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Música

O Tilda Flipers e o MNTH Querem Diluir as Estruturas Formais da Música

Agilizamos o streaming digital exclusivo da split-tape lo-fi e experimental que reúne os projetos do ex-7 Magníficoz Tomas Spicolli e o Luciano Valério, cabeça da Desmonta Discos.

O selo Bafoquente (subselo da Desmonta Discos) lançou, em cassete, um split do Tilda Flipers com o MNTH (lê-se “mantega”) na terceira edição da Feira Plana, que rolou no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo. Foram apenas 100 cópias vendidas junto com um pôster bonitão em serigrafia sobre papel jornal. Agora é a vez do Noisey disponibilizar para vocês o lançamento digital exclusivo deste refinado trampo que reúne dois caras das antigas do underground latino-americano. O Tilda Flipers é o projeto do argentino Tomas Spicolli, conhecido por sua atuação no conjunto 7 Magníficoz, que ficou uma cara aqui no Brasil bagunçando e tocando nos idos de 2004-05, e também por conta de seu icônico trabalho como criador de pôsteres para bandas de punk, reggae e eventos de skate desde o final dos anos 1980.

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O Tomas morou em São Paulo por seis anos e, nesse período, teve suas obras expostas em diversas galerias, como Choque Cultural, Polinésia e Logo. Já o MNTH é obra do Luciano Valério, atualmente à frente da Desmonta Discos e ex-integrante de bandas como Personal Choice e Sight For Sore Eyes. Desde 2006, o Luciano vem produzindo um tipo de música mais minucioso do que aquilo que costumava fazer em suas bandas punk/hc. Em 2006 ele começou, com o Acachapa, ao lado de seu irmão, o Guilherme Valério (HAB; M. Takara 3), a investir em composições mais experimentais e eletrônicas.

Essas aventuranças deram origem ao MNTH, que tem neste registro seu primeiro lançamento. As gravações são bem lo-fi, produzidas em casa, com participações do Guilherme Valério e do Rogério Martins (Hurtmold). Foi tudo masterizado pelo seixlacK e feito com um teclado Casio de criança que o Lu comprou de presente para a filha no Dia das Crianças. “Passei por alguns pedais e joguei tudo em ampli de guitarra. Por isso é meio distorcidão. Foi basicamente um teclado, uma SP 404 e um Kaos Pad. Tudo em um gravador Tascam. Não usei computador." Já os detalhes sobre o Tilda Flipers e outras paradas a respeito do trabalho do Tomas como artista visual vocês podem sacar na entrevista que o cara me concedeu a seguir:

Noisey: O Tilda Flipers tem uma forma de trabalhar bem mais experimental e livre do que suas bandas anteriores. Na real, nem sei se podemos chamar este projeto de banda. Do que se trata, exatamente?
Tomas Spicolli: Quando comecei com essa história toda era mais pra realmente estabelecer uma diferença desse negócio de estrutura de bandas. A ideia era não depender mais de uma estrutura fixa de pessoas e encarar mais esse outro lado, que no 7 Magníficoz já tinha, mais de experimentação com outros tipos de instrumentos e propostas de como se fazer música. Sair daquela coisa de baixo, bateria e guitarra, não só da formação fixa de uma banda convencional. No começo o Tilda Flipers era uma dupla, depois foram somando pessoas; dependendo da gravação tem diferentes formações, diferentes instrumentos. O Tilda usa todo tipo de instrumento pra fazer o som. Alguns que nós mesmos construímos e umas histórias de trabalhar a sonoridade mesmo, no detalhe. Nessa gravação em particular, do split em fita, tem duas pessoas, além de mim: Moro, nos teclados, baixo, bases, voz, eletrônicos; e Micka, voz. Foi feita nesse esquema, de usar bateria de teclado, samples, instrumentos eletrônicos, mais para esse lado.

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No Tilda Flipers então tudo nasce a partir de um esquema bem permissivo e ocasional?
A procura era conseguir chegar num tipo de esquema que fosse mais elástico. Que não tivesse padrões rígidos a serem seguidos. Nada sólido, duro, estabelecido. Porque daí fica mais difícil de desdobrar e conseguir fazer funcionar sem a presença física das pessoas envolvidas. Nesses dez anos que a gente vem tocando, já fizemos 12 discos e, se você ouvir comparando, cada um deles tem uma formação. Em alguns períodos os integrantes se repetem, depois tudo muda, e a mesma coisa acontece nos shows ao vivo: às vezes tem duas pessoas, às vezes tem cinco, seis. A ideia é realmente conseguir manter o espírito, independente da formação. Eu me considero mais um provocador da história. Faço essa função de provocar essas reuniões criativas. Nos últimos quatro anos em que estive de volta à Argentina, voltou a ficar mais sólida a estrutura. Então tem uma base de baixo e bateria estável, aí vamos modulando, tem uma parte de eletrônicos que também é praticamente fixa. Daí tem uns guitarristas que participam, teclados, e uma galera que nos últimos anos tem me acompanhado como uma banda, são cinco integrantes de novo. Mas nas gravações as coisas vão se alternando, tem música que tem todo mundo, outras não.

Não dava pra experimentar esse tipo de coisa dentro de uma banda com integrantes fixos? Qual é a barreira para isso?
Eu sou um artista muito inquieto, chegou uma hora que ficou difícil pra galera acompanhar meu ritmo. Acho que foi por isso que desencanei do formato. Assim eu vou fazendo tudo sozinho e, quando dá, a galera que está por perto participa. Se não tiver ninguém, faço do mesmo jeito. Numa hora eu achei que ia ficar mais dinâmico. Numa banda nem sempre as pessoas estão no mesmo ritmo o tempo todo.

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O conceito do Tilda Flipers se estende ou encontra ressonância no seu trabalho como artista gráfico/visual?
Tilda Fipers eu considero mais como uma entidade realmente. Acho que o meu trabalho gráfico/visual funciona em paralelo com o Tilda, e os dois dialogam, mas a minha criação particular é independente. O Tilda é o momento de interação com um grupo de pessoas. Mesmo sem a presença fixa dessas pessoas, a interação existe. Nas gravações tem pessoas que moram a dez mil quilômetros, mas participam dos discos também, enviando arquivos remotamente. Teve uma turnê na Espanha em que encontramos com uma galera com quem tocávamos há 15 anos, nos encontramos e fizemos a turnê todo mundo junto. Rola esse tipo de interação que eu acho muito estimulante.

Hoje em dia você acha que tem conseguido produzir uma sonoridade mais rica do que como integrante de uma banda de rock tradicional?
Acho que enriquece mais, com certeza. Na verdade o que me cansou nas bandas convencionais é que o negócio fica muito previsível uma hora, aquela coisa de repetir sempre uma música do mesmo jeito. O negócio estava ficando muito petrificado. Perde a vida, limita. Acho interessante provocar essa situação onde tudo pode acontecer. Eu costumo usar essas estruturas de som como uma proposta de riffs e tonalidades trabalhadas em conjunto em cima de tons, de formas abertas musicais, sabe? As composições são afetadas pela presença criativa espontânea das pessoas.

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Você está com algum outro projeto musical no momento?
Tem um outro projeto que se chama Sistema Sonido Saltamontes, que é a Micka e eu, que participou do Tilda. Nesse a gente dividiu os papeis, ela assumiu baixo e o vocal, que normalmente é o que eu faço no Tilda, e eu fico nos eletrônicos e no mixer. Num ponto se parece mais com os primeiros discos do Tilda, em que eu ficava muito mais fazendo sozinho, gravava tudo e depois tocava sozinho às vezes também, usava umas bases pré-programadas e ia interagindo em cima.

Antes desses dois projetos você nunca antes tinha se aventurado em algo mais experimental?
Os projetos de que participei antes eram todos bandas, menos um, que inclusive é muito similar ao Tilda. Se chamava Mobile e a gente fez no fim dos anos 1990 na Argentina. Gravamos um disco lá e outro aqui, foi meio em paralelo com outro projeto, o Del Mar. Gravamos dois discos, um em 98, outro em 99. Aí depois tivemos o 7 Magníficoz, que durou uns quatro anos, e eu continuei fazendo minhas gravações em fita, fita de rolo, misturando as coisas. Esses experimentos aparecem muito no 7 Magníficoz também, principalmente nos discos. E quando acabou eu já estava curtindo com o Tilda e foquei mais nesse outro lado.

Embora o Tilda tenha esse espírito solto, o epicentro criativo é sempre a sua figura, de qualquer forma?
Eu acho que o Tilda funciona mais como um meio para a música existir. O som trabalha através da gente, e não o contrário. Tudo o que acontece é porque estamos naquela hora, naquele lugar. E eu me coloco mais nessa posição, tanto intelectualmente como fisicamente, de provocar esses encontros entre a galera, e vamos levando. Sou mais um provocador do que um diretor musical. É importante deixar a música trabalhar, realmente, e não tentar dirigir muito a história. Rola uma espontaneidade e acho importante também valorizar a comunicação entre os participantes.

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Como você conheceu o Luciano Valério, da Desmonta Discos?
A gente vem se trombando há anos, cara. Eu lembro que o Luciano foi com o Personal Choice pra Argentina nas antigas. Foi engraçado, por nos encontramos de novo. Era pra ter rolado um show com o Del Mar e o Personal Choice, mas acabou acontecendo um imprevisto, acabamos não tocando, mas eu vi ele tocando ao vivo várias vezes e tudo. Conheço o Nenê também, a gente tem um contato de uns 20 anos. É engraçado, porque o tempo passa e, mesmo quando parece que os caminhos estão nos levando por lugares diferentes, você acaba reencontrando as pessoas e percebe que, passa o tempo, dá a impressão de que ficamos mais distantes, mas no fim estamos ainda produzindo coisas e isso nos aproxima novamente em vários momentos.

Que legal! Eu também o conheço dessa época do Personal. É muito louco como o tempo passa e os nossos caminhos sempre se cruzam. Agora mesmo estou aqui fazendo essa matéria contigo, por conta de um lançamento do selo do Lu, e sabe que eu tive uma banda que certa vez tocou com o 7 Magníficoz lá no SubJazz…
Esse show do Subjazz foi engraçado! Tenho umas fotos do show. Era massa lá. Cadê o Focka? Eu não frequento a noite há séculos…

O Focka está discotecando ainda por aí, no mesmo circuito…
Acho importante dar essa continuidade, construir uma rede. A parte mais interessante mesmo é que a gente vem trabalhando nessa rede colaborativa ao longo do tempo, e hoje é muito comum falar de rede, que o mundo funciona em torno da internet, mas nós estamos trabalhando em rede há muito tempo antes da internet. Construímos tudo de um jeito muito mais arcaico. Pelas cartas e fanzines e trocas de fitas-demo e discos. Já fizemos muitos shows nesse esquema, tocando para uma galera totalmente nova, fazendo turnê, conhecendo o pessoal das cenas de diferentes lugares. As pessoas vão se conhecendo com o tempo e de algum jeito fomos meio que precursores de como a internet funciona hoje em dia.

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Vi que você lançou um livro com cartazes de shows. Fala um pouco desse trampo.
Estive trabalhando nesse projeto por uns quatro anos. Na verdade, eu me mudei de volta pra Argentina em 2010 e aí trombei com a galera do Trem em Movimento, que é uma editora de lá. Eles fazem mais literatura mesmo e estavam começando a ter uma outra linha dentro da editora de trabalho gráfico. Na época, me fizeram essa proposta de lançar um livro dos meus cartazes. Naquele momento eu não estava preparado pra isso, acabei lançando um outro livro chamado Bazofia, que é uma coletânea de cartões postais. E nos quatro anos seguintes fui montando a coletânea realmente, indo atrás do material, fazendo a edição do negócio. E lançamos esse compilado agora em 2014, no final do ano. O livro é uma coletânea de 25 anos de trabalho. Tem as primeiras coisas que fiz lá, tipo em 1989, começo dos 90, até hoje.

Saquei. Daí rolam umas peças mais das antigas ou mais atuais? Como foi feita a seleção?
Não gosto muito desse negócio de nostalgia, então tentei fazer um lance equilibrado. Construí um percurso cronologicamente, ficou bem 50/50. Os primeiros 20 anos preenchem metade do livro, e os últimos cinco anos preenchem a outra metade. Acho que dá pra perceber bem o estilo do trabalho e a evolução de um jeito legal e, sobretudo, dando importância ao contemporâneo, não só ficando na lembrança, no passado. Acho que focar muito no passado traz uma carga que complica um pouco a vida. Mas esse projeto é um negócio que foi pensado em dois volumes. Agora estou começando a edição do segundo, que é mais focado nos 12 anos que passei aqui. Aí tem mais material de shows daqui, das bandas brasileiras e tal. Esse material todo só consegui reunir agora. Acho podemos contar com o lançamento para 2016.

Pra encerrar, uma curiosidade: tinha uma época que você usava muitas figuras de animais selvagens nas suas artes, camisetas, ilustrações e tal. Qual a sua relação com essas figuras? Existe um significado especial por trás disso?
Cara, eu não sou muito apegado a figuras. Eu utilizo essas figuras como se fossem fontes. Acabo incluindo diferentes tipos de desenhos, dependendo do que tiver pra falar. Faz parte de um diálogo maior. De repente, aquela camiseta, aquele desenho, aquele fanzine, o que for, faz parte de um conjunto. Acho interessante esse negócio de uma imagem vir a significar um conjunto de coisas. Então, de repente, se tem morcego ali, significa uma coisa, a cobra significa outra, assim como o macaco, o leão, e os bichos estão ali interagindo, sabe? E eles vêm representar um estado de espírito, que é algo que está presente nas vidas de todos nós. No imaginário. Faz parte da história da humanidade esse negócio de realmente identificar o estado de espírito de uma pessoa com um bicho. Uso desse jeito. Em particular eu curto bastante usar no meu trabalho esse negócio iconográfico. Acho muito importante conseguir sintetizar significados em um elemento pequeno e minimalista, passar uma ideia com muita pouca coisa. Nesse livro de cartazes tem umas 20 páginas só de logos, tipos. Tenho uma outra coletânea só de logos, de banda e coisas que faço pra fanzines também. Acabo tendo uma espécie de acervo desses elementos. Por isso que eles aparecem e somem, dependendo do que tiver para falar. Normalmente trabalho com cadernos, então meus cadernos são meu acervo. Vou trabalhando neles e colocando minhas ideias, essas pequenas figuras, e vou tirando elementos de lá para as ilustrações, e acabo multiplicando, reproduzindo, aumentando, misturando outras coisas… Sabe, assim?

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