King Diamond voltou do além com suas mil vozes ainda mais potentes
Foto: Divulgação.

FYI.

This story is over 5 years old.

Música

King Diamond voltou do além com suas mil vozes ainda mais potentes

Após problemas cardíacos, ele parou de fumar e turbinou os seus vocais. A lenda retorna ao Brasil após vinte anos para tocar na íntegra o clássico "Abigail".

King Diamond é muita treta. Esse dinamarquês que fundou o Mercyful Fate e, posteriormente, ficou mundialmente popular em carreira solo, já faz parte da história do heavy metal com seu rosto pintado de branco e preto, sua cartola, seu pedestal de ossos humanos (reais ou falsos?) e seus múltiplos — e bota múltiplos nisso — timbres vocais.

Aos 60 anos de idade, o rei volta ao Brasil após mais de duas décadas para fazer uma apresentação única, no evento Liberation Festival. Sua onipresença na cultura do rock é tão grande que ele até já apareceu em jogos de videogame, como "Guitar Hero: Metallica" (PlayStation 3, Xbox 360, PlayStation 2, Wii), em 2009, como personagem secreto. Se você já é mais tiozinho, da época em que a gente ainda tinha medo de som pauleira, vai lembrar de uma outra homenagem ao cantor (na minha opinião, ainda mais foda), dessa vez no clássico "Final Fight" (Arcade, SNES), em 1989, em que uma referência sua aparecia em um dos chefões. De rosto pintado, ele recebia o nome do segundo álbum do artista, Abigail.

Publicidade

Aliás, é justamente sobre Abigail que estamos falando aqui. Esse é o título do álbum conceitual de Diamond, de 1987, que revolucionou o cenário por sua música, enredo e letras. A obra será executada na íntegra no show brasileiro.

O bebê misterioso

Um casal chega a uma mansão que foi herdada pelo marido. Logo de cara — como quase em toda herança de imóvel —, já começa a dar merda: sete cavaleiros vêm até os dois e avisam que não era para entrar na casa. O ano era 1845. É claro que os dois entraram, afinal, boca livre e pênalti não se pode perder, não é mesmo? Na primeira noite na casa, um fantasma chega no rapaz e mostra um caixão, que guarda o cadáver de uma criança, Abigail. O fantasma alerta que a esposa está carregando o espírito da menina dentro dela e que logo ela dará a luz ao renascimento desse bebê, fruto de uma maldição. Ele pede ao sujeito que trate de matar sua mina, pois esse baby vai ser só B.O.

Enfim, lendo isso hoje, parece até ingenuidade imaginar que esse enredo causava algum tipo de medo ou terror. Mas, na época, isso daí foi um estouro entre os jovens headbangers, causou dores de cabeça entre os pais e conservadores e, consequentemente, vendeu muito — mais de 175 mil cópias só nos EUA.

"Abigail foi o primeiro de sua espécie. É por isso que é tão importante", conta King Diamond, em entrevista concedida em uma ligação direto de Dallas, no Texas, onde vive desde 1992. "[O álbum] Era, musicalmente, muito progressivo e nós trabalhamos com a voz os diversos climas e personagens da história", lembra.

Publicidade

O artista conta que arriscou bastante com esse lançamento. "Sempre quis fazer um disco desse estilo e foi uma grande oportunidade — se não funcionasse, eu teria de conviver com isso, mas se desse certo seria algo grande".

Clipe de "Family Ghost", faixa do álbum "Abigail" em que King Diamond faz mais personagens que um episódio de Chico City, do finado Chico Anysio.

Satanás e catolicismo

Kim Bendix Petersen, seu nome antes de virar "rei", também engrossou as polêmicas de sua carreira ao sempre declarar publicamente suas opiniões religiosas. O artista é um dos mais famosos membros da chamada Igreja de Satã — também conhecido como Satanismo LaVeyano. Em 1986, o cantor disse ao Los Angeles Times: "Quando eu uso a palavra Satã, ela não representa um cara com chifres."

Criada nos anos 1960 por Anton LaVey (1930 – 1997), trata-se de uma organização que, de acordo com o seu site oficial, não acredita no diabo ou algo do tipo. Mas se apoia em um conceito filosófico da palavra Satanás que, em sua raiz hebraica, é tida como "adversário". A proposta desenvolvida por LaVey (e que carrega como insígnia oficial o Sigilo de Baphomet) vê nesse Satã um "arquétipo positivo" de conceitos como orgulho e individualismo.

"Se as pessoas lessem a Bíblia Satânica [coleção de ensaios de LaVey publicados nos EUA em 1969] iam pensar: 'uau, mas o meu modo de vida é parecido com isso' e verão que a maioria das pessoas vivem assim também", garante Diamond.

Publicidade

O músico, que mora no Texas, um estado conservador, no decorrer da carreira já teve seus trabalhos classificados por comitês como o Parents Music Resource Center (PMRC), aquele famoso selinho do "aviso aos pais, letras explícitas" que a gente tanto adorava (e adora) ver nos discos da Galeria do Rock, em São Paulo. "Só o que eles nos deram foi promoção grátis do nosso trabalho", brinca o cantor.

Seguidor dedicado da Igreja de Satã, Diamond ainda mantém contato com a filha de LaVey, Karla, com quem esteve em 2015 — jantaram no restaurante favorito de seu pai, em Los Angeles, na Califórnia. Aliás, como sempre gosta de comentar em entrevistas, o artista ainda carrega para todo canto que vai, uma carta manuscrita do fundador.

"Será que alguma pessoa é capaz de provar que aquilo que ela acredita é a única forma correta?", questiona. "A sigo como uma filosofia e não como uma religião, mas, ao mesmo tempo, creio que do outro lado vou encontrar meus pais e todos meus gatos favoritos", diz.

E como fica essa história de voltar, duas décadas depois, ao maior país católico do mundo? "As pessoas sempre me perguntam: 'como você consegue viver aí' e eu não vejo problemas, aliás, durante anos um dos vizinhos da minha casa era um padre", comenta Diamond, entre risadas, para ressaltar que, essa questão religiosa nunca foi um problema. Mas complementa: "Apesar que esse padre cresceu ouvindo Black Sabbath e Grand Funk Railroad, como qualquer um de nós. Depois ele foi para a Itália", diz.

Publicidade

"Não era para eu estar aqui"

Em 2010, após problemas cardíacos, King Diamond teve de implantar um marcapasso e, desde aquele dia, parou de fumar. Não foi só isso. Ele e a esposa agora fazem longas caminhadas três vezes por semana e estão numa dieta saudável — está vendo, o lendário cantor do Mercyful Fate é mais parecido com a gente do que você imagina.

"E essa é a razão porque minha voz está mais limpa, mais forte e soando muito melhor", afirma o cantor, que conta ter vivenciado fortes emoções nessa experiência de quase morte que, adianta, estarão expressas em forma de letras em seu novo álbum. O trabalho será produzido ainda em 2017 (ele possui um estúdio em casa para mandar ver nos vocais).

Sobre o show no Brasil, Diamond diz que está muito ansioso, pois se recorda que no Monsters of Rock, em 1996, os fãs eram muito loucos e extremamente dedicados. "Esse é o melhor momento para ver King Diamond, estamos tocando Abigail exatamente como no disco original e levaremos a mesma produção de palco dos grandes festivais europeus", diz.

Imagens impressionantes do show no Brasil, em 1996, com um sol maravilhoso torrando a galera no Estádio do Pacaembu, em São Paulo.

Em tempos de guitar heroes, drum heroes e bass heroes, King Diamond é uma espécie de o último "vocal hero" ainda vivo — "Assisti ao Ozzy Osbourne com o Black Sabbath recentemente e ele teve uma noite e tanto", me corrige. Pergunto se, além da questão do cigarro, ele ainda toma outros tipos de cuidados para manter, por tantas décadas, um estilo tão único de cantar. "Vou contar um segredo para o Noisey Brasil que nunca falei para ninguém: meu único aquecimento vocal é cantar, nos bastidores dos shows, a música 'The Wizard', do Uriah Heep, [canção que antecede todas as apresentações] com minha esposa e minha banda", conclui.

Se é o rei quem está falando, eu acredito.

Liberation Festival
25 de Junho
Espaço das Américas
R. Tagipuru, 795 - Barra Funda, São Paulo

Colaborou Mauricio Daniel