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Música

Mastodon enfrenta tragédias e demônios em seu disco mais emocional

Em seu novo álbum, ‘Emperor of Sand’, a banda reúne os principais elementos dos 17 anos de carreira da banda de Atlanta.

Foto: Jimmy Hubbard/Divulgação.

Criado em 2000, o Mastodon talvez seja a banda de metal mais significativa do século XXI. E não é para menos, já que os quatro primeiros discos do quarteto de Atlanta, lançados entre 2002 e 2009, são também alguns dos melhores trabalhos do estilo nas últimas décadas.

Após estourar de vez com o épico Crack the Skye (2009), a banda parece ter ficado um pouco receosa sobre qual caminho tomar nos trabalhos seguintes, The Hunter (2011) e Once More Round the Sun (2014), que são competentes e trazem boas ideias, mas parecem mais álbuns de transição.

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E é justamente aí que entra o recém-lançado Emperor of the Sand, sétimo disco de estúdio do Mastodon e o que parece chegar mais perto de combinar de maneira concreta tudo que a banda já lançou nessas quase duas décadas de carreira.

Provavelmente o trabalho mais emocional do grupo, o álbum foi inspirado diretamente pelos casos de câncer que afetaram familiares de três dos quatro integrantes da banda nos últimos anos: o guitarrista Bill Kelliher perdeu a mãe por decorrência de um câncer no cérebro, enquanto que o baixista e vocalista Troy Sanders viu a mulher enfrentar um câncer de mama e o baterista e vocalista Brann Dailor acompanhou a mãe durante um tratamento de quimioterapia em uma longa batalha contra a doença.

Na entrevista abaixo, Kelliher fala sobre como essas tragédias todas influenciaram Emperor of Sand, explica como é escrever músicas mais pop, lembra dos primeiros shows da banda no Brasil, em 2015, e fala sobre como parar de beber o ajudou a escrever mais, entre outras coisas.

Esse é o primeiro disco conceitual da banda desde o Crack the Skye . Pensa que é possível estabelecer algumas conexões entre os discos? Além desse lance conceitual, vocês também trouxeram o Brendan O'Brien (que produziu o CtS) de volta como produtor e temos ainda o fato de que ambos os álbuns foram feitos durante épocas turbulentas para a banda.
Sim. Com o Crack the Skye, foi a primeira vez em que pegamos uma história da vida real. Bem, não exatamente uma história, mas transformamos um fato triste da vida real, um acontecimento muito pessoal em música, com letras, a parte visual e tudo mais. Não foi algo literal sobre o suicídio da irmã do Brann, mas definitivamente uma ode à memória dela. E começamos a ficar um pouco pessoais, com essas coisas da vida real e tudo mais, mas contadas por meio de uma outra história, com muitas metáforas, nas músicas.

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E eu sabia que esse disco (Emperor of Sand) também seria muito profundo por conta de todo o envolvimento do câncer nas nossas vidas. E isso realmente estava na mente de todos na época, quando todo mundo estava juntando letras e tudo mais. Escrevi a maior parte do disco, todos os riffs e essas coisas, no estúdio que fica no porão da minha casa. Comecei a escrever esse material logo após minha mãe ser diagnosticada com câncer no cérebro. Então foi difícil não ser uma jornada muito pessoal, sabe? Tudo isso se desgastou em mim. E todas as coisas que eu estava escrevendo eram muito obscuras, as anotações de cada música, apenas onde elas… Apenas uma justaposição entre as anotações, elas meio que tinham uma vibe realmente do mal e obscura. Meio que como sempre escrevemos, mas por alguma razão esse disco realmente trouxe isso à tona. E sobre usar o Brendan O'Brien, nós pensamos "Sabemos que será um disco épico; e se trouxermos o Brendan?". Porque ele realmente sabe o que estamos buscando. Ele sabe como conseguir a melhor performance de cada um de nós e como canalizar esse "som do Mastodon". Realmente, há algumas similaridades (entre os álbuns) porque esse disco… Sempre digo que nossos fãs possuem uma ligação muito emocional com as nossas músicas e letras. E senti que esse disco realmente falaria com as pessoas em um nível pessoal. Porque todo mundo é afetado pelo câncer, por mortes na família ou ter alguém próximo com uma doença terminal. E, para nós, cantar sobre isso é apenas a evolução para a banda a partir de onde o Crack the Skye parou emocionalmente. Vamos colocar desse jeito.

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E essas emoções todas voltam quando você ouve ou toca as músicas do novo álbum de novo? Quero dizer, esses sentimentos ficaram diretamente ligados às faixas?
Sim, com certeza. Há algumas músicas que liricamente com certeza me lembram… Porque o modo como escrevemos as letras é muito metafórico, o que as deixa abertas para interpretação. Então elas significam algo diferente para cada pessoa. Quando escuto uma música como "Roots Remain", por exemplo. Há partes nessa música que me lembram de ficar sentado com a minha mãe enquanto ela estava morrendo no hospital. A letra diz "beauty fades, death decays". Isso apenas me lembra do rosto dela mudando e ficando muito esquelético. Ela já tinha ido embora, na verdade. Mas o corpo dela ainda estava esperando para morrer. É algo muito pessoal. Porque quando ouço essas letras e toco essa música, isso é tudo em que penso. É uma doença terrível que mata as pessoas lentamente, não é uma morte rápida. Então para responder à pergunta: sim.

E vocês pensam em tocar o disco inteiro ao vivo? Na ordem em que foi lançado e tudo mais.
Ah, algum dia. Provavelmente não nesta próxima tour (a banda toca pelos EUA em abril com o Russian Circles e o Eagles of Death Metal). Mas adoraria fazer isso em algum momento. Meio que como fizemos com o Crack the Skye, quando tocamos o disco inteiro nos shows. Acho que é algo que pode ser feito, temos ensaiado para isso. Mas não tivemos muito tempo de ensaio entre a gravação, entrevistas e shows; as coisas tem andado meio loucas, estivemos muito ocupados ultimamente. Acho que vai acontecer algum dia, mas não em um futuro próximo.

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Além do Scott Kelly , que já é meio que um quinto membro do Mastodon por ter cantado em todos os seus discos desde o Leviathan (2004), o álbum novo também traz o Kevin Sharp (Brutal Truth, Venomous Concept), com quem você já tocou no Primate. Como aconteceu de chamar ele para cantar em "Andromeda"?
Bem, o Kevin e eu somos muito próximos. Melhores amigos, eu diria. Nos vemos todos os dias porque trabalhamos muito juntos, construindo casas e coisas desse tipo. Ele é um ótimo vocalista e eu queria encontrar um lugar para o Kevin no disco. Então eu pensei: "Essa parte é realmente louca e fora de controle, como um avião caindo". Por isso, imaginei que seria um ótimo trecho para o Kevin cantar porque ele tem um vocal impressionante e muito agressivo. E ele encaixou logo de cara e todos gostaram de como a música ficou. Foi algo legal de fazer.

Tem alguma música especificamente desafiadora no disco? Algo que tenha te marcado neste sentido? Talvez a "Jaguar God", que é um épico digno do Crack the Skye , com cerca de oito minutos de duração?
É, definitivamente a "Jaguar God". Essa foi uma música muito difícil de tocar e estamos tentando reaprendê-la. Essa faixa foi escrita no estúdio, então é meio difícil lembrar como tocá-la (risos). É uma daquelas músicas bem espontâneas que meio que apenas acontecem no estúdio. Mas há muitas coisas no disco. Estou sempre tentando desafiar o jeito como toco e a banda como um todo também. Porque você quer que cada disco fique melhor que o anterior. E, para isso, você precisa se desafiar, deixar as coisas um pouco mais difíceis, se arriscar. Sinto que todas as músicas tiveram algum tipo de desafio, seja com os vocais, com um solo de guitarra ou apenas o padrão de composição, alguns dos riffs. Cada uma das músicas do disco é desafiadora ao seu próprio modo.

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Desde o The Hunter (2011), vocês vem sempre colocando pelo menos uma música mais pop em cada disco, como "Curl of the Burl" e "Motherload". No álbum novo, esse posto ficou com a "Show Yourself", que talvez seja a faixa mais pop já feita pela banda e que, inclusive, começa logo no refrão. Houve alguma influência específica na hora de compor essa música? E vocês chegaram a ficar preocupados com uma possível reação negativa por parte dos fãs com isso?
Não. Quero dizer, no fundo da minha cabeça eu penso que as pessoas vão dizer coisas como "Ahh, essa música é muito grudenta e acessível". Eu não sei. Mas você não pode pensar em coisas desse tipo. Porque uma vez que você começa a tentar tocar para os seus fãs, é aí que você meio que se vende e desiste. É muito difícil tentar agradar todo mundo. Escrevemos músicas que achamos que soam legais para nós. É isso o que sempre fizemos e o que sempre dissemos. É apenas a maneira como a gente escreve. Apenas perguntamos "Isso soa legal para vocês? Vocês gostam disso? Está legal?". E se houver algo na música que a gente não goste, então não tocamos. Mas essa música em especial ("Show Yourself")… Quando a escrevemos, apenas nos sentimos muito bem com ela e dissemos "Ok, legal. É isso aí". Ela soa diferente, não parece com nenhuma outra música do disco. E nós meio que precisávamos disso, sabe? Nunca assinamos nada dizendo que vamos ser apenas uma banda de metal. Tocamos todo tipo de música e gostamos de todo tipo de música. Então quando chega a hora de compor, nós tendemos a sair um pouco fora da caixa e apenas tocamos o que queremos. É simples assim.

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Li em uma entrevista que você parou de beber recentemente. Isso te afetou diretamente em termos de tocar guitarra, compor e outras coisas relacionadas à banda?
Ah sim, com certeza. Não acordo mais de ressaca me sentindo uma merda e sem vontade de fazer qualquer coisa o dia todo. Quando você está em turnê, precisa levantar e ir tocar, fazer um bom show, fazer valer o ingresso que as pessoas pagaram para ver a sua banda. Não é justo com os fãs se você não estiver 100% todos os dias. Fiquei muito doente há alguns anos por beber muito e quase morri, fiquei no hospital. Não foi nada divertido. E precisei fazer uma escolha na minha vida: se ia continuar bebendo todos os dias ou se ia diminuir o ritmo e parar — e escolhi parar. E continuei vivendo de maneira saudável. E isso definitivamente afetou o meu cérebro. Comecei a compor muito mais, consegui ficar muito mais focado com a banda, comigo mesmo e com a minha família, e para fazer as coisas. E apenas me ajudou a escrever muito mais. Fiquei muito mais produtivo, com certeza.

Na série de documentários Metal Evolution , do Sam Dunn (Metal: A Headbanger's Journey ), vocês aparecem no episódio sobre metal progressivo juntamente com bandas como Tool, The Dillinger Escape Plan e Meshuggah. Por isso, querias saber se você sente alguma conexão em especial com essas bandas? Pensa que compartilham algo no modo como enxergam a música?
Bom, fico muito lisonjeado de sermos colocados próximos de bandas como Tool ou Meshuggah. Esses caras são muito originais, ótimas bandas. Não sei. Sinto que, como somos livres para tocar o tipo de música que quisermos, podemos ser rotulados de muitas maneiras diferentes. E progressivo é definitivamente uma delas. Porque é da natureza do progressivo poder mudar e continuar tocando a música que você gosta. E sempre explorar locais diferentes e ainda continuar sendo relevante. Bandas como o Rush, que eu adoro e respeito — acho eles incríveis; às vezes há uma linha fina entre ser progressivo de verdade e não "acessível" o bastante ou apenas entediante. É uma linha fina e difícil para caminhar. Com o Mastodon, felizmente nós conseguimos manter esse lance progressivo o máximo possível e continuamos um pouco diferentes, um pouco fora da curva. Quando alguém te chama de progressivo, é apenas que você está um pouco à frente de todo mundo. Você pega nomes como Slayer e AC/DC, por exemplo. São bandas fodas pra caralho, mas não são progressivas, elas não progridem, não vão realmente para algum lugar. Quando você compra um disco do Slayer, você sabe como vai soar. Com o Mastodon, você meio que nunca sabe, vai ser um pouco diferente.

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Na outra vez em que nos falamos, em 2013, discutimos a questão de compartilhamento ilegal de arquivos na Internet e você disse como entendia os dois lados da moeda e tudo mais. Por isso, queria saber o que sentiu quando o disco novo de vocês vazou algumas semanas antes do lançamento (a entrevista foi feita em 30 de março, na véspera do lançamento oficial de Emperor of the Sand ). Ficou frustrado com isso?
(Risos) Não, agora eu já meio que superei isso. Apenas porque não há nada que você possa realmente fazer. O lance é que o disco de todo mundo vaza e se o seu disco não vazar, então esse talvez também não seja um bom sinal (risos). Se ninguém liga para a sua música, então não vão tentar baixá-la ilegalmente. É algo bom e ruim. Não sei quem tem tempo ou se importa em baixar músicas ilegalmente e então repostá-las na Internet. Não sei por que ou qual o prazer que as pessoas têm ao fazer isso, já que apenas arruina a surpresa para os outros que querem ouvir a música pela primeira vez. É como se você estivesse acabando com o Natal. Você espia seus presentes e, enquanto seus pais estão embrulhando os presentes e os colocando na árvore, você finge que os está vendo pela primeira vez, o que não é verdade. Não sei. Vejo isso pelos dois lados. Fico feliz que as pessoas gostem o bastante da nossa banda para baixar nossas músicas ilegalmente, mas apenas espero que todo mundo compre o disco quando sair, porque é isso que você deve fazer.

Após alguns problemas em 2012, vocês finalmente puderam tocar no Brasil em 2015 — apesar de o show de São Paulo ter sido encerrado na metade por conta da forte chuva. Queria saber quais as suas lembranças desta primeira vez da banda por aqui, incluindo o show no Rock in Rio.
Bom, o Rock in Rio vai entrar para a história dos shows do Mastodon. Acho que eram 80 mil pessoas ou algo assim, algo totalmente insano. Foi ótimo, realmente incrível. Infelizmente há pessoas desonestas no mundo e algumas vezes em que tocamos na América do Sul nós tivemos alguns problemas, com shows sendo cancelados e os produtores sumindo e não pagando a banda. Foi meio que o que aconteceu em 2012, quando não pudemos fazer alguns shows por aí porque o produtor basicamente fodeu com tudo (risos). Então sempre penso que na América do Sul, fico um pouco preocupado. Ok, nós sabemos que os fãs e as pessoas aí gostam muito mesmo de música em geral. E adoramos ir até aí e fazer shows para os nossos fãs da América do Sul. Mas também sabemos que às vezes pode ser arriscado, você nunca sabe. É sempre uma aposta.

E há alguma chance de vocês voltarem em breve com uma tour pela América do Sul?
Penso que podemos ir em algum momento deste ano, mas não sei quando. Há tantos lugares para ir (risos). Acredite em mim, está no nosso radar, com certeza queremos tocar aí. Porque, como eu disse, os fãs são loucos, especialmente no Brasil. Adoramos tocar aí.

Falando nisso, vi em uma entrevista recente que, na primeira vez em que vieram para a América do Sul, em uma mini turnê com o Metallica, vocês foram confundidos com eles.
(Risos) É, exatamente. Foi estranho.

E como foi isso? As pessoas te paravam nos hotéis ou algo do tipo?
Basicamente em todos os lugares. Se íamos ao aeroporto, todo mundo parava o que estava fazendo e ia tirar fotos, pedir autógrafos. Era algo como "Vocês não sabem quem nós somos, vocês acham que somos o Metallica". Porque eles não sabiam mesmo quem era o Mastodon (risos). Foi muito interessante.

Essa é a última pergunta. Vocês já estão juntos há 17 anos. Qual o segredo para manter a banda junta e relativamente tranquila por tanto tempo, lançando discos periodicamente e tudo mais? E, quando começaram, imaginava que poderiam ficar juntos por tanto tempo, que essa seria a sua banda que iria durar mais?
Não (imaginava). E o segredo? Não sei qual o segredo. Acho que é apenas saber quando parar de fazer turnês. Porque às vezes você sai tanto em turnê, de uma maneira meio louca, que isso acaba te exaurindo. Algumas bandas saem fazendo turnês e mais turnês como loucas e então as pessoas começam a se irritar umas com as outras. Não é algo para todo mundo o tempo todo, ficar sempre em turnê, sempre tocando. E acho que nós quatro temos um objetivo em comum desde que começamos. Nós realmente não sabemos o que mais fazer com as nossas vidas. É isso, é o que fazemos, nós tocamos. Quando começamos, nós dissemos: "Ninguém pode sair fora até que todos saiam". Fizemos um pacto para ficarmos juntos o máximo possível. Então é basicamente como fazemos isso. Mas não, quando você começa como uma banda pequena, você não tem ideia de quanto tempo vocês vão ficar juntos, o quão bem-sucedido você será, nós não tínhamos ideia do que iria acontecer com a banda. Apenas ficávamos felizes em sair em turnê pelos EUA com a nossa pequena van e tocar para as pessoas. E era isso, de verdade. É que apenas tudo cresceu e virou essa banda enorme. Não é algo sobre o que jamais pensamos conscientemente.