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Música

Não existe bala perdida: Matias Maxx entrevista Marcelo D2

Um papo viajandão sobre música, drogas, polícia, além das histórias por trás do autoexplicativo lançamento do DVD ao vivo da turnê ‘Nada Pode Me Parar’.

Todas as fotos por Matias Maxx

Agora é oficial. Passados dois anos de sua gravação, finalmente foi lançado o registro da turnê Nada Pode Me Parar, do Marcelo D2. Com direção de Rafael Kent e embalado numa arte maneiríssima do Petit Pois estúdio, o DVD ao vivo segue uma estética freak show.

Para celebrar o lançamento, D2 convocou um papo com jornalistas, do qual eu tive a oportunidade de participar. A conversa rolou na sede da Na Moral Produções, produtora de Marcelo em sociedade com seu empresário Marcelo Lobato, no Rio de Janeiro — o espaço que estava todo decorado com os discos de ouro, fotos e recortes de jornal com notícias do Marcelo, Planet Hemp e Pitty, que também é artista da casa.

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Entre um cigarrinho de artista e outro, troquei uma ideia com o sagaz homem-fumaça. Participou do papo também o MC Akira Presidente, que junto de Stephan “Sain” Peixoto, filho mais velho do Marcelo, assina algumas das letras do álbum “Nada Pode Me Parar”. Vai vendo.

NOISEY: Eu tive recentemente com o Seu Jorge e ele disse…
Marcelo D2: Mentira! Mentira!

(Risos) Pô! Ele falou que tu tava correndo e tal, que ia correr com ele!
Tou correndo, correndo direto, agora neste momento aqui tem duas semanas que eu não corro. Mas estou correndo, pra dar uma emagrecida, estou nove meses sem beber, sem colocar um gole de alcool no corpo. Resolvi dar uma mudada, uma limpada no sangue um pouco. Natural, né, cara? Parar um pouco, nunca tinha parado, bebi minha vida inteira, e… Resolvi experimentar ver como é ser careta. Doidão, já fui muito tempo. Mas tou fumando né cara? De fumar um, não parei… (risos)

A arte do DVD tem essa pilha do freak show, de certa forma uma banda quando chega numa cidade pequena, por exemplo, é meio que recebida como um freak show!
Com certeza! E não é só em cidade pequena não, em cidade grande também. Quando tocamos em Londres, a gente chega pensando "vamos tomar essa cidade!!". Mas, na real, Londres tá cagando pra você!

Quando você toca, sempre cola uma galera no camarim pra fazer uma presença, mas e quando a maconha é uma merda? O que tu faz?
Não fuma, né? Passa! (risos). Pior que tem neguinho que fala "pô, trouxe um aqui, bom pra caralho!" e é uma porra duma bosta de uma vaca fudida! Lá na equipe a gente chama de “Pelo do Macaco”.

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Queria que você falasse um pouco dessa parceria de fazer música junto com outros MCs, o que não é muito comum no rap, pelo menos não declaradamente. Muita gente tem ghost writer, mas não assume!
Então, na minha vida inteira, eu nunca tinha escrito com ninguém, nunca tinha feito música com ninguém, e com o tempo você vai ficando um pouco mais tranquilo, já sabe que fez bastante coisa. O Stephan já tinha me ajudado a fazer bastante coisa. Eu comecei a fazer com o Stephan e com o NAVE, depois o Jackson e o Akira. O Akira escreveu “Abre Alas” comigo e um pouquinho de “MD2” e a “Cara do Povo”, essas três [músicas] a gente fez junto, além da participação dele no “Fela”, na qual ele canta. O rap tem muito disso, o MC tem que cantar o que ele fala, e tudo bem, mas eu não tenho grilo nenhum em escrever com meus parceiros, já escrevi dez discos. Também não foi o disco inteiro, foi uma música aqui uma ali, é interessante, quero fazer mais.

Akira: E foi um lance natural, não foi “vamos fazer uma track”. A gente foi se encontrando, cantando, escrevendo e uma hora [falamos]: “Vamos botar no disco?”.

D2: É, ir no estúdio, ficar fumando, e falando “nessa hora podia ter isso”, “nessa hora faz aquilo”, acaba que vira compositor.

E vocês têm muita música inédita ou incompleta, sobra de estúdio, essas coisas?
D2: Eu e Akira temos uma inédita que deve ter o que? Dois anos? Tá pior que o nosso DVD (risos). E pô a música é boa pra caralho! É uma pedrada, chama-se “Faz”, daqui a pouco a gente faz…. A gente já tocou em algumas festinhas e tal, a música está até gravada, mas a gente nunca lançou. Por que a gente nunca lançou?

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Akira: Tá finalizando o clipe! Sempre essa história (risos)… Mas vai sair…

D2: Vai sair, a gente até já mudou a base e deve mudar de novo!

Você disse que esse DVD vai ser a última chance do Nada Pode Me Parar ser visto e que os próximos shows já serão diferentes. O que que muda a partir de agora?
Cara, a gente vai mudar bastante coisa, principalmente com a entrada do Muti Randolph — é ele quem fez os vídeos do show do Planet e vai fazer os do meu, quero usar bastante coisa dele. Vamos mudar o cenário, mudar o repertório, as músicas. Eu sempre vi meus shows como uma mixtape, vou ver qual vai ser o caminho agora, talvez ir mais fundo nisso, da mixtape, misturar pedaços de várias músicas…

Recentemente você tocou no Cassino Bangu, um lugar que você já cita nas músicas, que você disse que frequentava muito, ia curtir um funk. Apesar disso, não há uma influência muito clara do funk nos seus trabalhos.
Tu tá falando de funk carioca, né? Naquela época em que eu ia em baile não era esse funk… Era funk mesmo. Baile de funk carioca que eu cheguei a ver foi Cidinho e Doca, dessa época, mas na época do funk carioca eu estava mais no rock, mais no garage do que no baile funk. Frequentei muito o submundo do rock carioca, né? A época era essa. Mas quando eu era molequinho, que ia em baile, não era esse funk que a gente conhece hoje…

Queria que você explicasse o que que é o ‘pesadelo do pop’ que você fala tanto.
Meio que era uma analogia minha do hip-hop chegando no Brasil. Isso começou no Planet, acho que é meio que o neguinho que nem eu — lembro quando a gente começou o Planet Hemp os caras já falavam: “Pô! De onde que vieram esses neguinhos? Legal, fazendo música super contemporânea, sem ser a música da moda, é diferente”. A gente tá em frente a uma parede cheia de recortes de jornal falando “D2 ganha prêmio”, “Marcelo D2 tira onda”, “Marcelo D2 não sei o que lá”, olha aí o “pesadelo do pop”… Falando de maconha no Jornal Nacional.

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O Planet Hemp foi a primeira banda brasileira a escancarar com a maconha. Hoje você vê não só bandas e MCs, como toda uma cultura canábica apadrinhada por vocês. Você sente muita cobrança nesse sentido? Tipo, grandes poderes grandes responsabilidades?
Não, não me sinto muito cobrado, porque a minha parte eu já fiz! Inclusive! O triste disso tudo é que não mudou muito, não mudou quase nada, a gente vê o mundo inteiro andando a passos pequenos mas tá andando né? Acho que a legalização da maconha ainda tá longe, acho que vai acontecer ma num país como o Brasil, eu não sei, acho que é muita ignorância ainda, muito coronel trocando voto por dentadura, país ainda está engatinhando nesse assunto, acho que mudou bastante d vinte anos pra cá quando a gente começou, mas ainda é muito pouco, a gente tá em 2016, eu achava que em 2016 ia estar vendendo na padaria, “mê vê seis pães francês e vinte gramas de bagulho”, não é possível, é meio triste que em 2016 a gente ainda tem de lutar, o mais triste é ainda ver que o tráfico ainda e tão violento, e isso não é só no Rio não, é no mundo inteiro, e ai quando eu falo tráfico eu falo a guerra do tráfico, que envolve polícia corrupta, fronteiras abertas pra entrada de armas, moleque novo com fuzil, isso não é legal. Você acha que as pessoas na favela gostam disso, de ver um moleque cria da favela com treze, quatorze, com um fuzil? É triste pra todo mundo… E tudo isso em prol de que? De que a maconha faz mal, de que as drogas fazem mal, tanta coisa que faz mal em volta. Tanta bala perdida, sendo que pra mim não existe bala perdida, o cara puxou o gatilho, seja policia ou bandido, ele puxou o gatilho pra acertar alguém amigo, e tudo isso porque a droga pode matar. Mata-se pra não se matar, é uma imbecilidade… Mas é isso, o mundo é dos imbecis, eles que mandam, vendem drogas legais enquanto deixam outras ilegais. Triste…

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E por que vocês ficaram tanto tempo sem tocar “Porcos Fardados” — e voltaram a tocar agora?
Porque a polícia tinha melhorado bastante… (risos). Mentira. Cara, é uma música que a gente não tocava no show mesmo, saiu do show eu não sei por que, aquelas coisas de banda, alguém deve ter falado “não quero tocar mais essa merda não”, o outro tava de saco cheio e ai foda-se, não vamos tocar. E quando a gente voltou, nem lembrávamos dela, e agora com tempo de ensaiar, toda semana, uma hora alguém falou “e porcos fardados cara?”. Aí o Formigão já puxou o baixo, que é foda, caraca, a gente não tocava essa música desde 1995, última vez [foi] em 1996 talvez, a gente não tocava nem quando estava ativo na época do Planet mesmo. E é engraçado pra caramba, porque é um rap dos anos noventa, com toda a ingenuidade da época, “homens da lei, são todos marginais, matam pessoas inocentes e continuam em paz, incompetentes, agem acima da razão, ao invés de impor a segurança apavoram a população”. A gente começou a cantar, eu olhava pro Bernardo e ele pra mim e dizíamos “cara! Muito maneiro!”, parece baile antigo, vamos cantar essa porra! A gente tentou cantar de um outro jeito, não deu, aí fizemos igual ao disco e agora ficou maneiro pra caralho.

E a entrada do Nobru na banda, como é que foi?
Cara, o Rafael abandonou a turnê passada. A gente queria voltar a fazer turnê, disco, então “se não dá pra fazer com ele, vamos chamar outro cara”, o Pedrinho e o Bernardo já tocaram com o Bruno várias vezes, Bruno é meio contemporâneo da gente, é da mesma época, cresceu ali, ele é mais moleque um pouco, mas já existia o Cabeça quando o Planet Hemp começou. Ele e o Pedrinho tinham o Cabeça desde quando eles tinham uns 14 anos, são da mesma cena da gente, então foi um nome meio que normal. Ele trouxe uma parada nova pra banda, mas parece que ele é do Planet Hemp há muito tempo, pois a gente se conhece a tanto tempo, ele tá na banda a quatro meses, mas aprece que já é da banda a anos. Parece que sempre teve ali cara, e isso é maneiro pra caralho, se pra mim é bom, imagina pro Pedrinho e o Bernardo que tocaram com ele a vida toda, tiveram banda e tal. Tá maneiro, a banda voltou a ser uma banda mesmo, estamos a fim de fazer músicas novas, é meio triste que as músicas antigas ainda tenham tanta força, parece que foram feitas agora… Vamos ver como vai ser a voz do Planet Hemp em 2016 ou 2017, sei lá quando vai sair música nova, eu estou afim de escrever com o Bernardo de novo. A gente não escreve junto já faz mais de dez anos… O maior arrependimento da minha vida é ter ficado esse tempo todo sem falar com o Bernardo…

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Então a gente pode esperar um Planet Hemp na mesma pegada, contestador!
Não sei cara, vamos ver…

Não tem nada ainda?
Cara, a gente já começou a fazer algumas coisas, mas tem que ver como é que vai sair, não dá pra falar da música antes de ela estar pronta, é muito difícil. Mas nós somos pessoas diferentes, né? Vamos escrever diferente.

Conta um pouco sobre o DVD, tem uma faixa que foi filmada com os celulares da galera, o que foi até parar na capa.
Então, a gente começou a fazer esse show do Nada Pode Me Parar com a ideia minha de fazer um freak show, de levar o show na cidade e tal, com uma coisa mais do que o show, entanto aí a gente botou uma rádio que era uma coisa minha antiga que já queria ter, a gente fez o primeiro show no circo voador, colocamos uma rádio de costas pros arcos. Aí tinha a nossa “Quermesse Profana” e ao invés de atirar bola na boca do palhaço era baseado na boca do D2, só umas brincadeiras assim. Aí o Felipe Motta (do estudo Petit Pois que fez a programação visual do DVD), deu essa ideia de fazer uma arte bem estilo cartaz de circo mesmo “o maior devorador de discos DJ Nuts”, “O incrível e extraordinário Fernandinho Beat Box” que é algo que eu já falava nos shows… Montamos todo o circo para fazer [o show] no Circo Voador mesmo e depois na Audio em São Paulo, já faz dois anos. Demos uma ensaiada boa, mas a banda já estava há dez anos tocando, então foi meio fácil de fazer o show, não teve muito essa de “ah vamos preparar isso”, a gente deu uma mexidinha ou outra, mas a gente já estava querendo gravar a muito tempo. E aí eu conheço Kent, um moleque Baiano que tá morando em SP, um cara super talentoso, muito bom fotógrafo, eu gosto de trabalhar com gente assim, que tem sangue no olho, quer fazer, quer acontecer. O Kent meio que achou um modo de filmar, queria botar câmera no meio da galera ele colocou, botou uma grua que eu reclamei pra caralho, e ele disse “vai ficar maneiro” e acabou ficando maneiro mesmo, dei meu braço a torcer. Resumindo essa linguagem meio de GoPro, a gente fez uma coisa que já tinha feito no do Planet Hemp e depois usou no meu, que é mudar um pouco com o ritmo do show. O meu show tem um ritmo muito diferente, ele vai de uma música pesada, a um sambinha ali de violão, então a gente queria mudar o ritmo da edição e do formato que estava filmando. Uma hora eu tava filmando a passagem de som com o celular e meu deu a ideia de pedir pra galera filmar uma música e mandar pra gente e fazer uma edição só com imagem de celular, e tem outros formatos também, tem uma hora que o cara entra com o SteadyCam no palco e a música toda é um plano sequência…

Eu já fui em várias gravações de DVD. Uma vez eu fui na gravação do disco ao vivo da Plebe Rude, que foi num estúdio, depois samplearam uma plateia gigante. Rolava chope liberado e o público era um monte de jornalistas bêbados, o produtor era o Hebert Vianna, ainda andando, pra você ver como faz tempo, e a galera ficava puxando coro de “Careca” toda vez que ele parava a música e entrava no palco! No seu DVD teve dessas coisas? Ficar parando toda hora, repetindo música ou foi no pau?
(Risos) Não cara! Foi direto, e o Hebert Vianna não estava lá! Infelizmente, porque eu gosto dele pra caralho. Cara, foram dois dias, diferente do [DVD do] Planet que foi um dia só, a gente queria deixar o que fosse errado, a gente tinha duas chances de acertar, fizemos dois shows e usamos as partes que ficaram melhor, mas não refizemos nada em estúdio, é um show, um show ao vivo, o que eu gosto desse DVD, que a gente tem grande culpa, entre aspas, e mérito nisso, é que a gente levou o que é o show mesmo pra lá. Às vezes você vê um DVD e é isso, tudo muito editadinho, vocal editado, plateia editada, aquele fade in e fade out da plateia entre as músicas. Eu não queria isso, queria que fosse uma cosia do jeito que é o show mesmo, mais ao vivo. Uma coisa interessante desse DVD também é que ele tem dez anos de banda tocando, então a gente tava afiadinho, o que teve de erro é natural.

E o DVD do Planet?
Boa pergunta! Agora vai ser essa a pergunta. E o DVD do Planet? E a música nova do Planet? E o disco novo do Planet? Olha os caras da gravadora ali, pergunta pra eles do DVD do Planet! Outro dia eu fiz isso, estavam perguntando do DVD do Planet e eu postei lá o site da Universal, “pergunta pra eles!” (risos).

Matias Maxx, nosso repórter especial para assuntos canábicos, está no Twitter

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