mas os Brancos, Católicos e Europeus acham!' E viro pra banda e digo, 'Vai, toca logo!' Tocamos o resto do set na maior tensão, com um amigo nosso segurando um ferro de bateria achando que ia rolar treta. Tão logo acaba nosso show, esse negão vem até mim pra conversar, todo mundo achando que ele não tinha entendido minha fala, achando que ia pipocar treta. Eu já comecei explicando: 'Olha, era uma fala de uma pessoa racista, eu estava fazendo uma personificação…', quando ele disse rindo: 'Tô ligado, eu entendi, tava só fingindo ficar bravo pra ver a reação de vocês.' Puta alívio…"

Esses Caras Não Fumam

Onde: ?

Quando: 1996

"Outra foi de um show que fizemos num pico em que um cara da plateia, entre todas as músicas, ficava gritando: 'Esses caras são caretas! Essa banda não bebe nada! Eles nem fumam!', além de outras coisas que tinham a ver com straight-edge. O No Violence não era sxe, éramos só eu, a Silvana Mello e o Ricardinho, nosso baterista, e fomos ficando injuriados. Até que acabou o show, e já deixamos tudo no palco, larguei o microfone, cada um largou seu instrumento, pulamos pra plateia e fomos intimar o cara no berro: 'Aí seu folgado, tá louco? Fica zoando a gente no meio do nosso show?' E ele respondeu, muito calmo: 'Não, vocês estão enganados. Eu não tava zoando. Estava afirmando!' Tipo, o cara gritava 'Esses caras não bebem, esses caras não fumam!', achando uma qualidade, e ele se retratou com tanta convicção, que desarmou a gente. Ficamos sem saber se ele era louco, um folgado, ou o cara mais cínico do mundo. Começamos a rir e fomos embora."