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Música

Golpes de Caratê, Chá de Cogumelo e Tretas com Fãs: As Roubadas na Estrada de Edu K, do DeFalla

“Todas as roubadas que a banda se meteu foram por minha causa".

Foto por Giovani Paim

Edu K foi a criação – um Frankenstein juvenil – de um menino de dez anos nascido em Porto Alegre. “Nunca consegui ser o Eduardo Martins Dorneles, desde dessa idade eu já me imagina uma estrela do rock”. Eterno vocalista do DeFalla, ele capitaneou a transição da banda entre vários estilos – do hard rock do começo da banda, em 1985, ao funk que conquistou o mainstream nos anos 2000 com o hit "Popozuda Rock ‘n’ Roll". Em agosto, a banda lança Monstro, novo álbum de inéditas.

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Tanto tempo na estrada rendeu perrengues, mas Edu K não gosta desse lance de culpar os outros. “Todas as roubadas que a banda se meteu foram por minha causa, mea maxima culpa”, diz. De forma caótica e prolixa, Edu me contou vários rolos, sem precisão cronológica. “Sou péssimo com datas. Meu cérebro tá meio queimado, restam poucos neurônios”, brinca. “O DeFalla é uma banda de roubada, tanto que tenho dificuldade de lembrar de rolos, confusões e tretas, porque na verdade, elas sempre fizeram parte do meu dia a dia e da banda, de forma que para mim é até difícil identificá-las como tal” [risos]. Acredito que o Manuel de Falla, o dono do nome da banda, nos lançou uma maldição do túmulo. E o DeFalla só se fode a vida inteira. Deveríamos ter feito uma sessão espírita para apaziguarmos os ânimos do seu Manuel”.

Selecionei algumas situações periculosas, indigestas, bizarras e constrangedoras dos rolês desse doidaço, mais ou menos do bem, chamado Edu K.

Continua…

Ataque de Machadinha e Golpe de Caratê
Onde: Curitiba
Quando: meados dos anos 80
"Fomos fazer um show em Curitiba e minha coroa tava junto, ela sempre que podia me acompanhava nas trips. Estávamos eu, minha mãe e um roadie nosso que era um irlandês muito louco, o Mani, e tinha mais alguém da banda, não sei se o Castor ou o Flu. Anyways, fomos todos no mesmo bonde, em um táxi, para o show. Nessa época não tinha tinta 'profi' para pintar o cabelo, tá ligado, então a gente pintava com o que tinha. Nessa época estava com o cabelo pintado laranja, bem forte, de papel crepom [risos]. Eu tenho 1,84m, e a minha cabeça, dependendo do táxi, roça no teto. Na hora que eu desci do táxi e olhei pra trás, vi o teto todo cagado de laranja, e pensei que ia dar merda com o taxista. Não deu outra: o taxista viu a porra da mancha e saiu de dentro do táxi com uma machadinha que ele tinha embaixo do banco. Ele veio pra cima da gente e minha mãe pulou na minha frente. O taxista berrava: 'Porra, tu pintou toda a porra do teto do meu taxi'. Foi aí que o meu roadie, irlandês, que lutava caratê, pulou em cima do cara, tirou a machadinha, deu um golpe e apagou o cara, aí a gente sai vazado. Creio que o taxista se recuperou."

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Edu K vs. Punks da Baixada Fluminense
Onde: Rio de Janeiro
Quando: entre 1991 e 92
"Fomos tocar em um show com os Tubarões Voadores, na Baixada; erámos muito amigos dos caras. O show foi meio caído de público, mas tinha uns 20 punks daqueles bem “função”. Começamos a tocar e os caras começaram a xingar a gente direto, e eu xingando de volta. Até um dado momento a parada estava no controle, troca de farpas entre 'cavalheiros'. Lá pelas tantas resolvemos tocar um hip-hop, e os punks foram a loucura e começaram a pegar pesado, mandaram a gente se fuder, diziam 'hip-hop é o caralho', 'que merda', atiraram alguns objetos não identificáveis na gente. Fiquei puto e disparei: 'Seus filhos da puta, vocês são tudo uns bundão, vão pra casa bater punheta que nem comer ninguém vocês comem, vão pra puta que os pariu'. Nessa os caras enlouqueceram e caíram pra dentro. Acabou o show e eu fui saindo do palco, aí fudeu, todos aqueles punks vieram pra cima de mim. Fizeram uma roda em volta de mim. Pensei, 'agora vou apanhar'. Porra, aí os caras começaram a chutar meus pés tipo criança na escola, saca? De qualquer forma eu tava todo cagado e fui me esconder dentro de um armário. Fiquei horas escondido e os caras fazendo plantão para me pegar. Pensei: 'Que merda, mais uma vez minha boca me fudeu'. Horas depois vieram me buscar dizendo que os punks haviam ido embora. Lá fui eu todo cagado."

DeFalla em uma passeata em 1998. Acervo pessoal.

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Tretas “Manufaturadas” com Engenheiros do Havaí e Biquíni Cavadão
Onde: na estrada
Quando: 1993
"A mítica em torno do DeFalla sempre foi de que éramos uns 'monstros abomináveis' e encrenqueiros. E não é bem assim. Muita coisa era manufaturada, produzida pra dar aquele clima rock n´roll, saca. Sempre rolou uma coisa meio abrasiva ente nós e outra bandas. Sempre falei o que eu achava. Sempre falei bem do Lulu Santos, que ninguém gostava na época, e falava mal do Humberto Gessinger, dos Engenheiros do Havaí, por exemplo. Só que eu e o alemão – Gessinger – somos amigos. Ele é um cara afudê, e tem sua relevância obviamente. A gente ficava trocando farpas na imprensa, um falando mal do outro. Eu e o Humberto sempre demos risadas disso.

Essa é um pouco irônica, depois disso eu mesmo virei DJ. No próprio Hollywood Rock critiquei e sentei o malho no Biquíni Cavadão. O Bruno, vocalista, disse que eles iriam transformar a Apoteose em uma grande pista de dança. Eu fui na imprensa e disse: 'Pista de dança é o caralho, vão se fuder, bando de pau no cu, música eletrônica é o caralho', sendo que o DeFalla foi uma das bandas mais inovadoras nessa área. Mas aquilo foi o puro prazer de fazer inimigos, sacou? Os caras do Biquíni ficaram bolados com a gente, muita gente morria de medo. Os caras ficaram com medo que nós fossemos atacá-los. Mas como eu disse, era tudo de caso pensado."

Chá de Cogumelo no Ônibus
Onde: Porto Alegre/São Paulo
Quando: impossível lembrar
"Bem no início da banda, eu e o Carlo Pianta tomamos um chá de cogumelo e fomos de busão de linha para fazer um show em Sampa. Imagina dois locos aditivados no chá de cogu em um ônibus de linha. A gente azucrinou e tocou o terror dentro do bus até o momento que um cidadão qualquer me trancou dentro do banheiro pra ver se eu me acalmava. Eu estava incontrolável. Estava enlouquecendo dentro do banheiro. Me acalmei um pouco. Me tiraram do meu confinamento e eu e Carlo começamos a nos cagar de tanto rir. Nessa, veio um cara e puxou um cano e disse que ia nos matar se a gente não parasse de alucinar. Porra era uma época muito faroeste. A gente se cagou, mas não conseguia parar de rir, era incontrolável a parada. É coisa de débil mental tomar um chá de cogumelo para encarar uma viagem de quase 24 horas."

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Show no Aeroanta
Onde: São Paulo
Quando: 1993
"Fui perseguido pelo Afanásio Jazadji, que era deputado bem de direita da época, do tipo que tentava prender todo mundo – tentou prender a galera do Titãs, Rita Lee, etc. Um mês após o Hollywood Rock, fomos fazer uma minitemporada no Aeroanta, foram dois dias de shows. Ele viu uma oportunidade após esse lance do Hollywood Rock de me enquadrar. Quando cheguei em Sampa e desci do bus, li no jornal: 'Afanásio vai prender Edu K'. Li uma entrevista dele, com uma foto minha e dele e ele dizendo: 'Se esse cara tirar a roupa aqui, vou prender ele'. Chegamos para fazer o show e só tinha thundercop dentro do troço. Policiais de terno, tipo, parecia cena de um vídeo do Devo. Cabia umas 400, 500 cabeças dentro do Aeroanta; tava lotado, devia ter uns 50 ou 100 fãs da banda, o resto era só de polícia, umas 200 cabeças. Só dava esses caras de terno, mal-encarados olhando a gente. Era como um filme de terror de baixo orçamento do Roger Corman. Bizarro, um monte de cops assistindo a um show porralouquice do DeFalla. Foi aí que um amigo nosso, o Gringo de Osaco, que inspirou a música “Caminha”, subiu no palco e começou a tirar a roupa. Eu disse: 'Não faz isso cara, que os malucos vão nos prender'. Ele mandou um foda-se e começou a baixar as calças, aí caiu uns 20 cops em cima dele. Eu disse pros caras deixarem para lá, que ele era meio débil mental, e parece que surtiu efeito. Fiquei assombrado um bom tempo com esse lance de ser preso, ficava fitando as pessoas pra sacar se eram policiais. Achava que ia ser sequestrado e iam dar sumiço da minha pessoa. Entrei numa noia fudida, nessa época."

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Pagamento de Show com Uma Moto Toda Fudida
Onde: Rio Grande do Sul.
Quando: provavelmente 1985 ou 86
"Houve um show, aqui no interior do Rio Grande do Sul, bem no início da banda, com o Ira, em um estádio desses bem de várzea. Os caras que produziram o show improvisaram, puseram umas tábuas, umas portas no gramado para ser o palco'. A gente teve que tocar em cima daquilo, um som cagado, ruim pra cacete. O show foi uma merda. Na hora de pagar, o produtor simplesmente sumiu, desapareceu. Ficamos presos na cidade, não tínhamos como pagar hotel, ônibus para ir embora da cidade, a gente ficou fudidaço. Acharam o cara escondido em um quartel, o maluco era militar. Chegamos junto e o cara na maior cara dura nos disse que não tinha dinheiro. Mandamos o cara se fuder. Demos uma pressão para o maluco nos arrumar um buzum pra nos tirar da cidade, e o cara acabou nos pagando com um moto toda fudida, bem vagaba, e nós colocamos a porra da moto dentro do bus e fomos embora, com aquela tralha junto. Nem sei o que aconteceu com essa moto. Roubada de grana nem dá pra dizer que tivemos, na época a grana que se recebia era insignificante, quase ridícula, custeava despesas básicas com show, e já era!"

Foto por Balonê Balonê

O Dia que Os Fãs Encararam o DeFalla
Onde: Fundição Progresso
Quando: não lembro
"Era uma apresentação no Rio, na Fundição Progresso, onde o DeFalla sempre teve fãs do hip-hop – tanto que o Planet Hemp começo tocando no palco do DeFalla, no Circo Voador. Eu, nessa época, encrenquei de transformar o DeFalla em uma banda de 'house com guitarra'. Dito isso, a gente reformulou todo show para um lance meio electro house. A parada era que todos nosso fãs da época, hardcore, hip-hop, estavam lá, essa galera é sinistra. Os caras foram ficando putos durante o show. Quando acabou e fomos descer do palco, juntou toda galera em volta e nos intimou: 'Olha cara se vocês não tocarem as músicas do jeito que elas são, de verdade, nós vamos cagar vocês a pau'. Diante desse pedido carinhoso, não tivemos escolha, voltamos pro palco e tocamos todo o show como os caras queriam. O medo é um grande motivador e os filhos da puta ganharam um show exclusivo, só para eles."

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Guerra de Estilos
Onde: Belo Horizonte
Quando: creio que 1990
"Quando o DeFalla assinou com a Cogumelo Records, de Belo Horizonte, nós estávamos em uma loucuragem de fazer crossovers, um heavy metal misturado com punk, e fizemos um disco assim. Esse tipo de som era super underground na época. Fomos gravar o disco em BH, ficamos um mês lá. Na sequência fizemos um show, e na divulgação do show dei uma entrevista dizendo: 'O DeFalla é uma coisa de hardcore'. Pra quê… os punks da cidade inteira caíram em cima. 'Pô, mas vocês são cabeludos, que papo é esse de hardcore?'. Era uma época que não existia essa parada de miscigenação de estilos musicais como agora. Se tu era cabeludo tu não podia dizer que era punk. Era um absurdo isso. A gente com um visual tri metaleiro, dizendo que nós erámos uma banda hardcore, fudeu! Os punks foram novamente no nosso show, xingando a gente o tempo inteiro: 'Vocês não são hardcore, seus filhos da puta!'. E eu ali pensando que merda vou tomar no cu de novo com essa porra. Como no show da Baixada. Eram uns punks old school, com uns moicanos enormes. Acabou o show e pra variar os punks tinham fechado a porta de saída. Peguei minha guitarra e saí girando ela no ar e gritando: 'Saí da frente seus filhos da puta'. Pra variar não tinha segurança, roadie, porra nenhuma. Eu girando a guitarra e o resto da banda vindo atrás de mim, saímos correndo, entramos em um táxi e fugimos, com um bando de punks correndo atrás de nós. O rock desperta paixões, a ponto do cara querer te matar."

Foto por Nicolas Collar

Gravação Boicotada
Onde: São Paulo
Quando: 1989
"Participamos de uma coletânea produzida pelo Alex Antunes chamada Sanguinho Novo, em cima da obra do Arnaldo Baptista, dos Mutantes. Era um coisa super referencial e reverencial. Tinham sido convidados os Ratos de Porão, Sepultura, etc. O DeFalla foi convidado para gravar 'Vou Me Afundar na Lingerie', fizemos uma versão totalmente hard rock, um mix de Aerosmith e Guns’n’Roses, eu mudei a letra para o inglês… esculhambamos a parada, no melhor estilo DeFalla. E obviamente era minha visão dentro do espírito dos Mutantes, que era uma zueira do caralho. Enfim, gravamos. Quando saiu o disco, não tinha a nossa versão da música. Nós pensamos: 'Ué, o que aconteceu?'. Fomos atrás do Alex, e perguntamos: 'E aí, o que houve?'. Ele, na maior cara de pau, nos deu uma desculpa bem esfarrapada do tipo: 'Tive um problema na fita, etc e tals'. Papo furado, lógico. Aí a gente descobriu com o pessoal do estúdio que ele apagou a máster. Ele achou que nossa regravação estava um absurdo. Ao invés dele simplesmente não colocar no disco, ele resolveu apagar para ninguém nunca ouvir! [risos] A gente pensou: 'Que baita filho da puta.' Mas a justiça veio a cavalo, uns dois meses depois disso. O Alex faria uma entrevista com gente para a revista Bizz. Depois da entrevista, ele disse que tava todo cagado de nos encontrar por causa desse lance com a música que havíamos gravado para a coletânea. Ele nos confidenciou que pensou: 'Puta que pariu, vou encontrar esses trogloditas, eles já estão sabendo que eu apaguei a máster. A entrevista foi marcada em uma churrascaria, quando vimos o Alex chegando demos um banho de farofa nele. Chamamos ele de pau no cu, por ter apagado a máster, ele quis enrolar de novo, mas acabou confessando que não havia gostado. E ficou tudo certo, no final."

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