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Música

Ouvimos o disco novo do Metallica com o Metallica

No final de setembro, fomos até o Electric Lady Studios em Nova York para uma audição prévia de ‘Hardwired... To Self-Destruct’, que, te juro, é bonzão.

Foto por Melinda Oswandel/Divulgação.

O Metallica finalmente desencantou esse décimo disco. Hardwired… To Self-Destruct é o pivô de um intervalo de quase oito anos sem grandes novidades. E a boa notícia é que o álbum é foda. Com lançamento marcado para dia 18 de novembro (se não vazar antes), ele sustenta todos os pedregulhos levantados pelos singles "Hardwired", "Moth into Flame" e a novíssima "Atlas, Rise!", junto com a imensa movimentação entre fãs, mídia e indústria. Esse veredicto veio no final de setembro, quando a banda apresentou pessoalmente o novo trabalho em sessões fechadas para jornalistas, dentro do lendário estúdio construído por Jimi Hendrix, o Electric Lady Studios, em Nova York.

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Posso dizer que foi bem daora acordar nesse dia.

O contexto não poderia ser melhor: eles tinham acabado de tocar no Global Citizen Fest ao lado de Rihanna, Kendrick Lamar e outras estrelas pop. Um dia antes, na segunda-feira (26), foi lançado de sopetão o single e clipe da feroz "Moth into Flame" durante uma bem-humorada entrevista no programa de rádio de Howard Stern. No dia da audição eles foram anunciados nas edições sul-americanas do Lollapalooza 2017 e, para completar, tinham marcado um show mais "reservado" (dentro dos padrões da banda) para cerca de mil fãs e convidados, no "minúsculo" (não esqueça dos tais padrões da banda) Webster Hall, em Nova York.

Isso tudo acontecia no aniversário de 30 anos da morte do baixista Cliff Burton.

O mundo não parava de falar no Metallica e eles não cansavam de dar motivos para isso acontecer. Entramos no estúdio com o peso do contexto vivido pela banda e a responsabilidade de escutar pela primeira vez esse tão aguardado novo trabalho.

Os profissionais de diversos países formaram uma fila para deixar os celulares e qualquer tipo de aparelho eletrônico com a produção da banda. Entre eles estava Marky Ramone, em uma provável cobertura para seu programa de rádio da Sirius XM. Toda essa burocracia já tinha sido combinada previamente com a gravadora, junto com o embargo para a publicação de qualquer comentário sobre o disco novo até dia 1 de novembro. Foi difícil, mas todos sobrevivemos bem até hoje.

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Marky Ramone também esteve lá com o Metallica. Foto: Melinda Oswandel/Divulgação.

Uma colega de profissão alta, loira e da Noruega, se aproximou durante a espera, disse seu nome, sacou uma câmera e perguntou "por que um lançamento do Metallica ainda é importante hoje em dia?". Eu balbuciei algumas frases feitas para ela e deixei por isso mesmo. Como assim "por que um lançamento do Metallica ainda é importante hoje em dia?" Eu não sabia dizer o que me incomodava mais nisso: a pergunta que ela fez ou não saber respondê-la na lata. De bate-pronto. Mas essa sensação ruim não durou muito, o Electric Lady vibra como um terreiro de macumba e não tem bad vibe que sobreviva muito tempo ali. Certeza que Jimi ainda circula forte naquelas salas e corredores.

Foto: Melinda Oswandel/Divulgação

O estúdio estava tomado por cadeiras, poltronas e sofás para os jornalistas, assim como câmeras registravam todo o processo. No canto, um bartender com sotaque europeu servia água, sucos e cervejas, enquanto todos se acomodavam para a audição. O baterista e mentor da banda, Lars Ulrich, surge para fazer a apresentação do disco e esquentar um pouco o clima com os convidados. Era óbvio que seria ele o responsável pela introdução: além de ter começado a banda para compensar sua fixação juvenil pelo Motorhead, ele sempre acompanhou todos os processos de produção do Metallica. Lars é um excêntrico controlador que está cagando se você o considera mimado ou não. Você, Napster, o Lou Reed (onde estiver) ou quem aparecer em seu caminho. A diferença é que ele e a banda nunca fizeram questão de esconder isso, assim como os altos e baixos dos outros integrantes (sendo que sobrou até para ex-membros). A trajetória do Metallica é tão aberta e devidamente registrada por documentários, livros, entrevistas e polêmicas que não sobram muitas dúvidas sobre a personalidade e postura de cada um. Os fãs sabem que a banda pode ser meio babaca nas internas, assim como os músicos sabem que seus fiéis headbangers são exigentes e reclamam que tá "mais devagar" desde quando ouviram "Fade to Black", do Ride the Lightning, em 1984. Chatos dos dois lados em uma relação única, bem diferente do que rola entre outras bandas e seus fãs. É amor mesmo, não é cilada.

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Lars brincou sobre o longo período de produção do disco (o maior intervalo entre lançamentos na história da banda) e ainda revelou que eles tinham terminado todo o trabalho há cerca de duas semanas. Toda gravação aconteceu em San Rafael, na Califórnia, para manter os integrantes relaxados e em casa, junto com a produção do "parceiro" Greg Fidelman, que já tinha trabalhado como engenheiro de som do Death Magnetic (2008).

Ele explicou que ficaríamos ali durante 80 minutos ouvindo o álbum inteiro e eles voltariam para mais um papo no final. Caminhou até a porta por onde entrou e pediu para dar o play. A faixa de abertura é a já conhecida "Hardwired" e ele gritou para subirem mais ainda o volume. Era como se o estúdio tivesse se transformado no quarto de um adolescente ouvindo Metallica no talo. Antes de sair, Lars comentou com alguém da sua equipe "deixa eu ouvir um pouco como é que o disco está soando bem alto. Só para conferir…".

Por mais controlador que ele seja, por mais tentador que tenha sido esse cenário criado para seduzir a imprensa, e por mais que o metal seja fonte das melhores piadas e clichês desde sempre… é legal ver um projeto desse tamanho dando certo.  Testemunhar todas as engrenagens da frágil indústria musical funcionando em harmonia. Por mais que exista um cinismo latente com a internet, seus escapismos e todos os posts espertalhões em egotrips de anônimos urgentes, é gratificante saber que uma banda ainda consegue espaço necessário para gravar um bom disco, tem tempo para aquecer o lançamento com os fãs, segue a cartilha de negócios da gravadora e ainda tem um puta tesão e amor depositado na obra final. E essa é a imagem do Lars Ulrich deixando de ser o cicerone-homem-de-negócios-da-vez para ser o baterista que tá orgulhoso pelo trabalho que sua banda concluiu.

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Por isso um lançamento do Metallica é tão importante hoje em dia, Noruega. Ninguém imaginava que uma banda de metal estaria nesse patamar depois de 35 anos de estrada, colocando no eixo alguns setores da indústria musical e movimentando muito dinheiro. Muito.

O álbum

Em linhas gerais, Hardwired… To Self-Destruct resgata o peso, mas deixa evidente como a banda evoluiu nesse meio tempo. James Hetfield está mais à vontade com suas letras e riffs, além de se arriscar mais no vocal; a cada ano que passa, Kirk Hammett reforça esse jeitão guru-quase-místico-da-guitarra (na plástica de caras como Jimmy Page e Hendrix…). Na prática, ele continua dosando bem suas influências clássicas e líricas com o thrash das raízes da banda; Robert Trujillo usa as cordas de seu baixo para bater em nossas cabeças como se fosse um boxeador treinando no speedball; e é óbvio que o Lars tem seus momentos especiais com a bateria.

O single "Harwired" abre o álbum e solta o tom do disco: o peso e a velocidade dos primeiros anos envelopados para o rádio. Riffs, dinheiro e manhas da estrada unidos após 35 anos de carreira. Esse clima segue com a épica "Atlas, Rise!" e seu paredão de guitarras e mais uma sequência de versos grudentos. O Metallica é uma banda que sempre dividiu bem a raiva e energia dos palcos e estádios lotados pelo mundo com o trabalho nerd/geek de estúdio. Prestando atenção em cada detalhe nesses dois diferentes ambientes que a banda circula. Mesmo assim assumem riscos em elementos clássicos do metal e colocam a morte em temas mais 'otimistas' em "Now That We're Dead".  É aí que Hetfield ganha mais espaço no disco: além de experimentar mais nas letras (herança da relação com Lou Reed), o disco deixa meio evidente a disposição da banda em testar um pouco mais as possibilidades do vocal, como em "Dream No More", "Halo on Fire" e "Confusion" (na sequência) e "Here Comes Revenge".

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Segue para "ManUNkind", única composição do disco que conta com a participação de Robert Trujillo reforçando a parceria entre Hetfield/Ulrich. "Am I Savage" surge no meio disso como a promessa da "balada" do disco, mas aqui vai um spoiler: não tem música lenta nesse álbum. Eles ainda guardam para o final a homenagem feita ao grande Lemmy Kilmister em "Murder One" (se você leu até aqui e não sabe quem é o Lemmy – vocalista do Motorhead morto ano passado — meu total respeito pela sua disposição e esforço com esse texto) e chega a faixa que promete ser a melhor música do álbum: "Spit Out the Bone" vai emocionar vários corações metaleiros por aí, pode acreditar.

O disco merece ser ouvido de cabo a rabo, e vai balançar muitas cabeças por aí. Isso é o que importa.

 Metallica e tiazinha randômica no meet and greet. Foto por Melinda Oswandel/Divulgação.

Quando acabou a audição, Lars voltou ao estúdio acompanhado por James e Kirk para algumas fotos e troca de impressões. "E aí, curtiu?", perguntou enquanto apertava minha mão. "Tô aliviado", respondi, "bom saber que vocês ainda podem lançar discos assim". Ele só soltou um típico "Fuck yeah, Bro". Rimos. O Metallica continua mais Metallica do que nunca.

Hardwired… To Self-Destruct estará disponível na sua plataforma digital de preferência no dia 18 de novembro.