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Música

O clipe de "Falo" do Carne Doce é um ritual misândrico de vingança

Veja o vídeo que a banda goiana apresentou na noite da última terça-feira (14) no show deles na Mostra Prata da Casa, que aconteceu no Sesc Pompeia, em São Paulo.
Foto: Estúdio Muto

"Falo" deve ter sido a música que mais chamou atenção de todo mundo na primeira ouvida do Princesa, segundo disco do Carne Doce, lançado em agosto do ano passado. Seja talvez porque a vocalista/compositora Salma Jô diz na letra que é bom que você, homem, "se cuide pois não vai ter quem lhe acude quando ela quiser te capar" ou seja também por causa do duplo sentido do título escolhido para a faixa  — que pode se referir tanto a uma forma de conjugação do verbo "falar" (e, no caso, de como mulheres são reprimidas quando falam), quanto ao substantivo "falo", ou seja, ao conceito de poder geralmente associada à imagem do órgão reprodutor masculino (a famigerada "piroca") —, "Falo" foi alçada quase que automaticamente a hino feminista por alguns fãs — fato que Salma Jô diz achar um tanto esquisito:

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Algumas pessoas acham justo que a protagonista extrapole de uma revolta legítima pra se tornar uma figura mais ameaçadora, desmedida, e até tirana mesmo.  Se você for pensar, é estranho que tenha virado um 'hino', porque as demandas que ela reclama não são assim tão profundas ou urgentes. Se tratam mais de coisinhas irritantes cotidianas. São denúncias particulares contra o machismo sutil dos homens que são íntimos de gente, que são nossos parceiros afetivos ou profissionais. Não é um protesto contra o machismo mais violento e não atende às mulheres que são oprimidas de forma violenta. Mas compreendo que muitas se identificam com o que é relatado na letra. E de novo eu queria abordar uma personagem com contradições: forte e fraca, passiva e rebelde, gentil e violenta. Pra mim, é importante refletir sobre essa complexidade da mulher e não tratá-la somente como vítima, pois não gosto de atender a esses ideais, nem de poder, nem de submissão. Não vejo o poder como a propriedade do opressor contra o oprimido, mas como um exercício que circula entre essas partes, que é exercido por ambas.

Hino feminista ou não, era de se esperar que a música com a letra mais incisiva do Princesaganhasse um clipe igualmente intenso: protagonizado por Salma, o vídeo traz ela e mais uma dúzia de meninas encapuzadas torturando um homem, que, apesar de parecer, não é necessariamente um padre. "Os meninos do [estúdio] Muto queriam mesmo que fosse um padre, mas eu não queria", explicou Salma, dizendo que eles até retiraram a gola da batina para que as pessoas não o associassem apenas à figura clerical. "Era pra o personagem retratar um homem mais mundano, sem o celibato e essas privações, mas que continuasse um líder, um moralista, um religioso, normal. Mas acho que não foi suficiente, infelizmente."

A ideia principal do clipe surgiu da galera do estúdio, mas Salma deu uma lapidada no roteiro de acordo com a intenção da música. Duas inspirações cruciais para o vídeo foram: a locação — uma fazenda antiga do inicio do século 20 que tinha uma igrejinha no fundo — e  os vídeos das Pussy Riot. "Pensamos em retratar essa tortura e esse pesadelo sofridos pelo personagem masculino porque a letra em si mostra que o seu desejo final da protagonista da música não é por justiça, mas por um linchamento, uma vingança. Daí também vem a falta de explicação sobre a motivação das meninas do clipe", explicou a vocalista.

A banda goiana apresentou o clipe nesta terça-feira (14), durante o show deles no Mostra Prata da Casa, que aconteceu no Sesc Pompeia, em São Paulo. Assista abaixo: