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Música

Novo clipe do D2 celebra a eterna malandragem que é saber amar

Dirigido pelo Marcelo e Wilmore Oliveira, “Resistência Cultural" é o primeiro de oito clipes que formam o disco/filme “Amar É para os Fortes", com estética inspirada numa matéria do Noisey (hehehe).
Foto: Philippe Nick/Divulgação

Muito mais que um vídeo clipe, "Resistência Cultural" de Marcelo D2 estreia nesta sexta (31) como o início de um projeto de um filme contado através de oito vídeo clipes que vão virar o disco Amar É para os Fortes, que está prometido para novembro, pela Deck Disc. O clipe é dirigido por Marcelo D2 e Wilmore Oliveira (que, além do Noisey, colaborou pra VICE Brasil e THUMP), e tem sua estética preto e branca inspirada num ensaio fotográfico dele que publicamos em 2016. O resultado é inspirador e animador, e deixa com vontade de que venham logo os outros sete clipes.

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No clipe de "Resistência cultural", Marcelo apresenta mais que uma música, o visual branco e preto mostra um Rio de Janeiro diferente dos cartões postais, revelando um clima tão sombrio quanto charmoso, e justamente por isso, muito mais autêntico. O branco e o preto, a favela e o asfalto, a polícia e o bandido, a malandragem e a responsabilidade, a praia e o subúrbio; viver no Rio de Janeiro é assim, uma eterna dubiedade. A excelente base do Nave Beatz, a ginga do Marcelo e o refrão na linda voz do Helinho, o Helio Bentes do Ponto de Equilíbrio, lacram o clipe, que arrisco dizer ser o mais fodão de toda carreira do Marcelo.

O som é pesado e moderno, mas podia ser um funk, um samba ou um rock, porque o Rio de Janeiro, em suas limitações de espaços na noite, sempre obrigou todo mundo a ser eclético. Cariocas vão identificar vários rostos da noite, rostos que o resto do Brasil conhece e segue no Instagram. Boa parte dos rostos integram o Bloco 7, representando esmagadoramente uma linhagem de rappers cariocas que começa ali com o Marcelo D2, Black Alien, Speed Freaks, passando por Inumanos, Marechal e muitos outros monstros, todos tão criativos quanto únicos.

Trombei o Marcelo e o Wilmore no Rio nesta quinta e conversamos sobre o clipe, o disco, o filme, a inspiração e etc. Leia a entrevista e veja o clipe o de "Resistência Cultural" no player abaixo, ou ouça a música no player do Spotify.

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O que que é o coletivo Mulato?
Marcelo D2: É uma porrada de gente trabalhando comigo nesse disco novo, vários artistas de diferentes áreas e tal. Por que Mulato? Por que os mulatos eram os marginalizados antes do Brasil tomar a posição de um país mestiço, eles eram odiados pelos negros, por serem frutos de estupros, e esnobados pelos brancos, porque pra eles mulatos eram pretos também. Então naquele momento do Brasil eles eram bem marginalizados, mas depois o Brasil mudou um pouco, fez campanha "um país mulato", e eu achei esse nome interessante. eu tava lendo um texto do Darcy Ribeiro e achei bem interessante. Então é meio que um mulato.

De onde brotou essa pilha de fazer um filme?
D2: Pro Nada Pode me Parar eu fiz 16 clipes, um pra cada música, e depois pensei "porra podia ter feito um filme né? Botar uma ligação entre os clipes". Então este álbum é um álbum visual. O outro também foi, mas este tem um tema, uma história. Escrevi o roteiro e o nome do disco é "Amar É para os Fortes". Como quase tudo que eu escrevi a minha vida inteira é quase autobiográfico, é a história desse moleque chamado Sinistro, então escrevi as oito músicas que vão fazer parte. O áudio do filme é o disco: se você tirar o filme você ouve o disco normalmente, e se botar o vídeo vira um filme, entre uma música e outra tem os diálogos. Então, tudo nesse meio de cinema é meio devagar, então eu achei que tava demorando muito e falei "quer saber, vou pegar a música que está mais pronta pra dar um start e me obrigar a andar pra frente". O nome da música já diz tudo: "Resistência cultural". A letra é sobre isso, sobre o que eu venho falar nesse disco novo, faço isso há vinte e poucos anos, ando pelo mainstream, mas me sinto underground pra caralho, tá ligado? Eu não vejo minha música como pop, mas eu consegui colocar ela lá, vendê-la pra milhões de pessoas, mas não considero pop, considero até difícil, com letras difíceis, com sonoridade muito mais trabalhada que uma música pop, então eu achei que seria um bom cartão de visitas para o que vem por aí, porque esse projeto não é só filme e disco. Uma das personagens é artista plástica, então quero fazer uma exposição dela.

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Sain. Foto: Philippe Nick

Conta aí a sinopse pra gente!
D2: O filme é uma ficção não linear que conta a história desse cara que nasce numa favela não pacificada do Rio de Janeiro, tem as tretas dele lá, tem que sair do morro fugido, um cara que cresceu gostando de arte, mas vindo de um lugar violento arte era quase que uma utopia na vida dele. Depois disso ele encontra uma modelo e artista plástica francesa que vem estudar Tarsila do Amaral e modernismo aqui no Rio e aí eles acabam se encontrando e a vida tá ótima, mas o passado o atormenta. Eu vejo uma molecada de revólver na mão tirando onda, e me veio à cabeça que isso daí qualquer otário faz, empunhar um revólver e se achar foda, agora quer ver amar, segurar bronca mesmo, de ter amor, carinho e compaixão pro próximo. Amar é para os fortes! E a história é meio sobre isso, tem sexo, drogas e rap.

Conta aí como surgiu essa parceria com o Wilmore.
D2: O Will tá trabalhando comigo há um ano e eu tinha visto um ensaio que ele fez pra Noisey, "Socos e testosterona…", que eu achei foda. Eu escrevi o filme e tava afim de dirigir, mas ai quando eu vi essas fotos do Will, primeiro eu pensei que tinha que chamar ele pra fotografar, e aí a gente falou, pô tem o Ronaldo Land, o Jesus da Ademafia, que faz um preto-branco foda em filme. Então falei, vamos dirigir juntos, e daí começou aquela força tarefa. A minha ideia é que seja um projeto de vanguarda. É meu décimo disco, quero fazer uma história bonita este ano, quero contar uma história inteira até chegar no filme, a história do sambista que tem no morro aonde o moleque mora, da artista plástica… Os dois personagens principais são o Stephan, que faz o Sinistro, e a Bibi, que faz a Chloe. Então vai ter uma porrada de coisas que eu vou lançar, não só música, exposição, vinilzinho, quero lançar uma porrada de coisa até chegar no dia 5 de novembro, que é a data que eu quero lançar o disco, no meu aniversário de 50 anos. Meu décimo disco no meu aniversário de 50 anos.

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Foto: Philippe Nick

Vocês filmaram tudo em celular, qual que vocês usaram?
D2: Foi tudo filmado no iPhone 6+ e 7+, muito mais no 6. Era celular né, então geral fotografou: eu, o Jesus, o Wilmore e o Cauã. Ficou ruim? Apaga, faz de novo. E a gente montou uma equipe fudida. Do primeiro dia quando eu chamei o Wilmore até o Dani que fez as animações finais, toda a galera quebrou demais. O Jesus na fotografia, o Cauã na edição… E mais do que fazer a ideia, ele deu um passo à frente, deu um movimento bonito pacas. Ai o Wilmore veio e falou "Tem um moleque que faz uns GIFs fodas, a gente podia chamar ele pra fazer umas paradas no dia e a gente vê o que que ele faz, solta na internet" [Guido Argel, outro que passou aqui pela paragens da VICE Brasil]. E ficou tão foda que vamos abrir o clipe com essa porra.. Quando os GIFs chegaram, a primeira edição já tava pronta, e ficou muita imagem de fora, a gente filmou três dias. Ai colocamos no introdução junto com a da rabeca do Siba Veloso, o texto dessa parte é meu eu chamei uma amiga minha pra fazer essa voz de pastor.

Foto: Philippe Nick

Tem uma cena em Niterói, que porra é essa? Tipo filme americano filmado no Canadá?
D2: Ninguém precisa saber! (risos) Essa cena ai é na locação onde o Wilmore fez as fotos que inspiraram tudo. A gente tinha que incluir, pra gerar o clima que a gente queria. Mas filmamos também na casa de amigos meus e no banheiro da Fosfobox. A primeira ideia que eu tive era visitar vários centros de cultura, a Velha Guarda da Portela, o Jongo da Serrinha, mas eu nunca fui óbvio no meu trabalho, então eu senti que essa molecada é uma molecada que gera cultura pra caralho, que gera coisa pra caralho, o que eu venho fazendo há vinte anos, eu vejo nessa molecada uma cena muito mais forte do que nos anos 90, e tou falando em arte de maneira geral, de tatuagem à artes plásticas. O lifestyle mesmo; tem gente ali que vive só disso, de apresentar um lifestyle. Eu acho isso foda, porque há vinte anos que eu venho carregando essa bandeira de "urban culture", então eu tava seguindo o Squadbrasil, e pensei vou chamar essas minas e os moleques do Bloco 7. Daí lembrei da foto do Wilmore… Acho que essa galera tem um espaço foda que na minha época não havia. A gente tinha que lutar, o que podia acabar segmentando demais, mas pra mim, como não tinha espaço, eu tinha que brigar com as bandas de pagode e o sertanejo pra disputar uma capa do Globo.

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E aí Wilmore? Você imaginou que tua matéria um dia ia virar videoclipe?
Wilmore Oliveira: Não mesmo. Cara, eu me amarrei pacas nessas fotos, foi uma parada que eu fui pra lá sem intenção nenhuma de fazer isso aí, foi muito espontâneo. Quando eu vi as fotos editadas eu falei "caralho, tá um material muito foda, tenho que mostrar isso em algum lugar", então eu mandei pro Tubas [Eduardo Roberto, editor de música da VICE Brasil] e ele falou "Caralho moleque, vamos soltar essa porra", ai eu passei um feedback e eles escreveram. Ai vieram com essa pira que estava numa vibe hardcore NY anos 80/90, e a repercussão foi maneira. Esse dia foi foda, a proporção da plateia era 80% de homem…

Foto: Philippe Nick

Tipo os anos noventa mesmo!
Wilmore: (risos) Então, agora o rap começou a trazer de volta a cultura de roda, de pogo, galera voltou a se bater pra caralho. Pelo menos nos shows do Néctar Gang, dos moleques da Pirâmide Perdida, do Akira, do BK, sempre rola roda, e é esquema de roda mesmo, tipo Planet Hemp. E esse dia foi uma roda fenomenal, porque o teto era baixo, tinha umas pilastras no meio da parada, então tinha que tomar cuidado pra não tomar empurrão pra cima da pilastra. Aí eu disse "quer saber, vou fotografar do meio da roda". Foi uma experiencia muito foda de galera, dai acho que o Marcelo vendo as fotos conseguiu sentir isso. Não que eu imaginasse que ia chegar a esse ponto, de ser a inspiração de uma fotografia pra um clipe. Foi um material bem diferente, e eu acho que dificilmente vai acontecer algo diferente praquela galera que tava ali. Eu acho que em algum momento eu consigo demonstrar isso pra quem tava vendo as fotos. Foi uma satisfação muito maneira.

Foto: Philippe Nick

Ficha Técnica

Música
Produção: Nave Beatz
Mixagem: David o Marroquino

Clipe
Direção: Marcelo D2 & Wilmore Oliveira
Direção Fotografia: Ronaldo Land & Cauã Csik
Edição: Cauã Csik
Animação: Daniel W. (Fatdog)
Figurino: Pedro Andrade
GIFs: Guido Argel
Produção: Thuanny Maldonado & Gabriel Rec