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Música

Exclusivo: Dead Fish Contra a Direita Hardcoreana

O vocalista Rodrigo Lima comenta a polêmica gerada nas redes sociais depois que um post no Twitter da banda deu a ideia de que direitistas não são bem-vindos nos shows.

Quem acompanha o Dead Fish sabe que eles são uma banda de hardcore com forte mensagem libertária, defensores de causas como a regulamentação do aborto, a reforma agrária, o fim do racismo, do machismo, da exploração religiosa, a criminalização da homofobia, o fim da especulação imobiliária e outros pontos. No entanto tem uma galera que ficou chocada quando soltaram na quinta (19) no Twitter da banda um post dizendo, em caixa alta, “SOMOS DA ESQUERDA, SE VOCÊ É DA DIREITA E COLA NO SHOW, VOCÊ ESTÁ NO LUGAR ERRADO! FIM!”.

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Fomos apurar essa história e descobrimos que na real nem foi o pessoal do Dead Fish que publicou esse post, e sim um camarada deles responsável pelas redes sociais. A banda não aprovou a atitude, mas mesmo assim não se esforçou para maquiar sua postura política. Ao contrário de fugir do B.O., no começo desta tarde o vocalista Rodrigo Lima publicou no Facebook uma nota de esclarecimento que enaltece ainda mais a bandeira esquerdista do Dead Fish. Clique aqui para ler o texto na íntegra. Na sequência, bati um fio para o Rodrigo, que me concedeu esta entrevista sobre o ocorrido de dentro do busão atracado pela chuva que despencava do cinzento céu paulistano.

Noisey: Quem da banda postou aquela frase no Twitter ontem e qual é o fato específico que motivou esse posicionamento?
Rodrigo Lima: Quem postou foi o Fagner, que é nosso camarada, responsável pelo nosso social media, ajuda nos nossos projetos, um puta cara legal só que, meu, ele é equivocado em vários aspectos e ele às vezes acha que não está nadando com os tubarões. Hoje a mídia social brasileira está extremamente radicalizada pro lado errado. Só o fato de frisar que o Dead Fish é uma banda à esquerda já gerou um barulho, uma polêmica, mas eu seguro minha onda. Acho que ele foi provocado por alguém do Instituto Millenium, alguém grande, e perdeu bastante ali, sabe? Eu vi esse negócio bem à noite, porque eu não tenho rede social, não tenho Facebook, não tenho Twitter, nada disso. Não tenho paciência para essas coisas, quando quero ver algo eu olho no Google, quando quero saber de música eu procuro algumas coisas no aplicativo que eu tenho e é isso. Mas, enfim, cagou e… Cagamos, né? Porque ele cagou, cagamos nós [risos]. Ele era o responsável pela coisa toda e aí ficamos ontem à noite, junto com o André Pastura, que é o nosso empresário, conversando sobre isso e eu falei pra eles que cagou no pau, isso abriu um precedente do tamanho de uma Avenida Paulista pra virar uma bola de neve. Aí na hora eu falei pros caras se virarem, já que eu não tenho nem mídia social. Só que aí, cara, eu comecei a receber telefonemas de um monte de gente querendo saber o que estava acontecendo, uns amigos de Vitória ligaram, até um camarada da Argentina, que veio perguntar se estava tudo bem. Foi aí que eu decidi tomar pé da situação.

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Você não ficou chocado com a quantidade de pessoas que diz que curte o som do Dead Fish e ao mesmo tempo se mostra alienada sobre a postura política da banda?
Isso existe em todos os nichos, né?! Mas a gente procura sempre pontuar, é sempre importante. Principalmente neste momento que o Brasil está vivendo, é importante pontuar. Eu fiz isso no primeiro show do Hangar 110, só que passou dos limites, cara. Ele abriu uma brecha de falta de respeito e de egoísmo ali que não precisava. E nego entrou nessa brecha igual o ataque do Flamengo contra o Vasco na final.

Quando você diz que é de esquerda, muita gente pensa que esquerda é o PT. Isso mostra uma assustadora desinformação em relação ao que é a luta libertária, não acha?
Sim, por isso que eu digo que o Dead Fish é a favor de uma pauta à esquerda, não uma pauta petista. É uma pauta de mudança de atitude também, de conscientização como indivíduo e como classe. A mídia de massa está massacrando, estou lembrando da época do Collor. Lembra da edição do Brizola no debate, da Veja, da filha bastarda do Lula? Aquele foi o último ano que eu fiz campanha pro Lula. O Lula tinha que ter ganhado era contra o Collor. Tudo bem, não há como defender o PT como governo. Quem vai defender a quantidade de cagada que ele fez? Então eu pontuei hoje naquele manifesto que há 24 anos a pauta do Dead Fish é essa, essa pauta não aconteceu ainda, e não acontecerá enquanto as pessoas não tiverem consciência de classe, consciência de postura, e continuarem cobrando barato uma coisa que vivemos há vinte anos. Estamos voltando no tempo, cara.

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Tudo o que você elenca naquela nota de esclarecimento remete a valores universais de uma revolução social, e não a uma discussão sobre qual partido é melhor que o outro…
Aquilo que eu coloquei ali é um ideal de mundo, não é de Brasil. Todo mundo quer o dólar a R$ 2,10 pra poder ir pra Miami, sabe? Mas os pontos que estão ali são pontos cruciais e universais para qualquer lugar civilizado, republicano. Eu não estou falando nem de Acracia, Anarquia, estou falando de República.

Tenho para mim que falta formação política para a maioria das pessoas que discute o futuro do país nas redes sociais. Essa coisa de achar que o PT é socialista / comunista, por exemplo.
Eu falei numa entrevista semana passada isso, e vou repetir: a aliança do PT é uma aliança de centro-direita! Direita! Nós temos provas disso nos últimos anos. Não que eu quisesse que o Aécio entrasse. Não, mesmo! Mas eu também não votei no PT. A discussão política é rasa. Esse é um dos motivos pelos quais eu não tenho rede social. Não gosto de perder tempo lendo e tendo que replicar ou pensar sobre esse discurso polarizado e raso. A discussão é mais a fundo. Eu estou assinalando o meu ponto de vista, claro, depois de uma cagada brutal de um cara que trabalha comigo. Mas assumo o erro como nosso, não estou empurrando isso pra cima de ninguém porque ele é um moleque legal, a gente tem essa coisa do punk, de estar na crew, na gangue, por mais que você seja mais frágil, menos educado, ainda prefiro um cara desses, que seja sincero, do que um super intelectual que vai mudar de lado amanhã.

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Tem uma galera postando por aí que é de direita, mas que não vai deixar de ir nos shows da banda…
Isso é um fenômeno que eu não consigo explicar, é igual skinhead nazista negro, sabe? Eu não consigo explicar isso pra você, simplesmente…

O reaça não pensa que se o ideal dele de volta da ditadura for colocado em prática, bandas como o Dead Fish vão se foder? Aí ele não vai mais poder curtir a banda, é capaz até de ser preso também, ter os CDs confiscados como crime de pensamento [risos].
Total, vai simplesmente colocar essa banda numa clandestinidade, vai colocar essa banda num alçapão de silêncio. E não é por aí. Se o sujeito não tem essas ideias alinhadas com as nossas, se você é racista, homofóbico, tem preconceito de classe brutal, e a gente sabe que em São Paulo existe muito isso, tem alguma coisa errada em frequentar um show de uma banda que prega autonomia, reforma agrária, revolução, mudança de comportamento.

Foto: Igor Lavrador

Vocês nunca foram militantes de nenhum partido ou organização?
Eu também tenho todas as críticas a partidos, muitos, quase todos. A nossa militância sempre foi com a música. Não acho que por ter uma postura à esquerda eu precise me filiar a um partido Trotskista ou a um PC do B. Na verdade eu tenho muitas críticas principalmente ao PC do B, que faz parte do governo. Acho que erraram e foram fisiologistas, estúpidos, tanto quanto muitos partidos de direita. Vai ser bom agora porque está tudo pontuado. Vamos ver se alguém vai ter alguma dúvida daqui pra frente.

O que você tem achado do rumo que a discussão está tomando?
Só espero que seja uma discussão razoavelmente decente e produtiva. Eu li três comentários que o André me passou e eu achei de uma limitação intelectual, de uma parcialidade rasa. Não precisa ser assim.

Você teme que uma galera de direita comece a causar nos shows do Dead Fish agora?
Vamos ver o que vai acontecer. Acho errado esse fundamentalismo. Fico receoso com alguma coisa de violência recíproca. Violência física, isso me deixa preocupado. Mas, por enquanto acho que colocamos nossa postura, as pessoas que estavam equivocadas agora sabem. Não sei se quero ou devo replicar algumas reações. Acho que esses embates não vão ser fáceis pra ninguém, vai ser um ano complicado. Até o fim do ano vai ser bastante duro, e quem tem essa pauta progressista, libertária, mais à esquerda e menos fundamentalista, mais ética, vai ter que aguentar a ultra direita. Só sinto medo mesmo da violência. Antigamente eu não tinha esse receio, achava que dava para resolver tudo no diálogo, no debate, mas hoje, não.

Sobre o rapaz que publicou a frase, vocês vão demitir o cara?
Eu fui pela saída dele, e agora preciso consultar a banda. Ele é um cara que eu gosto muito, mas por conta dessa baita brecha, não sei se ele pode ficar. Foi uma quebra de protocolo, de procedimento. Temos uma ética interna, e essa ética foi quebrada.

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