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Música

O Matéria Prima começou 2016 com pocas e boas ideias

Um papo reto com o rapper mineiro que está lançando seu novo EP, ‘Pocas’.

Matéria Prima. Foto por Diogo Andrade.

Menos é mais, amizade. Essa é a onda do novo EP do rapper mineiro Matéria Prima. Liberado na internet no início do ano, Pocas traz seis pedradas que mostram que o Matéria está com a caneta e o flow mais afiados que nunca. Terceiro trabalho solo do cara — que é um dos vocalistas do Zimun e já integrou o célebre coletivo Quinto Andar —, Pocas é um trampo enxuto e certeiro, cru e seco. Enquanto as letras deslizam por temas da atualidade, a estética musical remete a sonoridades das antigas — meio lounge, meio 70's disco. Conversei com o Matéria Prima para saber mais sobre o contundente trampo novo. Ouça o disco enquanto lê a entrevista:

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Noisey: Porra, que som foda, Matéria. Como foi a concepção do EP?
Matéria Prima: A fórmula foi "menos é mais". Quis trabalhar o poder de síntese, principalmente no tamanho dos versos. É um mosaico de versos, alguns mais antigos outros mais novos. Tinham uns versos inacabados que eu terminei em cima de beats que achei na internet. Foi bem interessante usar beats pequenos que pudessem realçar o clima e o conteúdo dos versos.

E a cadência das faixas ficou bem legal, né.
É, rolou uma coesão, mas bem orgânica. Acho que muito pelo fato de abrir com uma intro e fechar com uma música mais puxada para a introspecção, que sugere fim de ciclo, puxa um reflexão. Mas a intenção inicial não era fazer algo com início, meio e fim.

Já que falou da intro, fiquei felizão quando ouvi "Matéria Prima na sua caaaaixaaaa". Adoro essa vinheta.
Aaaah! Sabia! (risos). Esse som surgiu quando um amigo do coletivo Boom Clap, da Bahia, me convidou para um festival de hip-hop que eles iam realizar em Salvador, em 2013. Aí pensei em fazer uma intro para o show, e passei a usá-la direto.

E tem um samples fodões. Michael Jackson, Wu-Tang…
A parte melódica que eu uso na intro remete ao Michael Jackson, então coloquei pra mostrar essa influência, pra mostrar do que é feita a matéria prima. A música do Wu-Tang chama "Wu-Tang Forever", e tem uma parte que o Genius fala: "São músicas demais / As rimas fracas são longas / Abreviem elas / Façam elas mais curtas e duas vezes mais poderosas". Fiquei com isso na cabeça e, nos finalmentes, resolvi usar. Acho que diz muito sobre o trabalho.

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Por quê?
Cara, porque tem a ver com essa urgência de fazer com que as ideias circulem sem esperar que o verso se transforme numa música, necessariamente. Às vezes o verso é tudo o que você precisa.

E qual é a do nome, "Pocas"?
É uma gíria de um bróder, que eu achei foda demais. “Pocas ideia”. Tipo, sem muita ideia pra trocar. Quando fica tenso, não tem muito o que dizer, irmão. Usei no título pra realçar o fator "menos é mais", a coisa de expressar, às vezes com muito, o que é pouco. Um rótulo perfeito para a intenção do disco.

E os beats, bicho? Eles têm um lance meio 70's.
São beats gringos que eu descobri na net, porque não tive a chance de arrumar uma parceria a tempo de colocar o disco no ar. Cada beat que surgia me ajudava a concluir os versos, e eles foram aparecendo de uma forma natural, assim. São de dois produtores, por isso têm pegadas parecidas.

O que você mais curtiu do trampo?
Ah, sou suspeito pra falar, né. Gostei bastante de fazer esse trabalho, porque tive total controle sobre ele. Pude maturar o som, ajustar os climas, criar flows diferentes do que estou acostumado a fazer. Tinha tempo que eu não criava algo nessa linha mais pura, só rimas e beats. Tava sentindo falta desse formato.

Acha que essa pegada mais seca privilegia o conteúdo das letras?
Não sei se privilegia, mas comigo rola um bagulho muito louco. O poder do looping cria uma espécie de hipnose, saca? Com a rima você entra em lugares que não consegue por outros meios. Cria formas de chamar a atenção do ouvinte que são diferentes do que acontece com banda, por exemplo. São dinâmicas distintas.

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Na faixa "Robótica" rola um sample que diz: "A eletrônica está substituindo o coração". Você concorda?
É uma música do Baiano e Os Novos Caetanos, que foi uma banda do Chico Anysio. [A música] chama "Nega" e casou bastante com o conteúdo da música. Acho que ilustra o tanto que essa geração de gadgets e a dispersão tecnológica tem transformado a gente. A atenção vai sendo desviada para coisas que não compensam tanto quanto o contato humano. O diálogo deixa de ser outro senão por chat, onde é difícil entender a intenção, o quão verdadeira é a mensagem. A gente entra num modo automático e mecânico de viver.

A letra vai bem por aí, né.
Pois é. Tem uma rima que fiz uns tempos atrás, que diz: "Supus que pus planos num lugar seguro / Sumiram quando acordei / Acho que perdi no escuro / Fui pra frente do monitor, sem coordenação motora / No automatismo da classe consumidora / De novidades / Sem reflexão, só reflexo". É isso, automático e mecânico. Automático porque a gente acorda e checa o e-mail, vai se deixando levar pelo consumo da tecnologia. Já o mecânico é por conta desse lance robótico, sem sentimento. Fazemos as coisas sem pensar, sem parar para refletir.

E esses poemas do Miró da Muribeca, como entraram no som? Quem é ele?
Descobri o Miró no Facebook. É um poeta pernambucano, de Recife, eu acho. Tinha um vídeo dele no feed e resolvi clicar, por causa do título, que é "Não Falem Poemas Tristes". E a interpretação do cara é sensacional. Diz muito em pouco espaço de tempo. Os poemas são curtos. O que realça o conteúdo é a interpretação. Todo mundo deveria conhecer o trabalho dele.

Pra frechar, o que mais você tá preparando para 2016, Matéria?
Pocas ideia, mano.

O Matéria Prima dá umas pocas ideia no Facebook // Soundcloud

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