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Música

T.I.: Rei Ontem e Amanhã

Embora ele não mais conserve a fúria justiceira e o jogo de cintura pop da juventude, ele ainda está acumulando sucessos significativos, como o maior sucesso do ano passado, "Blurred Lines".

Fotos de Jason Bergman

Nem todos os sinais da longa realeza de T.I. são inteiramente óbvios, mas eles estão lá, funcionando como uma corroboração silenciosa: as solas de seus sapatos quase sem sujeira alguma, os dentes perfeitos; sua equipe projeta uma eficácia tranquila mas sem falhas, ele irradia charme e carisma. Você tem vontade de rir de suas piadas e sente vontade de agradá-lo, não por ele ser famoso – coisa que é, e muito –, mas sim porque ele é realmente engraçado. No palco, numa exibição de pré-estreia do vídeo de "No Mediocre", em julho, ele não fez feio ao lado de Lil Duval, entregando piadas para o comediante finalizar tanto quanto as recebia. Em um passeio pelos escritórios da VICE, algumas semanas depois, T.I. responde à minha pergunta, que vai se formando lentamente, sobre mudança e paternidade, com uma declaração serena e simples. Como T.I. mudou ao ter de interpretar o papel de homem de família, de figura fácil em reality shows e, sim, de rapper mais maduro nesses últimos anos? Ele é frio e direto: "O mesmo rei de sempre."

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Com 34 anos, T.I. é certamente um dos velhos estadistas do rap de Atlanta, e embora ele não mais conserve a fúria justiceira e o jogo de cintura pop da juventude, ele ainda está acumulando sucessos significativos. Para mencionar um só exemplo, ele participou da maior música do ano passado, "Blurred Lines" (seu quarto single a obter o primeiro lugar) e continua a ser um colaborador fiel do atual gênio maior dos bastidores da música pop, Pharrell. De acordo com T.I., foi Pharrell quem, em seu próprio casamento, arranjou o atual contrato de T.I. com a gravadora Columbia, antes de assumir como produtor executivo do novo disco de T.I., Paperwork. E T.I. foi o primeiro superstar do rap a convidar o rapper atualmente mais badalado de Atlanta, Young Thug, para uma faixa, "About the Money", de Paperwork, que é o melhor single de Tip em vários anos.

No mínimo, T.I. tem a distinção de ser uma espécie de guia (e, aos olhos de alguns teóricos da conspiração, muito mais do que isso) do maior sucesso de seu selo Grand Hustle, e daquela que talvez seja a pessoa de maior visibilidade no rap americano neste momento, Iggy Azalea. Além de Iggy, o rol da Grand Hustle inclui Travi$ Scott, que é um dos jovens artistas mais badalados do hip-hop, e as recentes mixtapes do selo Hustle Gang mostraram que T.I. claramente ainda se mantém presente no exuberante mundo do rap de rua contemporâneo. Ele agora também está na quarta temporada de seu segundo reality show, T.I. and Tiny: The Family Hustle, que o coloca semanalmente diante de um público maior do que muitos músicos conseguem obter ao longo de suas carreiras.

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E o mais importante: T.I. ainda é o rei porque, em suas músicas, continua a ser o letrista incrivelmente talentoso que sempre foi, o contador de histórias detalhista e alerta, com um flow habilidoso e uma arrogância lacônica impossíveis de imitar. Ele continua sendo o modelo sonoro da atual era do rap. Não esqueçamos que foi ele quem mais ou menos inventou o conceito de “trap music”. Ele é, resumindo, um dos maiores rappers de todos os tempos.

Ao mesmo tempo, ser um grande rapper é garantia de muito pouca coisa, especialmente relevância musical, em que a virtuosidade técnica é apenas parte da fórmula. Depois de soltar uma série de discos queridos que culminou no clássico instantâneo King em 2006, T.I. estava com a faca e o queijo na mão para dominar o hip-hop na segunda metade dos anos 2000. O disco seguinte, T.I. vs. TIP, foi decepcionante, mas depois ele voltou com o seu maior disco de todos, Paper Trail, contendo oito singles, dois dos quais chegaram ao primeiro lugar da Billboard, “Whatever You Like” e “Live Your Life”. Era como se T.I. fosse incapaz de errar: ele fez uma música com Rihanna no exato momento que ela passava de estrela do nicho R&B para superstar mundial. Fez uma música com o inacreditável time composto por Lil Wayne, Kanye West e Jay Z, e mandou melhor no rap do que todos eles, em cima de uma batida que sampleava M.I.A., na época em que ela se tornava uma das figuras importantes da música indie. Fez uma música com Justin Timberlake, que é Justin Timberlake. Fez seus próprios hits, com refrãos que pegaram “What Up, What's Haapnin” e “Swing Ya Rag” (que pode ou não ter compelido este que vos fala a partir em busca de uma bandana Louis Vitton pirata, a qual conseguiu encontrar). Além disso tudo, ele foi mandado para a prisão por uma acusação bastante pública de porte ilegal de armas, que ajudou a criar o buzz em torno do disco. Basicamente, Paper Trail foi a confluência perfeita de fatores para criar um disco perfeito de T.I. e fazer com que tivesse sucesso. Mas ele meio que também preparou T.I. para entrar em sua fase atual, com um sucesso que resultou de servir propositalmente a um público pop, em vez de fazer o resto do mundo dobrar-se ao seu som, como ele fizera com o hit monstro de King, “What You Know”. E daí ele foi para a cadeia.

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Ao sair da cadeia, em 2009, e desde então ser preso uma segunda vez por violar a condicional, em 2010, T.I. teve dificuldade para recriar o mesmo tipo de buzz que o cercava antes de ser preso, e nenhum de seus dois últimos discos, No Mercy e Trouble Man: Heavy Is the Head, acabou gerando muita atenção: poucos foram os singles tocados nas rádios e os elogios da crítica (embora ambos ainda assim tenham vendido mais de meio milhão de cópias). Se a ascensão de T.I. ao posto de Rei do Sul foi conseguida através da voracidade e da energia incansável de um chefe guerreiro imperialista, seu reinado como Rei do Sul tem sido mais tranquilo e gentil. Uma das qualidades centrais de T.I. durante os primeiros anos da carreira foi o seu temperamento, que era de pavio curto, cruel, e várias vezes desprovido de bom senso. T.I. se viu metido em conflitos de grande destaque público, com artistas como Lil' Flip e Shawty Lo, e a tensão central de sua carreira sempre foi se conseguiria se manter longe de encrencas. Uma matéria de capa da Vibe em 2006 observou que "enquanto crescem as oportunidades de carreira, seu pavio curto continua a ameaçar tudo o que ele já conquistou", e que "se você passar algum tempo com o cara, vai perceber que perder o controle talvez seja uma das coisas que ele faz melhor" (e também menciona que o termo dele para perder o controle é "nuttin' up", "pirar", o que é um ótimo exemplo de como T.I. costuma falar). Em uma entrevista de 2007, para o site The YBF, T.I. comentou sobre se era provável que ele algum dia fizesse um reality show: "meu pavio é curto pra caralho. Tipo… sinistro. Tô te dizendo que isso não é para a TV".

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Parte dessa atitude vinha do sentimento constante de T.I. de que, como ele sugere, nunca houve muita garantia de segurança. Em 2006, logo depois que ele lançou King, seu melhor amigo, Philant Johnson, foi assassinado, dando início ao que T.I. descreve como uma fase atormentada, na qual ele não sabia como lidar com a própria tristeza pela morte do amigo. Hoje, o rapper está mais sossegado e sereno, uma figura mais bem-acabada, mais "de família". Ele é um pai na televisão, e a imagem definidora da preparação para o lançamento de seu novo disco, que acabou de sair, não é a dele falando de um jeito durão com Young Thug em "About the Money", mas sim dele bebericando um chá com Caco, o sapo dos Muppets e conversando com as mulheres do The View (não que eu tenha algum problema com isso). Claro que ainda há lampejos da antiga fúria – um incidente em que ele tentou brigar com Floyd Mayweather, a vez que humilhou cruelmente Azealia Banks no Instagram, quando se referiu a ela como uma “musty-mouthed-thot-bot-bad-body-syphillis-lipped-rectum-vomit-unimportant-ugggggly-monstrosity-of-a-maggot-ass BIIIIITCH” (algo como "robô-piranha de boca fedida e corpo escroto com beiça cheia sífilis que vomita pelo cu, insignificante, mocreia, monstra nascida de pedacinhos de merda e VACA") – mas T.I. é, no geral, uma presença mais calma e magnânima agora. Ele fala com o mesmo sotaque sulista carregado de sempre, e seu discurso é cheio de expressões coloquiais – "vixe", "se fazer de leitão para poder mamar deitado", "não vale nem um montinho de feijão" –, coisas que indicam que ele provavelmente se daria muito bem com os seus pais.

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Embora essa persona com certeza fique bem na TV e, presume-se, seja apropriada para uma vida mais tranquila, não é tão claro o peso que tem sobre a música de T.I. Paperwork é um disco desigual, que chega a ser constrangedor em alguns pontos – a remoção de pelos pubianos é um tema do single "No Mediocre", que faz jus ao título, no sentido em que não chega a alcançar sequer o patamar da mediocridade, e a faixa com participação de Chris Brown, "Private Show", tem mais chances de matar o clima do que de criar um. Mas este é um disco de T.I. guiado pela mão mestra do alto sacerdote do hip-hop, Pharrell – o som é bom, estando situado na mesma região de Paper Trail, de hip-hop de estilo sulista, mas amplamente popular, e se esforçando para realçar acima de tudo o lirismo de Tip. Dentre os discos de T.I., esse talvez seja o que mais agrade os tradicionalistas do rap. "G Shit" faz pensar em T.I. incorporando Snoop Dogg com grande sucesso, e "New National Anthem" é um momento surpreendentemente cativante de sinceridade política. "Just Fuel" faz lembrar o T.I. de King ou Trap Muzik, e ainda conta com a participação de Boosie. Mas é “Let Your Heart Go (Break My Soul)” que talvez nos dê a melhor ideia de quem é T.I. em 2014, com seus discursos improvisados, que parecem sinceros, um pouco céticos, e desprovidos de dissimulação. Num certo momento dessa música, ele encoraja o público a "cantar; por dentro, nego, você ainda é durão!" ("sing; on the inside, nigga, you still tough!"). Este é T.I. agora: sem medo de ser um pouco brega, sem medo de mandar a real, coisa que o torna ainda mais imperial.

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Noisey: Como você conseguiu trazer o Young Thug para participar de "About the Money"?
T.I.: O meu sócio Peewee Roscoe, que foi o contato com o Young Thug, vinha me falando dele. Depois de "Stoner" e de "Danny Glover", eu disse pra ele: "cês vêm aqui no estúdio e vamos ver o que a gente faz". Ele apareceu um dia lá, entramos no estúdio e fizemos "About the Money" em 30 minutos. E a gente continua gravando. Hoje temos umas 12 ou 14 faixas. Foi isso o que me fez respeitar aquela geração. O Thug me trouxe o PeeWee Longway. Daí eu conheci o pessoal do Migos. Com base em "Versace", nunca achei de verdade que eles sabiam fazer rap. Mas conhecendo eles pessoalmente e tendo essa experiência com os caras, e vendo que, mesmo sendo diferentes do que nós fizemos, ainda assim existe uma quantidade adequada de habilidades e talento artístico envolvidos.

Todo mundo diz que o Migos é fogo de palha, mas quando você os conhece, fica evidente que eles sabem o que estão fazendo.
Isso aí é se fazer de leitão pra poder mamar deitado, como dizem. E o Rich Homie Quan, acho eu, provavelmente é um dos rappers mais refinados, mais seguros de si que tem por aí. Ele equilibra a nova escola com um pouquinho das paradas clássicas também.

Acho que a geração mais jovem de rappers com certeza ficou se perguntando por um tempo o que, digamos, você ou Jeezy achavam das músicas deles.
O lance comigo e com o Young Jeezy é que a maioria desses caras mais novos saiu de debaixo da asa do Gucci. E, é claro, você sabe que ninguém mexe com ele. Porque ele tem, tipo, uma boca fora de controle. E essa associação de início fez com que as pessoas ficassem meio que afastadas. Mas o tempo foi passando e, como os humanos sempre deveriam fazer, nós percebemos que não podemos culpar uma pessoa pelas ações da outra. Você tem que realmente julgá-las com base no mérito próprio.

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Qual você considera que seja o seu papel em Atlanta? Você ainda se vê –
Eu sou o rei.

Eu sou o rei, mas de maneira respeitosa. Não sou um rei que vai sair por aí abusando da autoridade por alguma coisa irrelevante, sem motivo. Não sou tirano.

Um rei benevolente.
Isso, sou um rei benevolente. Um homem do povo. Acho que eu e Jeezy, da nova escola mais antiga, ou da velha escola mais nova, acho que eu e ele provavelmente somos os velhos estadistas. E tenho que colocar o Rocko nessa lista também. Acho que somos nós os que provavelmente são capazes de mover montanhas, se necessário, daquela época. Nós três juntos, a gente vai até o fundo. E também Killer Mike. Não posso tirar o crédito do Killer Mike. Tenho muito orgulho de Run the Jewels, aquele disco que lançaram. Acho que deve ser uma das misturas de backpack e de paradas de rua, underground, mais coesas que existem. Acho que deve ser a transição mais suave de um mundo para o outro.

Como o fato de ser pai muda a sua perspectiva?
Para mim a paternidade é a única coisa que você ama e nunca consegue aprender 100%. É algo que você pode praticar todos os dias da sua vida, se esforçar, ser completamente dedicado e apaixonado. Mas nunca domina, porque é uma coisa que está sempre mudando. É preciso sempre reiniciar, atualizar os sistemas, e basicamente permanecer aclimatado e em dia com o que acontece. E daí, se você tem vários filhos, bem, vixe, precisa ser um certo tipo de pai para este, um outro tipo de pai para aquele, porque cada um tem suas forças e fraquezas diferentes, diferentes ambições, a maneira de aplicar as habilidades é sempre diferente.

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E assim que você acha que entendeu tudo, eles entram em outra fase da vida. Você está acostumado a acordar no meio da noite, e dar de comer, e trocar fraldas, e dar chupeta, essas coisas todas, daí beleza, é hora de ensinar como usar a privada. Daí começam a nascer os dentes. Então eles começam a falar. Você precisa botar proteções nas escadas, e impedir que eles fiquem se enfiando na tomada e tal. E quando já dominou isso, é época da creche. Precisa botar a criança para dormir na hora certa, levantar na hora certa, prestar atenção. E depois disso é o jardim de infância. E aí a primeira série. Agora não tem mais sonequinhas. Toda vez que você acha que entendeu tudo, alguma coisa nova acontece.

Então é uma evolução constante, e você tem que continuar a se manter envolvido, focado, atento, presente. Não existe "o melhor". Barack Obama é o presidente dos Estados Unidos, e olha o que falam do pai dele.

Quais coisas que os seus filhos gostam hoje que deixam você muito perplexo ou fazem você se sentir velho?
Cara, Domani provavelmente seria o exemplo mais próximo disso agora. Ele é o Andre 3000 da família. Ele é eclético, extrovertido, tem ousadia de ser diferente e é artístico em todos os sentidos, das artes visuais até a música. Domani disse que ele queria ir para o colégio aprender telecinésia. Ele falou: "você sabia que a gente só usa 2% do cérebro? Eu quero acessar a outra parte". Eu disse: "escuta. Você tá viajando, cara". Ele usa roupas com padrões xadrez, e de bolinhas, oncinha e zebra. É esquisito, cara. Ele é bem estilo Odd Future. Tem 13 anos. Está pra soltar uma mixtape. Ele refez "About the Money", chamou de "If It Ain't About Domani".

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Como tem sido trabalhar com o Pharrell?
Cara, para mim o Pharrel, ele faz essas porras de gangsta tão bem quanto faz coisas dum nível acima. Vou te dar um exemplo. "Drop It Like It's Hot" foi como algo que a gente nunca tinha ouvido antes. Simplista, mas ainda assim sofisticada. Tinha uns sons muito do hip-hop das antigas, e depois uns sons de um hip-hop novo. Foi uma mescla, e funcionou. O mesmo vale para "Feds Watching", aquela música do 2 Chainz que o Pharrell fez. Aquilo, pra mim, foi revolucionário. O som da gravação, sinto que foi uma maneira muito, muito intelectual de apresentar uma gravação do 2 Chainz. Então sinto que é o melhor trabalho que apresentei, com Pharrell me dando asas e eu dando a ele uma âncora, um chão; é o melhor de dois mundos.

O que você acha que o T.I. de 19 anos, de I'm Serious, acharia do T.I. atual?
Acho que o T.I. jovem, ele olharia para mim agora e diria "você envelheceu". E acho que eu olharia para ele e diria "é, mas eu com certeza enriqueci, né".

Então os dois se parecem muito?
Eu com certeza era uma versão mais extrema disso. Por mais que as pessoas digam que me meto em muita encrenca, certamente estou mais sereno e conservador, se comparado ao que era entre os 15 e os 25 anos. Comparado com aquela época, hoje sou um bibliotecário.

Como você era na época do colégio?
Eu era um espertinho. Era extremamente esperto e inteligente. Sacava as coisas, só não queria fazer o esforço. Era daqueles que os outros acham que não entende as coisas só porque não está prestando atenção. Daí eu vou lá e dou a resposta certa. Fui chamado para a sala do orientador ali pela nona série, porque em um semestre eu tirei dois conceitos A e Fs em todo o resto. Os dois As que tirei foram em álgebra e redação. Minha professora de redação, ela sabia que eu era um rapper, então sempre encontrou maneiras de aplicar os lances da redação a como eu poderia usá-los para beneficiar aquilo que era minha paixão. Então eu prestava atenção, e fazia o esforço, porque ela relacionava com os meus interesses. E matemática, bom, sempre gostei de números. Ficava inventando problemas de matemática na minha cabeça. Se a gente está tentando descobrir o quanto que é 20% de 720, eu já sei quanto é.

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Estou tentando fazer a conta na minha cabeça agora.
Cento e quarenta e quatro.

Uma coisa da qual você sempre fala é o seu temperamento. Eu estava lendo uma entrevista sua, de 2007, em que alguém perguntou se você algum dia faria um reality show, e você respondeu que não deixaria as câmeras entrarem na sua casa, porque o seu temperamento era esquentado demais. Hoje você já fez dois reality shows.
Obviamente, eu mudei. Mas, naquela época, essa era a verdade absoluta. Antes da prisão, eu era muito temperamental, muito hostil, e simplesmente agressivo demais. E armado até os dentes. Então acho que, às vezes, se você me visse pegar uma pistola e correr para a rua porque recebi uma visita indesejada, isso não necessariamente ficaria bem na televisão, mas naquela época era assim que eu estava vivendo.

Mas com certeza eu mudei. Cento e oitenta graus. Não tenho mais arma. E não recebo mais tantas visitas indesejadas. Quero dizer, as pessoas aparecem, tiram fotos, e fazem aquelas coisas todas. Sabe o quê? Vou te contar um caso. Um cara chegou e simplesmente entrou na minha casa. Pulou o portão. Eu não estava lá. Minha irmã estava. Ele falou: "ei, quero conhecer o T.I.!". E ela: "é melhor você rapar fora daqui!", e ela pôs ele pra fora e ligou pra mim. Eu disse: "sabe, você deveria ter convidado ele para sentar e oferecido um chá. E dito que eu não demorava".

Mas sim, cara, acho que a vida tem essa manha de mudar as pessoas. A vida é uma evolução constante, uma série de ajustes. E quando você para de crescer, começa a morrer. Então, se eu tivesse continuado o mesmo que era antigamente, teria parado de viver. Não tem mais vida, porque a evolução cessou e desistiu. Não acho que isso é saudável, não acho que é realista, não acho que é humano. Eu com certeza progredi.

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Conte algumas das estratégias que você aprendeu para administrar a raiva.
Simplesmente meio que abro mão. Antes eu meio que vestia a raiva, eu a adotava. Depois que o Phil morreu, fiquei extremamente furioso. Passei de estar extremamente feliz e satisfeito com a minha existência, e com as coisas que eu tinha conseguido realizar, e meio que vivendo no momento, aquilo de "cheguei lá", e de "estou realizando o meu sonho". E daí o Phil morreu, e eu peguei e disse "foda-se esse sonho. Essa merda é um lobo em pele de cordeiro. Não é tão bom quanto eu pensava que era. Todo mundo me conhece. Eu não conheço ninguém. Todo mundo sabe quando eu devo comparecer, quando vou aparecer em algum lugar. Está todo mundo atrás de mim". Fiquei paranoico, furioso, ressentido.

Acho que quando me prenderam foi o início do processo de abrir mão. Agora, só fico furioso quando chega em mim alguma coisa que me faz ficar furioso. Agora é "bom dia!". E não "porra de luz do sol! Foda-se o sol! Tá quente demais! Tem alguém pegando câncer de pele nesse minuto!". Acho que hoje tento aplicar o máximo de otimismo à vida, e ser o mais realista que posso diante do yin e yang do universo. Vai ser ruim, e você vai ter que suportar o ruim, e é isso o que faz você dar valor ao que é bom. A dor é o que nos informa que estamos vivos. Em vez de esperar que a vida não traga dor, você se prepara para a dor. O seu último momento de dor, toda a adversidade, prepararam você para a próxima fase de adversidades. E, nos intervalos, os seus momentos felizes, você dá valor a eles, porque teve momentos de adversidade. E tento olhar para a coisa dessa maneira.

Naquela época acho que não cheguei a sentir o luto de verdade. Eu estava muito anestesiado. As merdas meio que se acumularam lá dentro, e começaram a infecionar. Começou a virar uma força parasita. Ela se alimenta do resto de você, porque é uma parte muito grande de você. É uma gangrena interna. E eu simplesmente abro mão, cara.

Você sente que isso transparece na sua música?
Sempre transpareceu. Acho que hoje tem mais lógica, tem mais sentido. Acho que tem mais experiência de vida, mais sabedoria, e mais realidade empírica. Pego aquilo que era o normal pra mim, tudo pelo que passei, e tento misturar com "mas você sabe que isso não é realista, né?". Tipo, por exemplo, eu dei meu primeiro tiro aos 12 anos de idade. Certo, a maioria dos americanos nunca deu um tiro. E talvez 40% nunca chegou sequer a ouvir um tiro. E 35% têm medo de armas e pronto. Então você tem que aplicar isso à sua lógica. Não posso simplesmente supor que, porque certas coisas são muito normais para mim, elas são também para o resto do mundo. Só porque estive em trocas de tiros desde os 16 anos, não quer dizer que o resto do mundo compreende esse tipo de comportamento.

Você precisa dar um passo atrás. É como alguém que foi para a guerra. Eles foram lá e passaram pela experiência do Afeganistão, e quando voltam têm que conservar a experiência, mas não podem aplicar essas experiências ao resto do mundo, porque o ambiente deles – ele não se aplica. Não está acontecendo. Mas até que compreendam isso, ficam andando por aí, parecendo loucos. Eles só ficam por aí, prontos para algo que não vai acontecer. Acho que foi isso que Erykah Badu quis dizer com "Bag Lady". Você está levando uma carga que é desnecessária. Precisa abrir mão dela. Não tem ninguém que vai entrar aqui correndo e apontar uma arma na minha cara, então por que eu ficaria sentado aqui pronto para a guerra? E acho que reconhecer isso é o que me permite relaxar.

A gente não necessariamente reconhece que, quando se cresce num ambiente desses, você vai ter –
Síndrome de stress pós-traumático. Com certeza fui diagnosticado com síndrome de stress pós-traumático, e alguma ansiedade. Eu sou doente disso. Eu sei desse fato sobre mim mesmo, e tento fazer um trabalho interior.

Kyle Kramer é um editor do Noisey. Siga Kyle Kramer no Twitter.

Jason Bergman é um fotógrafo que vive em Nova York. Siga Jason Bergman no Instagram.

Tradução: Marcio Stockler