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Música

Odair José, Ogi e Juçara Marçal Soltam a Voz Contra a Ditadura

Espetáculo histórico com direção de Romulo Fróes rola neste domingo no CCSP em São Paulo

Enquanto tem gente pedindo a volta da ditadura, uma galera se reúne neste domingo (13) em São Paulo para celebrar uma parte da resistência a ela, e ao mesmo tempo comemorar uma das poucas coisas boas que aconteceram no período: a música. Como parte da programação especial que acontece até final de abril no Centro Cultural São Paulo, aludindo aos 50 anos do Golpe Militar, o cantor Romulo Fróes assumiu o papel de diretor artístico e concebeu uma proposta que levará ao palco da Sala Adoniran Barbosa um trio de músicos da pesada: Odair José, o rapper Ogi e Juçara Marçal.

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O espetáculo, chamado Do Silêncio ao Grito - Música Popular Brasileira X Ditadura Militar, tem entrada gratuita – os ingressos já podem ser retiradas no CCSP – e será transmitido ao vivo pelo site do CCSP. A trupe será acompanhada por uma banda formada pelos músicos não menos responsa Curumin (bateria), Thiago França (saxofone) e Fábio Sá (contrabaixo), além dos diretores musicais e guitarristas Kiko Dinucci e Rodrigo Campos, e também uma performance do Paulinho Fluxus e seu Tanq_rosa choq.

Os compositores e intérpretes convidados vão atualizar o contexto da canção de protesto, relembrando algumas das músicas que se tornaram hinos da resistência contra o regime militar, e também aquelas que, à época e ainda hoje, não ficaram identificadas como tal. Romulo, equipe e artistas foram buscar na música brasileira atual canções que, de alguma maneira, dialogassem com esta premissa, para também serem inclusas no repertório.

Rolou ensaio com a turma toda junta nesta quinta (10), e, logo ao final, o Romulo respondeu por e-mail nossa entrevista, comentando a experiência e adiantando um pouco do que xs 622 sortudxs que conseguirem retirar seus ingressos poderão conferir:

Noisey: Como foi que rolou a oportunidade de fazer a direção artística deste espetáculo? Foi um convite ou o projeto partiu de você?

Romulo Fróes: O Juliano Gentile, da área de música do Centro Cultural São Paulo convidou a mim e ao Rodrigo Campos para produzir um espetáculo dentro da série de eventos que a Prefeitura de São Paulo, através da Secretaria de Direitos Humanos, está realizando para marcar os cinquenta anos do golpe militar de 1964. Eu e o Rodrigo convidamos então o Kiko Dinucci para dividir a direção conosco. Rodrigo e Kiko ficaram a cargo da direção musical e eu com a direção artística.

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Como foi feita a seleção do repertório? Alguma coisa precisou ser adaptada ou remodelada a partir dos ensaios com os músicos?

O Juliano, desde o convite, deixou claro que teríamos total liberdade na escolha de repertório e convidados, salientando que não necessariamente as músicas escolhidas deveriam ser do período que compreendeu a ditadura militar. Fomos então buscar canções que nos ajudassem a construir uma narrativa de modo a explicitar o horror de viver sob um regime autoritário e de alguma forma identificar sua presença ainda nos dias de hoje. Por isso, para além das canções que se tornaram hinos da resistência contra o regime, escolhemos também aquelas que, à época e ainda hoje, não ficaram identificadas como tal, além de buscar canções surgidas após a ditadura que de alguma maneira dialogassem com aquele repertório.

O conjunto de instrumentistas e o núcleo central de vocalistas - Odair, Juçara, Ogi - vêm ensaiando com vocês já há algum tempo para este show?

A banda montada pra este show, que conta com Kiko Dinucci e Rodrigo Campos nas guitarras (Rodrigo toca ainda cavaquinho), Thiago França no saxofone e pocket piano, Fábio Sá no baixo e Curumin na bateria, é formada por velhos conhecidos que já participaram de muitos projetos entre si. O mesmo vale para Juçara Marçal, envolvida em projetos com todos os músicos desta banda. O convite ao Ogi partiu do entendimento de que o rap é hoje o mais próximo do que na época se nomeou canção de protesto. São os artistas do rap que, de maneira mais contundente, denunciam a presença de um sistema muitas vezes autoritário, mesmo em um período democrático no qual vivemos. Como o Ogi também já participou de projetos com músicos da banda, especialmente com Kiko e Thiago, foi natural que o convidássemos. O convite ao Odair José funcionou quase como uma provocação, pelo fato de até hoje a grande maioria das pessoas não identificarem os artistas ditos “populares”, como atores importantes na luta contra o regime militar. No caso de Odair e seus colegas a censura era dupla, além da oficial exercida pelo regime, havia ainda a censura da elite intelectual que não admitia uma música que não comungasse de seus ideais políticos e estéticos. Fecharam os ouvidos para a obra de Odair, que tratava de assuntos até hoje tabus, como a homossexualidade, a prostituição e os direitos das empregadas domésticas. A vaia à sua participação ao lado de Caetano Veloso no show Phono 73 é comparável ao que sofreram Tom Jobim e Chico Buarque quando venceram o festival que tinha como favorita da plateia a canção emblemática de Geraldo Vandré, "Pra Não Dizer que Não Falei das Flores", popularmente conhecida como "Caminhando e Cantando".

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Fluiu logo de cara a química entre o Odair e os outros músicos?

Sobre a química entre Odair e a banda, posso te dizer que pouquíssimas vezes participei de um projeto como este, que envolve artistas dessa importância, em que alguém foi tão generoso e envolvido como foi o Odair nos ensaios. Imagine no show!

O que a performance prevista no espetáculo vai apresentar ao público?

O que estamos chamando de perfomance ficará a cargo de Paulinho Fluxus e seu Tanq_rosa choq. Paulinho, além de ser iluminador, responsável pela luz de muitos dos artistas dessa geração, é artista plástico e um reconhecido ativista político, personagem importante nas manifestações atuais. Sua figura histriônica, quase caricata, todo paramentado de rosa choque, seu carrinho de supermercado que funciona como um tanque de guerra, seus disparos de laser atingindo personagens autoritários de agora, suas intervenções artísticas pelos marcos da ditadura que insistem em existir, como as centenas de ruas e viadutos da cidade com nomes de ditadores espalhadas pela cidade, o modo novo de praticar o ativismo político que ele está construindo, tudo o que envolve o Tanq_rosa choq, além de ser emblemático do momento atual, vai enriquecer o espetáculo e imprimir uma certa alegria pela liberdade, que apesar de tudo, vivemos. Um norte claro desde o início deste espetáculo era que mais do que lamentarmos a tragédia do que foi o regime militar, celebraríamos o fato de podermos nos manifestar livremente sobre o que nos aflige e Paulinho e seu Tanq vai ser fundamental nesta celebração!

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Tomando por base a discussão que o show levanta dentro da programação especial "50 Anos do Golpe", no CCSP, é certo dizer que a opressão do regime ditatorial militar fez os músicos brasileiros evoluírem artisticamente na ânsia de se manifestarem com força contra tudo aquilo?

A grande ironia disso tudo é que talvez a música popular brasileira tenha vivido seu auge exatamente durante o período do regime militar. Mas não podemos, nunca, imaginar que isso foi possível devido ao confronto com a ditadura. Essa geração formada por nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Milton Nascimento, Paulinho da Viola, entre muitos outros, teria construído sua grande música em qualquer época que tivessem surgido. “Estagnação” é uma palavra que está à milhas de distância para definir a música brasileira atual. É só comparecer ao show no domingo pra entender o que estou dizendo. O fato é que a música popular brasileira, desde o seu nascimento, desde Noel Rosa, Pixinguinha, passando por Caymmi, Luiz Gonzaga, pela Bossa Nova, Tropicália, a Vanguarda Paulista, o Manguebeat, até hoje, nunca esteve estagnada. O que há é que em determinadas épocas, os artistas que dialogam com a construção dessa rica tradição, para além do puro entretenimento, têm maior ou menor inserção no momento cultural do país. Mas que a música brasileira continua caminhando pra frente, eu não tenho a menor dúvida!

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