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Música

Salma Jô na dança da desilusão

Vocalista da banda goiana Carne Doce, a artista fala sobre as dificuldades de fazer uma carreira na cena indie, mas segue em frente afastando seus demônios em cima do palco.

Em março, na coluna Mulher do Dia, vamos diariamente parar por um minutinho o torno informacional para respirar e pensar sobre quantas vezes nós levamos realmente a sério o fato de que muitas das nossas artistas preferidas são, todos os dias, mulheres.

Salma Jô é a primeira coisa a atrair sua atenção no palco da Carne Doce. Eu vi a banda tocar no Dia da Música, em junho do ano passado, em São Paulo, e confesso que não tinha me convencido muito com o disco de estreia do grupo. Mas fui cativada naquele show — em grande parte, por causa de Salma.

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Foto: MCI SP.

Ela não parece ter pudor em soltar sua voz e seu corpo em cima do palco, ainda mais entoando canções como “Passivo” (“Você só quer fazer bem / Mas eu não / Vem me fuder / Vem me fazer dar”). Me lembrou de algo que a Kim Gordon disse no livro dela, A Garota da Banda, ao descrever sua sensação de libertação no palco: “Barulho e dissonância extremos podem ser algo incrivelmente purificante”.

A confiança que Salma passa ao se expressar tão livremente no palco, porém, parece não protege-la (nem ninguém) das desilusões que irão certamente aparecer pelo caminho. Mas essa foi exatamente a magia de vê-la cantando aquele dia: assistir Salma deixar esses desencantos de lado por um momento e se colocar no palco como quem faz da música sua maneira particular de exorcizar os demônios.

Num papo com a cantora, ela me falou sobre insegurança, falta de perspectiva na cena e trabalho duro — uma combinação de fatores que pode, facilmente, passar despercebida sob a figura confiante que projeta no palco. Leia a entrevista:

NOISEY: Como você começou a trabalhar com música?
Salma: Acho que em 2010, por aí, eu estava muito desmotivada com a vida, comigo mesma, com o curso que eu fazia (Direito). Aí vi um chamado numa comunidade do Orkut (pois é) de uma banda que estava precisando de backing vocal. Era a The Galo Power, uma banda de rock setentista daqui [Goiania]. Fiquei uns dois anos na banda, e foi minha primeira experiência com música, eu era amadora de tudo. Quando saí já tinha outra perspectiva, queria compor eu mesma, em português, falar de várias coisas que me interessavam, criar… E aí surgiu a Carne Doce.

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Você já sofreu algum preconceito no meio musical por ser mulher?
Sim, claro. Aqui e ali dá pra sentir que pra muitas pessoas — principalmente homens — a sua palavra tem menos crédito, e sua arte também, apenas por você ser mulher. Que sua música vai ser mais valorizada se você for feminina e vaidosa. Que me respeitam mais pelo fato de eu ser casada e pelo meu marido estar no palco. Aquilo que Björk disse em uma entrevista sobre ter de falar a mesma coisa várias vezes, ou de ver e deixar um homem levar crédito pelas suas ideias para conseguir levá-las adiante, é comum, mesmo entre os meus colegas de banda isso acontece. Mas sinto que as pessoas estão se corrigindo, estão mais atentos a isso. Eu também estou, com os meus próprios preconceitos.

Que mulheres você tem como influência/referência?
Várias. De Elis Regina à Beyoncé. Billie Holiday, Nina Simone, FKA Twigs, Kate Bush, Juçara Marçal, Ava Rocha, Annie Clark…

Você vê melhorias na indústria musical? Acha que está surgindo mais espaço para mulheres?
Com certeza tem mais espaço para as mulheres porque a gente está ocupando todos os espaços mesmo. Faltam ainda mais mulheres na produção, empresárias, técnicas de som, engenheiras de som. Esses espaços ainda são muito machistas e mais difíceis de serem conquistados que o palco. Em parte a fantasia de artista te protege de algumas coisas. Quanto à industria musical eu tenho visto com um certo desânimo. Não existe um mercado de música independente.

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O mercado que existe não lhe garante nem que você vai conseguir pagar os custos de viajar pra tocar. Dá pra contar nos dedos as bandas que conseguem se sustentar ou que têm uma perspectiva de sobreviver nesse meio. De Goiás, a Boogarins foi a que chegou mais longe. Mas não dá pra pegar o exemplo deles e seguir como um modelo de negócio, você tem que inventar o seu próprio modelo.

Você tem dicas para mulheres que estão começando agora na música?
Não tenho nenhuma dica especial para mulheres. O machismo na música não é muito diferente do que já existe n’outros campos da vida. Se você já começou, então essa desilusão você já venceu. Agora é buscar se profissionalizar e tentar ser excelente na sua pretensão. Eu mesma ainda estou aprendendo isso. É ralação que não acaba. A gente quer ter ócio criativo, mas se pensar em tudo o que tem pra fazer não sobra tempo. Você tem de ser uma empresa e cuidar de todos os detalhes, e parece que quanto menos você delegar a terceiros, melhor…

Não ajudei, né? Na verdade eu estou mais precisando de dicas que em condições de dar. Espero é que mais mulheres tentem, é preciso que algumas de nós tentem e falhem ou desistam para que algumas de nós tentem e tenham sucesso.

Se eu tiver de me retirar vai ser triste, mas se nesse caminho eu conseguir inspirar outras a conquistarem um espaço então eu vou ter do que me orgulhar, e um porquê de não me arrepender de ter tentado.

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