Reprodução do YouTubeImagine-se no lugar de um empresário de mídia. Você detém o controle de uma emissora FM cujo nome é uma marca poderosa, sinônimo de rádio popular nos maiores centros urbanos brasileiros. A rádio fatura o suficiente para se manter e é uma das líderes de audiência em seu segmento. Qual é seu próximo passo?Acabar com a rádio, claro.Esse foi o paradoxal destino dado à Nativa FM, importante rádio do Rio de Janeiro. Seus controladores determinaram o fim de sua transmissão na última quarta-feira, 16 de dezembro. Depois da execução de “Goodbye”, das Spice Girls, o apresentador do programa Toque de Amor, Maurício Berger, se despediu da transmissão falando dos 15 anos da Nativa e que gostaria que ouvintes “guardassem no coração boas lembranças da rádio”. Na sequência da mensagem de despedida, retorna ao ar a programação da Antena 1 Lite FM, que ocupava a frequência até 2009.O amor do Rio
No ar desde 2000, a Nativa RJ tornou-se conhecida pelo bordão “O amor do Rio”, transmitindo um repertório que refletia as mudanças pelas quais a música (ultra) popular brasileira passou desde então: a ascensão do sertanejo universitário e do funk pop em convivência com o pagode romântico e o axé, e o gradual encolhimento do pop rock. No último levantamento do Ibope, a rádio ocupava o sétimo lugar no ranking de audiência na região metropolitana do Rio — mas no nicho das rádios populares, era a segunda, atrás apenas da FM O Dia. Em novembro, mantinha a média de 110 mil ouvintes por minuto. Ainda assim, a frequência 103.7 foi devolvida a seu proprietário, o empresário Paulo Roberto Maia.Zé Costa (Acervo Pessoal)“Na verdade, a Nativa não estava com problemas”, diz Zé Costa, coordenador de programação da emissora desde 2006, ao Noisey. “A empresa é que está. E a rádio acabou vitimada por esses problemas”. “A empresa” é o Grupo Diários Associados, que operava a emissora carioca e comanda outra marca fortíssima no dial fluminense, a Super Rádio Tupi. Zé, que tem quase 30 anos de carreira como radialista, foi o primeiro a botar a boca no trombone (nas redes sociais) sobre o iminente fim da Nativa. “Fomos comunicados apenas que a empresa havia decidido devolver o canal, e que a partir do dia 16 de dezembro a Nativa estaria fora do ar. E também que posteriormente seria decidido que funcionários poderiam ser aproveitados na Tupi”, contou o coordenador.História
Criada em 1997 em São Paulo, a Nativa transformou-se em uma das maiores redes de rádio do Brasil, apostando sempre no som popular. Espalhou-se pelo interior de São Paulo e se estendeu para Minas Gerais, Paraná, Goiás, Santa Catarina e Brasília, além do Rio. Na capital fluminense, em 2000, a Nativa apropriou-se do slogan “O amor do Rio” (que era da Tupi), no dial 96.5. Em 2009, pulou para a frequência 103.7 FM, até então ocupada pela Antena 1 Lite FM — uma mudança radical, já que a antiga emissora só tocava flashbacks e sons tranquilinhos. Nos últimos anos, a Nativa disputava a liderança entre as populares cariocas; com o fim da Beat 98 (antiga 98 FM), em novembro de 2014, a FM O Dia tornou-se a única rival a ser batida. Essa é a história pública. Os bastidores, como sempre, são mais complexos.A rede Nativa FM é de propriedade do Grupo Camargo de Comunicação (GC2), que também comanda as emissoras paulistanas 89 FM e Alpha FM. Só que a operação da rede cabe ao Grupo Bandeirantes desde 2004, que responde por todas as emissoras, exceto a do Rio. Em outubro, a Band encerrou as atividades de outra unidade da Nativa, a de Belo Horizonte. (Procuramos Marcelo Siqueira, diretor artístico da Nativa na Band, para conversar sobre a situação atual da rede. Ele não nos deu retorno.)Rodney Brocanelli, editor do site RadioAmantes (radioamantes.wordpress.com) acompanha o cenário da radiodifusão nacional desde a década de 1990 e conta: “Em 2008, os Diários Associados procuraram Paulo Roberto Maia para propor uma acomodação. A rádio Tupi precisava de um canal em FM, mas o grupo não queria se desfazer da Nativa. Com o sucesso da negociação, a Tupi entrou em 96.5 FM, que era a frequência da Nativa, e esta foi para os 103.7, no lugar da Antena 1 Lite FM.” Esta última era uma das rádios favoritas dos taxistas cariocas e também muito usada em sistemas de som ambiente, em portarias de prédios e elevadores.A crise
Só que, de lá para cá, a situação dos Diários Associados se deteriorou muito. Fundado por Assis Chateaubriand (é, o do filme do Guilherme Fontes), os DA já foram o maior grupo de comunicação do país e ainda hoje controlam 10 emissoras de TV, 12 emissoras de rádio e 12 jornais impressos. Mas vem descendo a ladeira há décadas, vítima de problemas financeiros e administrativos agravados pela bem conhecida crise do jornalismo impresso.Zé Costa confirma a história lembrada por Rodney. “O arrendamento do canal da antiga Antena 1 carioca se tornou caro demais e a situação se agravou com a crise. E apesar de a rádio faturar o suficiente para arcar com suas despesas, o grupo decidiu devolver o canal a seu proprietário, e a Nativa teve de acabar”, afirma o coordenador.Segundo o Sindicato dos Radialistas do Estado do Rio de Janeiro, nos últimos meses se multiplicaram as queixas formais de funcionários da Nativa contra a direção da rádio. “Houve várias reclamações sobre atrasos de pagamentos e falta de depósitos no FGTS”, relata Francisco Galdino, secretário de fiscalização do Sindicato. “Isso chegou a ser uma surpresa, pois a Nativa não costumava apresentar esse tipo de problemas. Quem nos procurou para contar sobre o fechamento foram os funcionários da rádio. Não recebemos qualquer comunicação oficial da direção sobre o encerramento da Nativa”, diz Galdino. (Procuramos a direção da rádio Nativa e os responsáveis pelas rádios dos Diários Associados no Rio. A empresa preferiu não se pronunciar. Paulo Roberto Maia, proprietário da frequência 103.7 FM, também não retornou nossos contatos).Aleluia
O panorama no Rio encontra-se marcado pela proliferação das emissoras evangélicas — das 20 rádios mais ouvidas na região metropolitana, nove só tocam música gospel. “O problema é a qualidade do rádio que se faz hoje no Rio, e isso não é culpa dos profissionais”, critica Zé Costa. “Se não houver disposição dos donos das rádios em investir, não há como fazer um bom trabalho”, o ex-diretor de programação finaliza: “Se um dia o rádio acabar, será culpa dessas pessoas, que se contentam em ganhar migalhas, em vez de brigar pelo bolo”.Colaborou Daniel Monteiro, o famoso Rica Pancita do Twitter.Siga o Noisey nas redes Facebook | Soundcloud | Twitter
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No ar desde 2000, a Nativa RJ tornou-se conhecida pelo bordão “O amor do Rio”, transmitindo um repertório que refletia as mudanças pelas quais a música (ultra) popular brasileira passou desde então: a ascensão do sertanejo universitário e do funk pop em convivência com o pagode romântico e o axé, e o gradual encolhimento do pop rock. No último levantamento do Ibope, a rádio ocupava o sétimo lugar no ranking de audiência na região metropolitana do Rio — mas no nicho das rádios populares, era a segunda, atrás apenas da FM O Dia. Em novembro, mantinha a média de 110 mil ouvintes por minuto. Ainda assim, a frequência 103.7 foi devolvida a seu proprietário, o empresário Paulo Roberto Maia.
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Criada em 1997 em São Paulo, a Nativa transformou-se em uma das maiores redes de rádio do Brasil, apostando sempre no som popular. Espalhou-se pelo interior de São Paulo e se estendeu para Minas Gerais, Paraná, Goiás, Santa Catarina e Brasília, além do Rio. Na capital fluminense, em 2000, a Nativa apropriou-se do slogan “O amor do Rio” (que era da Tupi), no dial 96.5. Em 2009, pulou para a frequência 103.7 FM, até então ocupada pela Antena 1 Lite FM — uma mudança radical, já que a antiga emissora só tocava flashbacks e sons tranquilinhos. Nos últimos anos, a Nativa disputava a liderança entre as populares cariocas; com o fim da Beat 98 (antiga 98 FM), em novembro de 2014, a FM O Dia tornou-se a única rival a ser batida. Essa é a história pública. Os bastidores, como sempre, são mais complexos.A rede Nativa FM é de propriedade do Grupo Camargo de Comunicação (GC2), que também comanda as emissoras paulistanas 89 FM e Alpha FM. Só que a operação da rede cabe ao Grupo Bandeirantes desde 2004, que responde por todas as emissoras, exceto a do Rio. Em outubro, a Band encerrou as atividades de outra unidade da Nativa, a de Belo Horizonte. (Procuramos Marcelo Siqueira, diretor artístico da Nativa na Band, para conversar sobre a situação atual da rede. Ele não nos deu retorno.)Rodney Brocanelli, editor do site RadioAmantes (radioamantes.wordpress.com) acompanha o cenário da radiodifusão nacional desde a década de 1990 e conta: “Em 2008, os Diários Associados procuraram Paulo Roberto Maia para propor uma acomodação. A rádio Tupi precisava de um canal em FM, mas o grupo não queria se desfazer da Nativa. Com o sucesso da negociação, a Tupi entrou em 96.5 FM, que era a frequência da Nativa, e esta foi para os 103.7, no lugar da Antena 1 Lite FM.” Esta última era uma das rádios favoritas dos taxistas cariocas e também muito usada em sistemas de som ambiente, em portarias de prédios e elevadores.
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Só que, de lá para cá, a situação dos Diários Associados se deteriorou muito. Fundado por Assis Chateaubriand (é, o do filme do Guilherme Fontes), os DA já foram o maior grupo de comunicação do país e ainda hoje controlam 10 emissoras de TV, 12 emissoras de rádio e 12 jornais impressos. Mas vem descendo a ladeira há décadas, vítima de problemas financeiros e administrativos agravados pela bem conhecida crise do jornalismo impresso.Zé Costa confirma a história lembrada por Rodney. “O arrendamento do canal da antiga Antena 1 carioca se tornou caro demais e a situação se agravou com a crise. E apesar de a rádio faturar o suficiente para arcar com suas despesas, o grupo decidiu devolver o canal a seu proprietário, e a Nativa teve de acabar”, afirma o coordenador.Segundo o Sindicato dos Radialistas do Estado do Rio de Janeiro, nos últimos meses se multiplicaram as queixas formais de funcionários da Nativa contra a direção da rádio. “Houve várias reclamações sobre atrasos de pagamentos e falta de depósitos no FGTS”, relata Francisco Galdino, secretário de fiscalização do Sindicato. “Isso chegou a ser uma surpresa, pois a Nativa não costumava apresentar esse tipo de problemas. Quem nos procurou para contar sobre o fechamento foram os funcionários da rádio. Não recebemos qualquer comunicação oficial da direção sobre o encerramento da Nativa”, diz Galdino. (Procuramos a direção da rádio Nativa e os responsáveis pelas rádios dos Diários Associados no Rio. A empresa preferiu não se pronunciar. Paulo Roberto Maia, proprietário da frequência 103.7 FM, também não retornou nossos contatos).Aleluia
O panorama no Rio encontra-se marcado pela proliferação das emissoras evangélicas — das 20 rádios mais ouvidas na região metropolitana, nove só tocam música gospel. “O problema é a qualidade do rádio que se faz hoje no Rio, e isso não é culpa dos profissionais”, critica Zé Costa. “Se não houver disposição dos donos das rádios em investir, não há como fazer um bom trabalho”, o ex-diretor de programação finaliza: “Se um dia o rádio acabar, será culpa dessas pessoas, que se contentam em ganhar migalhas, em vez de brigar pelo bolo”.Colaborou Daniel Monteiro, o famoso Rica Pancita do Twitter.Siga o Noisey nas redes Facebook | Soundcloud | Twitter