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Música

Derrubando Torres de Marfim com Sigrid Sheie, do VHÖL

A baixista, professora de piano e nova mãe do pedaço fala sobre criação, a má fama dos teclados, e como ela espera que seu filho curta Iron Maiden.

Foto por Craig McGillivray

Agora, como sempre, a criação é um grande tema na vida de Sigrid Sheie. Ela é uma musicista de formação clássica e professora adjunta de música na Universidade de San Francisco que atuou como baixista, tecladista/pianista, vocalista e flautista na fértil cena música da Bay Area desde que deixou sua cidade natal no Centro Oeste dos Estados Unidos há mais de uma década. Durante seu tempo na região, ela tocou em vários shows, fez turnês e gravou uma série de discos com bandas como Amber Asylum, Hammers of Misfortune e seu mais recente projeto, aquele-que-não-se-chama-de-supergrupo conhecido como VHÖL. Este está prestes a lançar um novo álbum, Deeper Than Sky (qye sai no dia 23 de outubro pela Profound Lore), enquanto o Hammers of Misfortune finaliza o há muito esperado sucessor de 17th Street de 2011.

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Entre ensaios com suas bandas, aulas na USFCA, e seu projeto com o vocalista do Slough Feg e ex-parceiro no Hammers Mike Scalzi (sério), tempo livre já é um conceito meio alienígena para Sheie – e no meio disso tudo, ela ainda está criando um recém-nascido com seu parceiro na vida (e música), John Cobbett. Não é de se espantar que ela soe no mínimo cansada quando ligo em sua casa; Sigrid passou o último ano em um estado mental e físico constante de crescimento, mudança e criatividade, tendo acabado de colocar o bebê pra dormir.

Sua mais nova criação ao lado de Cobbett e dos velhos amigos e colegas de banda Aesop Dekker (Agalloch) e Mike Scheidt (YOB, Lumbar), Deeper Than Sky, é uma audição cativante. Além disso, é desafiadora – exige muito do ouvinte e te faz tentar adivinhar o que vai acontecer de forma que poucas bandas conseguem. A filosofia toda por trás do VHÖL tem raízes na experimentação e uma espécie de estranheza alegre, e esta segunda obra de thrash espacial meio crust, bizarro e progressivo merece ser analisada com cuidado.

Escute o disco e leia nossa conversa logo abaixo.

Noisey: E aí Sigrid! Parabéns pelo novo disco, as pessoas parecem estar curtindo.
Sigrid Sheie: Sim, estamos satisfeitos com o resultado. Foi desafiador fazê-lo por uma série de motivos, mas tudo fica ainda melhor quando parecem curtir, faz tudo valer a pena.

O que o tornou tão desafiador?
Bom, penso que todos os discos são assim, mas como suponho que você saiba, terminamos as faixas básicas e tive um filho! Tristan tinha só algumas semanas de idade quando John voltou à guitarra, então foi um momento bem interessante; finalizar e mixar tudo com um bebê em casa foi dureza.

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Uma dose dupla de criatividade aí – você deu à luz a uma nova pessoa e ainda teve que lançar esse disco.
É engraçado porque John e eu costumávamos brincar que sempre que ele estava compondo um disco novo ou quando ele saia, era como ter um filho, e ele era a mãe e eu o papai orgulhoso torcendo ali. Agora ele recebeu uma dose disso bem na cara! Às vezes fazer um disco parece mesmo ter um filho.

Ter o bebê por perto mudou a dinâmica no trabalho do disco?
Bem, a maior parte do que fiz no disco do VHÖL foi quando já estava mais ou menos com 8 meses e meio de gravidez; já no disco Hammers, rolou mais depois que Tristan nasceu. Sobrou mais pro John, de arrumar tempo; ele estava meio que dividido. Eu estava de licença-maternidade, e ele tinha que terminar de gravar. Já em termos de dinâmica de trabalho, quando estávamos gravando o básico, meio que não mudou muito – só que eu estava mais chata, com dores nas costas e tendo engordado um pouco, provavelmente não podendo ensaiar pelo tanto que ensaiei. Os caras foram muito compreensivos; Aesop e Mike passaram por tudo aquilo com seus filhos antes, então cuidaram bem de mim.

A essa altura vocês já são veteranos, é até difícil imaginar vocês ensaiando; como é quando vocês chegam no estúdio?
Nós damos duro e ainda precisamos ensaiar. Nunca se chega ao ponto de não precisar ensaiar. Quando nos juntamos, ainda mais no caso deste disco, tivemos que trabalhar em cima de um monte de coisas. Em termos técnicos, é um disco bem difícil, então só ajustar baixo e bateria dá uma trabalheira danada. Por mais que a gente se divirta – Aesop é um palhaço, sempre fazendo piadas e zoando – levamos tudo muito a sério. Quando a música encaixa, rola uma alegria com isso também. Quando se trabalha pesado em cima de algo e só melhora, isso é muito divertido, ouvir como tudo vai ficar no final. Logo, eu diria que ensaiar é divertido.

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Foto por Sarah Brady

Parece como criar uma criança a jato – você está ali, criando o disco, lança ele e espera que as pessoas gostem e que ele se dê bem no mundo…
Concepção é uma parada muito divertida, mas dá muito trabalho!

No papel de nova mãe, tem uma parte sua que torce secretamente para que seu filho curta metal e punk?
Total, espero que ele curta Iron Maiden e Judas Priest e todas essas bandas porque é música boa de verdade. John e eu brincamos que não queremos que ele seja músico, e sim astrofísico ou algo assim, porque a gente sofreu demais sendo artistas. Não é esse caminho tranquilo que te leva a montanhas de dinheiro e está tudo ali só te esperando, mas tem algo de foda nisso também. Quero que ele tenha um bom ouvido pra música e bom gosto, mas se ele curtir, sei lá, as boy bands de 2025, vamos ter que ouvir isso também. Vamos ver o que acontece. Talvez ele seja um republicano conservador, quem sabe? Vamos ter que amá-lo do mesmo jeito.

O seu currículo musical mesmo é meio que espalhadão – além do VHÖL e Hammers of Misfortune, você tem educação clássica e tocou em bandas punks. Como entrou nessa de metal?
Bom, mudei de Oakland para Minneapolis, e tocava numa banda punk chamada Menstrual Tramps. Tocava flauta em uma banda de música para bebedeira irlandesa com o Aesop, e foi bem interessante, mas queria tocar baixo de novo, e não estava tocando piano ou teclado nessa época. Fui apresentada ao John num show do Lucifer’s Hammer e um amigo disse a ele: “Ela é baixista, você devia chamá-la para um teste!”, porque eles estavam atrás de baixista/vocalista. Aí que conheci John e me aproximei mais do metal. Antes disso estive bem envolvida com o punk, mas ter conhecido John e ficar de rolê com ele, me mostrando muito dos seus discos favoritos, foi uma grande influência.

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Poder compartilhar algo assim com quem você gosta meio que faz da descoberta musical ainda melhor.
É, era meio que todo um novo mundo pra mim, que eu até conhecia, mas só as bandas maiores, e ouvir coisas como o Storm pela primeira vez foi tipo, uau, me impressionou. Coisas como essas que nunca teria encontrado. E quando conversávamos sobre eu tocar no Hammers, acabei não entrando como baixista/vocalista porque não tinha voz pra isso, então John quis que eu tocasse teclado. E eu disse “bom, não sei”, porque àquela altura odiava teclados no metal e punk porque achava tudo brega, daí ele começou a me mostrar uns lances tipo os primeiros do Genesis e eu disse “beleza, entendi, teclados podem ser bem massa”.

Pode crer, os teclados ainda têm uma fama meio ruim.
Tem mesmo! Digo, entendo o porquê, acho que as pessoas os utilizam erroneamente. Dá pra deixar tudo bem brega e digital, e isso é terrível, tentamos mesmo evitar isso com o Hammers. Agora voltando ao VHÖL, quando John e Aesop formaram a banda e me chamaram pra tocar baixo, foi ótimo retornar para onde comecei esse processo todo de entrar no metal. O círculo estava se completando; foi meio empolgante e agora toco os dois, e pra mim é o ideal.

Mesmo assim você conseguiu colocar umas teclas ali. “Paino” é a música com piano mais metal que já ouvi!
Existe algum outro exemplo de piano thrash? Seria ótimo conseguir criar um subgênero! [Risos] O nome de “Paino” veio de uma aluna que tive com 7 ou 8 anos de idade; ela me trouxe um adesivo daqueles de para-brisa, um projetinho de artesanato que fazia com a mãe, e ela queria escrever “piano” e saiu “paino”, que achei a coisa mais engraçada do mundo. Continua em alguma janela de nosso estúdio de ensaio.

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No seu emprego como professora de piano na Universidade de San Francisco você acaba lidando com jovens músicos o tempo todo. O que você aprendeu ao ensiná-los música?
Um dos pontos altos de lecionar é o quanto você aprende. Dar aulas todos os dias pode melhorar como você toca. Eis uma vantagem, você descobre atalhos e formas de chegar onde quer mais rapidamente porque tem que ajudar outra pessoa a lidar com isso. Caso precise observar uma canção de outra forma para obter um resultado, é algo que pode fazer ao lecionar. Mas você também acaba percebendo que não pode avaliar alunos e crianças logo de cara. Tem gente que tem talento natural para a música, e tem gente que parece que não entende nada até que algo se encaixa. A ideia mesmo é que todos tem essa habilidade. Isso mudou minha perspectiva das pessoas ao longo dos anos; não sei se isso mudou algo em mim como musicista no metal, mas como pessoa sim.

Seus alunos sabem que você toca em um monte de bandas de metal?
Alguns sabem. Os universitários ocasionalmente me pesquisam no Google e descobrem, ou então conversando com seus colegas. Às vezes conto pros meus alunos mais novos, caso pareçam interessados. Até já convidei alunos pros meus shows. Não é algo que eu esconda e creio que todos se sintam mais à vontade comigo com isso. Não sou aquela professora esnobe típica, e acho que isso ajuda.

Você se divide entre o mundo heavy metal e o acadêmico, então tenho certeza que você notou o interesse em certos círculos de se tentar interpretar o metal pelo viés da academia. Enquanto acadêmica, você acha que isso faz sentido?
Certamente creio que possa ser estudado; penso que a música é intricada e complexa o bastante para ter um estudo de forma e análise. Podem-se dividir todas as partes e aplicar a teoria da música ao metal com facilidade e aprender algo. Do ponto de vista sociológico? Não sei. Boa pergunta. Acho que há um elemento de perigo, mesmo na música clássica, que quando a estudamos, estudamos os mestres – tipo o Beethoven é uma figura mítica que nunca errou. Creio que nos afastamos da música assim, e quando rompemos algumas destas barreiras, é mais fácil compreender e tocar, se tem mais a ver com a sua vida. Você encontra uma compreensão mais profunda daquilo, não são só peças ou uma partitura em uma torre de marfim que idolatramos. Um dos perigos é que a coisa toda pode ficar pretensiosa ou seca, e não quero isso acontecendo com o metal. Penso que ao se estudar academicamente certas bandas ou músicos lendários, isso pode ajudar a compreendê-los melhor, mas também se pode argumentar que isso os distanciaria. É isso que penso.

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Voltando para as suas bandas, você acaba de finalizar um novo disco do Hammers, certo? É tipo seu terceiro filho este ano!
Finalizamos na noite de quarta! Ter um disco e um filho já era o bastante, mas decidimos fazer mais um porque somos doidos [risos]. Foi mais um empreendimento tremendamente desafiador, e finalizá-lo foi um alívio. Não parece verdade. Ele foi gravado em meio que duas sessões. Não só nasceu Tristan como nosso vocalista, Joe Hutton, sofreu um acidente feio de moto. Sua pélvis inteira está parafusada e ele milagrosamente consegue andar sem bengalas. Ele está cantando, sua voz está 100% e isso é um milagre. Tocaremos no dia 24 de outubro [a entrevista foi feita na semana passada], quase um ano após o acidente. É meio que uma vitória pra ele, pra gente e o fato de que este disco saiu é incrível… Então, é, estamos prontos pra tirar umas férias.

Há cerca de um ano você tocou com Mike Scalzi alternando piano e vozes; algum dia veremos isso de novo?
Sim, temos ensaiado regularmente! Faremos algo logo.

Mike tem uma voz única, maravilhosa, e há anos falamos sobre fazer um lance lounge estilo Sinatra, e finalmente conseguimos. Tocamos uma vez, há um ano e meio, e estamos tentando tocar de novo, talvez gravar. É bem divertido e leve – eu no piano, ele cantando e vez ou outra tocando guitarra.

Você acha que gravará um disco solo em algum momento?
Nunca pensei nisso. Se um dia sentir que preciso tirar algo do peito, farei. Não é o momento e não me considero uma compositora. Se fizesse algo… Tenho essa ideia de fazer versões meio doom-gótica do Nattens Madrigal do Ulver, e quando tiver tempo, talvez faça algo nesse sentido. Tenho que resolver um monte de coisa antes!

Kim Kelly está revivendo os anos do gafanhoto no Twitter.

Tradução: Thiago “Índio” Silva