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Música

O feminismo de MC Carol não chega na vizinhança do Morro do Preventório

Alçada a ícone feminista, a funkeira nascida numa comunidade em Niterói até pouco tempo não sabia o significado do termo. Hoje, com ajuda dazamiga, ela se inteira sobre o assunto e prepara seu primeiro disco.

MC Carol. Todas as fotos por Guilherme Santana.

A MC Carol nunca tinha ouvido falar em feminismo. Pelo menos até começar a ser “avisada” por seus fãs sobre sua militância quase que orgânica — e os avisos começaram a rolar especialmente após a MC sair do reality show Lucky Ladies, exibido em 2015 pelo canal a cabo Fox Life. Desde então, ela abraçou a causa e agora prepara o lançamento de uma nova música, “100% Feminista”, que deve integrar seu primeiro disco com previsão pra ser lançado ainda no primeiro semestre de 2016.

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Criada no Morro do Preventório, comunidade de Niterói, no Rio de Janeiro, Carolina Lourenço, 22, contou que no lugar onde nasceu e cresceu a palavra e o conceito do feminismo — assim como outros direitos básicos — praticamente inexistem. “Ninguém sabe o que é feminismo na minha comunidade. Os meus amigos sabem que eu sou uma ‘mulher homem’, uma mulher forte”, disse ela momentos antes de participar de um debate no Sesc Santo André com a presença da filósofa Djamilla Ribeiro, na última quarta-feira (09).

Carol não faz ideia de quem é Simone de Beauvoir, Betty Friedan ou Bell Hooks, algumas das pensadoras mais famosas das teorias de gênero, mas ainda assim percebeu que deveria se impor para ter respeito na vizinhança, sobretudo ao ir morar sozinha aos 14 anos e perambular de madrugada pelas ruas. “Na minha comunidade, uma mulher forte que não quer depender do marido, ser independente e que não aceita levar porrada é vista como sapatão”, contou. Com medo de sofrer violência sexual, por exemplo, Carol disse que uma época da vida só usava camisetas largas para “esconder os peitos, essas coisas”.

Ser questionadora é a explicação da cantora para sua emancipação assim como não ter aceitado ser uma subalterna e muito menos objetificada por ninguém — maneira que as mulheres costumam ser retratadas no funk. “Ao ser classificada como feminista pelas pessoas que vinham tirar foto com ela, Carol se sentiu acolhida por algo que foi a vida inteira, mas não sabia que tinha esse rótulo”, contou a amiga, produtora e assessora Ana Paula Paulino.

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Ana Paula, inclusive, é uma espécie de tira-dúvidas oficial para todos os assuntos que Carol tenha dúvidas. Perguntei para a funkeira como ela compunha o “eu lírico” de algumas das suas canções, se era boa na aula de literatura da escola e se considerava-se anarquista. Nestas três ocasiões, Carol virou o corpo e questionou: “Ana, o que é isso?”. Conceitos explicados, as respostas vieram: o “eu lírico” é inspirado nas colegas do Preventório e em casos da própria família, Literatura ela não teve porque estudou até a oitava série e não é anarquista especificamente, mas odeia todos os políticos. “Esse país não tinha nem que ter presidente”, diz ela.

Ana Paula Paulino

Carol Bandida, nome aos poucos deixado de lado, tem também a ajuda de outras amigas para se inteirar sobre as demandas do feminismo e do movimento negro. A inclusão de Dandara na letra do funk cultNão Foi Cabral”, por exemplo, é sugestão de uma das produtoras de Lucky Ladies. “Ela me falou, pesquisei mais a fundo no Google e achei até sobre Aqualtune, avó de Zumbi, que tinha sido princesa na África e foi escravizada aqui no Brasil”, contou.

Além do já clássico “Meu Namorado É Maior Otário”, outro exemplo do feminismo até então inconsciente de Carol é “Largar de Barriga”, história de uma garota que clama ao parceiro para não ser deixada sozinha e grávida. “Eu ficava me botando no lugar das meninas da minha escola e pensava ‘eu já estou na merda, moro no morro, não tenho nada e imagina com filho?’, disse.

Ao se comparar com tantas outras meninas da comunidade, Carol contabilizou que o provável, agora aos 22 anos, era para estar em casa cuidando de três rebentos, talvez um de cada pai. MC Carol, no entanto, fugiu à regra. Faz a média de dez shows por mês — com direito até a participação especial no Lollapalooza e citação de Diplo no Twitter. “Você acha que sua música inspira outras meninas?”, questionei Carol que humildona fechou a entrevista com um curto e grosso: “Eu não tenho noção disso”.

Camilla Feltrin também quer a 12 de Jorginho emprestada e está no Twitter.

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