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Música

O Disco Novo da Björk, ‘Vulnicura’, Parece o Bill Murray, o que É Maneiro

Assim como quando os olhos azul-cinzentos e o rosto amarrotado de Bill Murray de algum jeito expressam 42 emoções ao mesmo tempo, a Björk te entende.

Muita gente tem histórias da Björk para contar. Não do tipo "eu a vi num show em Nova York e foi fantástico", estou me referindo a histórias pessoais, do tipo "eu a vi em um mercado de peixes em Reykjavik e foi fantástico". Sempre penso nela como o Bill Murray da indústria musical – o que é um elogio muito maior a Bill do que é a Björk. Contudo, as histórias que ouvi a respeito dela diferem das histórias sobre Bill em um aspecto importante: duvido que, quando a Björk te dá um beijo e canta no seu aniversário de 27 anos, ou quando você percebe que está dançando pertinho dela na Electrowerkz, boate decadente de Londres nos anos 90, ou quando ela espontaneamente prepara para você uma bandeja de sobremesas contendo iogurte, doces e barras de chocolate depois que você acabou de entrevistá-la (tudo isso aconteceu a conhecidos meus), duvido que ela faça essas coisas pensando: "isso vai ser uma memória tão boa para essa pessoa, e totalmente vai reforçar a percepção que o público tem de mim como uma pessoa *pitoresca*". Ao passo que, quando Bill sussurra em seu ouvido em uma rua de Nova York, ou passa a noite com você, te apresentando a desconhecidos com um nome que não é o seu (casos igualmente verídicos), existe um grau de consciência, uma piscadela marota. Dito isso, Björk e Bill são artistas muito queridos que existem e funcionam dentro do sistema, mas que não interagem com ele do modo costumeiro. É quase como se eles pairassem numa outra dimensão, à qual nos autorizam a entrada quando bem entendem.

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No dia 20 de janeiro, Björk lançou seu nono disco de estúdio, Vulnicura. Que título. Não consegui achar uma definição nos dicionários, mas a palavra soa decididamente feminina, e suponho que, numa época em que o feminismo não é só uma ideia abstrata, seja uma tendência que realmente se pode usar para vender coisas – é bastante oportuno. Mas Björk não está participando de reuniões com a gravadora para discutir como vender seu próximo lançamento. Não creio que ela esteja examinando os rostos de figuras históricas envolvidos por cabos pretos de Madonna e pensando: "será que adoto esse tipo de tática?". Não creio que ela tenha táticas. Acredito que ela trabalha no que tem vontade de trabalhar, e simplesmente faz o que lhe parece bom. O que deve ser uma atitude incrivelmente difícil de manter, depois de nove discos e uma relação funcional com a indústria da música que remonta ao ano de 1977. Se existe alguém que desfruta de liberdade criativa, esse alguém é ela.

Mas, voltando ao Vulnicura, um disco de rompimento que deveria vir com o aviso: "ao ouvir este disco, você sentirá cada uma das duras facadas de solidão e dor trazidas pelo fim de um relacionamento". Em "Lino Song", Björk espera que a pessoa que ela ama "come out of this loving me" ("saia desse negócio de me amar"), o que por si já é devastador, mas na verdade Björk está no seu auge em matéria de quebrar corações quando reflete sobre ideias mais filosóficas. A primeira faixa, "Stone Milket", nos apresenta às cordas que ela usa em várias músicas do disco. Elas são as personagens recorrentes, lindas e agourentas, se entrelaçando dentro e em volta umas das outras, acompanhadas por batidas econômicas, uma pitada de perdição. Dá pra sentir a vida se esvaindo do seu corpo gota a gota ao ouvir ela cantando: “Moments of clarity are so rare / I better document this.” ("Momentos de clareza são tão raros / Melhor eu registrar esse aqui."). Você sente que está vivendo uma montagem ainda não roteirizada de filme do Bill Murray: vê seus pais morrerem, depois está no casamento da sua filha, depois segurando a mão de um neto, e depois seu rosto está velho e grisalho. E simultaneamente a isso tudo, Bill está sentado no cume de uma montanha inacreditavelmente íngreme, numa cadeira roxa, enquanto o vento ergue os cabelos dele e ele ri e chora da sua cara. Ao mesmo tempo, porém, essa música poderia ser sobre como todos somos viciados em nossos celulares, e nunca paramos de documentar tudo o que acontece. É por isso que a Björk é tão maravilhosa: é uma coisa assim como é outra também.

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Às vezes, Björk conversa contigo sobre sexo. Ela está fazendo isso nesse instante, embora, na verdade, seja sobre sexo e morte, porque os dois dançam em par, e em seu tango a distância entre os dois se reduz a quase nada. Por exemplo, "History of Touches", em que ela canta docemente sobre como gostaria de te acordar e fazer amor com você, porque ela teve uma sensação de que essa talvez seria a última vez que vocês fariam sexo um com o outro, porque para todo mundo há uma última vez, uma última vez com uma pessoa específica, é claro, mas também uma última vez para você. E ela está segurando a sua mão e cantando: “Sensing all the moments we've been together / Being here at the same time / Every single touch / Every single fuck we had together.” ("Sentindo todos os momentos que compartilhamos / Aqui presentes ao mesmo tempo / Cada toque, todos eles / Cada vez que fodemos eu e você.") E você fica concordando com a cabeça, porque isso é tão verdadeiro, e também uma coisa que talvez você não tivesse percebido plenamente até agora, e você mais uma vez lembra de porque ama tanto a Björk. Ela canta todas essas coisas por cima de batidas que tremem violentamente, e nessa ocasião ela não convidou os violoncelistas e os violinistas para entrar no quarto – ali só estão você e ela, um sintetizador sibilante, e algumas meditações sexy e melancólicas.

Björk não se limita a relacionamentos e Ideias Abstratas. Às vezes ela só quer te horrorizar mesmo. "Not Get" é desconfortável e difícil, mas "Family" vai ainda além. É um filme de horror intenso, de esbugalhar os olhos e fazer cair o queixo em terror mudo. Björk está realmente nos assustando. Com as cordas cortantes, bipes irritantes e baques arrepiantes, ela está no sótão da sua casa, batendo em alguma coisa, cortando alguma coisa, e você não faz a menor ideia de que diabos é a coisa. Ela está cantando, mas de um jeito dissonante, e continua aumentando o volume, e de repente tudo fica, ah, tão quieto. "Family" é perturbadora e ainda assim tão linda – essa combinação, um equilibrismo tão björkiano, aqui atingindo seu auge. "There is a swarm of sound” ("Há um enxame de sons"), ela canta, e depois iodeleia até o teto. É como ver a sua família inteira morrer, e depois assistir ao nascer do sol mais deslumbrante do mundo.

Depois dessa, vem uma música que areja o ambiente, "Atom Dance", um dueto com Antony Hegarty contra o fundo de um trecho introdutório de cordas dedilhadas. Os dois saltam um por cima do outro, enchendo seus ouvidos de emoções: é a glória. Pela primeira vez você sente a esperança de que essa mágoa e essa ânsia vão arrefecer. Isso é reforçado pela última faixa do disco, "Quicksand", com sua energia irrequieta, tensa, nervosa. As batidas borboleteiam em alta velocidade, e a cordas dão voltas e voltas, um refrão repetido que continua para muito além dos vocais e da bateria. Embora ela esteja passando para outra, vai levar tempo: “Our mother's philosophy / It feels like quicksand / And if she sinks / I'm going down with her.” ("A filosofia da nossa mãe /A sensação é de areia movediça / E se ela afundar / Vou para o fundo junto com ela"). Björk está olhando fundo nos seus olhos, acariciando seu rosto, e te dizendo aquilo que você sempre soube, sempre sentiu, mas talvez jamais tenha articulado: “When I'm broken I am whole / And when I'm whole I am broken.” ("Quando estou aos pedaços, estou inteira / E quando estou inteira, estou aos pedaços.) Assim como quando os olhos azul-cinzentos e o rosto amarrotado de Bill Murray de algum jeito expressam 42 emoções ao mesmo tempo, a Björk te entende, porra, te entende, e Vulnicura é a única grande tristeza pela qual você vai desejar passar mais de uma vez.

Elizabeth Sankey escreve sempre no Noisey e é a vocalista da Summer Camp. Ela está no Twitter.

Tradução: Marcio Stockler