O Oathbreaker conseguiu misturar vocais limpos e blast beats como ninguém no seu disco novo​​

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Música

O Oathbreaker conseguiu misturar vocais limpos e blast beats como ninguém no seu disco novo​​

Conversamos com a vocalista da banda belga sobre a produção do recém lançado ‘Rheia’, que traz mais melodias e representa um ponto de virada na carreira da banda.

Foto: Divulgação

Uma das bandas mais talentosas e interessantes a surgir nos últimos anos no metiê global do metalzão, o Oathbreaker conseguiu se superar e surpreender muita gente com o recém-lançado Rheia, em que mistura mais melodias ao seu já conhecido black metal/punk recheado de influências.

Produzido por Jack Shirley, conhecido por seu trabalho com o Deafheaven, o terceiro disco dos belgas pode assustar em um primeiro momento por trazer um som talvez mais limpo em relação aos dois primeiros trabalhos da banda, Mælstrøm (2011) e Eros/Anteros (2013).

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Mas, após algumas audições, é impossível ficar indiferente ao novo álbum, que traz certamente as melhores músicas já escritas pelo Oathbreaker, casos de "Being Able to Feel Nothing", "Immortals" e "Needles in Your Skin".

Na entrevista abaixo, feita entre agosto e setembro, um pouco antes do lançamento de Rheia, a vocalista Caro Tanghe fala sobre essa nova fase do Oathbreaker, que agora conta oficialmente com duas guitarras na sua formação, as dificuldades em alternar seus cada vez mais presentes vocais limpos com os gritos característicos dos seus álbuns anteriores e as diferenças entre trabalhar com produtores como o já citado Shirley e Kurt Ballou (Converge), além de revelar como Os Simpsons influenciaram seu início no mundo da música.

NOISEY: As primeiras músicas do disco novo que foram lançadas, "Needles in Your Skin" e "10:56/"Second Son of R", são faixas realmente longas e épicas que misturam muita melodia e vocais limpos de um lado e muito peso, com vocais gritados e blast beats do outro. Foi uma decisão consciente seguir esse caminho de "extremos", vamos dizer, no novo álbum?
Caro Tanghe: Não foi uma decisão consciente, mas tendemos a prestar muita atenção nas dinâmicas quando estamos escrevendo um disco. Partes barulhentas e intensas só podem soar assim quando há espaço para momentos mais calmos e tranquilos. Penso que é realmente importante ter ambos em um disco, porque isso mantém as coisas interessantes. Não consigo escutar álbuns que sejam apenas 60 minutos da mesma intensidade. Esse disco foi escrito como um todo desde o início, com seus altos e baixos. Então quando você lança os singles, é difícil para mim isolar as músicas. Prefiro que as pessoas escutem o álbum todo para que possam ser levadas pela história dele.

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E como foi trabalhar desta vez com o Jack Shirley após ter o Kurt Ballou no álbum anterior, Eros/Anteros (2013)? O Jack é conhecido especialmente por trabalhar com bandas que fazem esse tipo de mistura de um som mais melódico com punk/metal, como Deafheaven e Loma Prieta. Aliás, esses discos foram a razão para terem escolhido trabalhar com ele agora?
Jack é um ótimo cara e um engenheiro de som incrível. Nós adoramos o som do último disco do Loma Prieta, Self Portrait (2015). Ele consegue dar personalidade aos discos. Quando você ouve um disco do Deafheaven, vai soar como Deafheaven. E a mesma coisa com o disco do Super Unison, ele fez soar como um álbum do Super Unison. É difícil comparar o Kurt com o Jack. Os dois são ótimos engenheiros de som e produtores, mas possuem abordagens muito diferentes na hora de gravar. O Eros/Anteros foi gravado completamente em formato digital e com metrônomo e penso que essa foi a melhor abordagem naquela época.  [No Eros/Anteros] focamos muito na perfeição e prestamos muita atenção aos detalhes, quase mais do que ao sentimento geral do disco. Já o Rheia começou como uma gravação analógica, o que significa que a fundação foi gravada ao vivo na fita, sem o click do metrônomo. Acho que o Jack nos ensinou a focar no sentimento da música em vez de deixar tudo o mais perfeito possível.

Ainda sobre o disco novo. Como foi o processo de composição dessa vez? O fato de vocês agora contarem oficialmente com duas guitarras, já que o Gilles (Demolder) trocou o baixo pela guitarra, influenciou de alguma forma o som do novo álbum?
O processo de composição não mudou muito. Escrevemos o Eros/Anteros de uma maneira parecida com o novo, com duas guitarras. É apenas o caso de que é muito mais difícil tocar as músicas do Rheia ao vivo com apenas uma guitarra. Há muitas camadas importantes que não seriam tocadas nos shows, por isso decidimos mudar um pouco a formação da banda. O Lennart (Bossu, guitarrista que também toca no Amenra) e o Gilles agora estão oficialmente tocando guitarra e estamos testando alguns baixistas ao vivo. Então não, isso não influenciou realmente o som do novo disco. Ficamos compondo por muito tempo, o que foi realmente importante. Não queríamos escrever outro Eros/Anteros e as coisas que achamos que podíamos fazer melhores foram as que decidimos trabalhar para esse álbum. Apesar de o Eros/Anteros parecer mais com músicas e elementos separados e um período de transição, penso que foi um disco necessário para nos dar confiança para experimentar mais com os sons. Usar vocais limpos com blast beats, por exemplo, é algo que queríamos fazer dar certo há muito tempo, mas nunca soava bem. Há uma linha muito fina entre algo soar muito bem ou muito brega. Penso que a fase de experimentação na composição do Rheia foi definitivamente o momento mais crucial que influenciou para onde queríamos ir com o disco e como ele iria soar.

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Vocês lançaram recentemente um vídeo muito bonito e intenso para "10:56/Second Son of R". Como foi ter meio que entrar no personagem para a gravação? E vocês tiveram alguma influência na criação do clipe? Ele realmente coloca o espectador dentro da música.
Obrigado. Sim, todas as ideias para esse vídeo e a maioria das coisas visuais do Oathbreaker vem de mim ou do Gilles. Nós trabalhamos juntos com os caras do Maanlander, dois amigos da Bélgica que fizeram muita coisa para nós, como a capa do Rheia. Como já fizemos muitas coisas com eles, eles conhecem nosso estilo e preferências. Não são necessárias muitas palavras para que eles entendam para onde queremos ir visualmente e é por isso que adoramos trabalhar com eles. Sobre o clipe, não foi difícil entrar no personagem, eu só queria algo que fosse visualmente interessante para a música. O clima da música quase corta seus tímpanos e seu coração e eu queria que o vídeo fizesse exatamente a mesma coisa.

Além de um vocal gutural/gritado muito bom, você também possui uma voz muito bonita para linhas vocais limpas, como podemos ouvir principalmente no disco novo. Você se sente mais exposta e/ou acha que é mais difícil cantar desse jeito?
Para mim, é muito mais difícil. Cantar exige músculos completamente diferentes dos usados na hora de gritar; músculos que eu não usava há um bom tempo. É especialmente difícil ficar mudando entre as duas formas de cantar e encontrar um bom equilíbrio, mas nada que não possa ser alcançado com muito treinamento. Gritar é a minha zona de conforto e se forçar a sair daí nunca é algo fácil. Você pode ser uma ótima cantora e tudo mais, mas sempre será um desafio tocar ao vivo em uma turnê com circunstâncias imprevisíveis. Isso é o que mantém as coisas interessantes. Gosto quando preciso me esforçar todos os dias, o conforto me deixa entediada.

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Ainda sobre isso. Você já pensou em gravar um disco solo? E o que pensa sobre artistas como Chelsea Wolfe, Emma Ruth Rundle, Shannon Wright, Marrisa Nadler, Dorthia Cottrell, entre outras, que vem surgindo na última década?
Na verdade, nunca pensei sobre isso não. Sou uma cantora e gosto de experimentar com vocais, mas não sou uma instrumentista, que cria música de verdade, como o Gilles ou o Lennart. Adoraria continua tocando com eles como uma banda, sinto que todos contribuímos com as nossas partes para tornar o Oathbreaker uma entidade. Tenho muito respeito por artistas solo como Emma Ruth Rundle, Marissa Nadler, Julianna Barwick, Julien Baker e PJ Harvey, mas é apenas algo que não me vejo fazendo.

​As mulheres na cena metal/hardcore possuem as mesmas oportunidades que qualquer um, elas só precisam trabalhar e ir atrás das coisas.​

Apesar de o Oathbreaker não ser apenas uma banda de metal, já que possuem muitas influências, vocês costumam ser relacionados com esse universo, que é considerado machista/sexista por muitas pessoas. Como você enxerga isso? E já teve alguma experiência neste sentido?
É meio que um clichê o fato da cena metal/hardcore ser considerada sexista. E quanto mais falamos sobre isso, mais alimentamos o clichê. Nunca tive nenhuma experiência negativa quanto a isso e sempre trabalhei duro tentando criar oportunidades como qualquer outra pessoa pode fazer. As mulheres na cena metal/hardcore possuem as mesmas oportunidades que qualquer um, elas só precisam trabalhar e ir atrás das coisas.

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Aliás, vocês são de Ghent, uma cidade relativamente pequena que possui outras bandas incríveis como Amenra, The Black Heart Rebellion e Rise and Fall, sem mencionar projetos como Kingdom e Wiegedood, entre outros. Há algo de diferente na água aí? Como é a cena na região? Vocês todos parecem muito próximos, pelo que pude ver nas duas últimas edições do Amplifest , em Portugal.
Não acho que a água daqui tenha algo de diferente. Acho que é importante dizer que não somos de Ghent, mas do litoral da Bélgica — assim como o Amenra, eles são de Kortrijk, não de Ghent. Ghent é apenas uma das cidades mais vivas da Bélgica e muitas pessoas acabam ficando por aqui. Somos todos muito próximos, já que todos tocam uns com os outros em diversas bandas. Amenra, Oathbreaker, Wiegedood, TBHR, Syndrome, CHVE, Hessian, todos compartilham integrantes de bandas. É uma cena pequena, mas boa e muito dedicada e vibrante, que cria uma ótima atmosfera e também uma ótima plataforma para novas bandas e projetos.

Além dessas bandas de que falei na pergunta anterior, vocês já falaram sobre serem muito próximos com o Hierophant, da Itália. Quais outros artistas você vê como espíritos semelhantes na Europa e no mundo todo?
A maioria das bandas com as quais já fizemos turnês são espíritos com mentes parecidas com as nossas e definitivamente criamos um laço com muitas delas. Vou citar algumas aqui, mas são muitas: Converge, Loma Prieta, Super Unison, Cancer Bats, Birds in Row, Gatecreeper…

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Foto: Divulgação.​

Como pude ver recentemente no Amplifest 2016, vocês são uma banda bastante intensa no palco. Você possui algum ritual antes dos shows? E há alguma razão específica para a sua postura no palco com o cabelo na cara o tempo todo?
Além de tentar entrar no clima do show ao me isolar por alguns minutos antes de subir ao palco, não tenho realmente nenhum ritual antes de tocar. E não, não fico pensando sobre como fico no palco.

Por favor, me diga três discos que mudaram a sua vida e por que eles fizeram isso.
Não consigo lembrar quando, como ou por que isso aconteceu, mas sabia que a minha vida tinha mudado na primeira vez que ouvi Sonic Youth.

​No começo, eu tinha de escolher um instrumento e aprender como tocá-lo. Escolhi o saxofone porque queria ser a Lisa Simpson na época! Não levou muito tempo para eu descobrir que tocar saxofone não era para mim. Por isso, comecei a cantar.​

Aliás, quando você começou a cantar e quais eram suas influências naquela época?
Comecei a cantar aos nove anos de idade porque a minha madrasta me obrigou a fazer aulas de música. No começo, eu tinha de escolher um instrumento e aprender como tocá-lo. Escolhi o saxofone porque queria ser a Lisa Simpson na época! Não levou muito tempo para eu descobrir que tocar saxofone não era para mim. Por isso, comecei a cantar. Principalmente coisas clássicas no começo. Mas rapidamente me apaixonei por algumas bandas new wave das quais meu pai tinha discos, como The Cure, The Police, Talking Heads, mas também Duran Duran e Cocteau Twins. Fiquei obcecada com a voz da Elizabeth Fraser.

Essas são as duas últimas perguntas. Além da música de outras pessoas, o que mais te influencia na hora de escrever suas músicas e letras?
Qualquer coisa pode me influenciar, de verdade. Tirei muita inspiração das minhas próprias experiências para esse disco novo. Veremos para onde o próximo álbum me leva.

Do que você tem mais orgulho na sua carreira?
Tenho muito orgulho desse disco novo. Trabalhamos extremamente duro nele e não poderia estar mais satisfeita com o resultado final.