Pode perguntar pro Aori, a Batalha do Real continua foda

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Pode perguntar pro Aori, a Batalha do Real continua foda

Treze anos depois, uma das batalhas de MCs mais importantes do rap brasileiro volta com produção de Olímpiadas da Rima e tentando cortar xenofobia, homofobia, pederastia e ressaltando a mensagem.

Todas as fotos por Matias Maxx.

Eu tava num restaurante a quilo quando a Dilma deu a coletiva após seu afastamento. O "closed captions" estava desligado, mas a chuva torrencial que desabou naquele momento no Rio de Janeiro, após uma semana de verão antecipado, tornava a cena especialmente mais deprimente. Abdiquei do purpurinado evento "Fora Temer", mergulhei o sneaker novo na poça d'água e rumei pro outro lado do túnel, ZN, mais especificamente Imperator, no bairro do Méier, onde ninguém bobeyer. Precisava salvar essa quarta-feira escrota.

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A missão do dia era a Batalha do Real, um evento para o qual eu tenho um carinho muito especial. Afinal, eu tava lá em 2003 na casa do Aori, o QG da Brutal Crew, um apê na Rua do Riachuelo, clássico. Tinha uma sala ampla — a casa tinha sido da avó dele —, portanto tudo era clássico mesmo, piso e móveis de madeira, papel de parede com textura, tinha um piano de um lado da sala e no outro uma bancada tomada de um Frankenstein de PCs, mesas de som, placas, MPCs, MKs e todo tipo de equipamento que a galera conseguiu reunir conectados em muitos, muitos cabos. Lembro de estar fazendo fumaça com Aori, Babão e o MC Funkero, que na época carregava a complicada alcunha de MPR Marginal além do Marechal (que só fica na marola). Esses são quem eu tenho certeza que tavam lá quando o Marechal disse, "ai tive uma ideia, Batalha do Real, cada um dá um real e quem ganhar leva o bolo" ou qualquer coisa parecida, algo assim, acho que eu tenho um vídeo disso, ou não, a fita embolou se pá, mas pode perguntar pro Aori. Na mesma noite as caixas foram armadas no bar do Zezinho e a magia aconteceu: o bar ficava na Rua Riachuelo 73, exatamente embaixo de onde morava minha namorada na época.

Bons tempos que renderam este mini DOC aqui, que na real é uma edição feita às pressas para tentar abocanhar um edital. Não rolou, mas aí eu mandei pra tudo que era festival do cinema, e a galera do Festival Cine Esquema Novo não só exibiu como premiou o curtinha numa categoria bem controversa, "Melhor interpretação" para Marechal e Don Negrone. É claro que eu travei o troféu.

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Treze anos se passaram. E aconteceu muita coisa, teve liga dos MCs, que revelou por exemplo monstros como os MCs Gil e Maomé, cada um seguindo seu rumo. Arrisco dizer que as rimas desleixadas, maconheiras e fanfarronas da cena de freestyle do Rio influenciaram MCs e rodas de rima Brasil afora. No Rio mesmo, rodas de rima não param de pipocar na sul, norte, oeste, baixada e nikity afora. Se tu for ratão mesmo tem programa pra cada naite da semana. As condições nem sempre são as melhores — muitas rodas ainda são no estilo "cypher", no gogó, tem a Guarda Municipal e a Prefeitura sempre no pé e rima merda, homofóbica e machista pra dar e vender, mas, como diz o Brown, até no lixão nasce flor.

Em 2003, as vagas para batalhar eram preenchidas por ordem de chegada. Tinha MC que madrugava a base de água, pão e banana na porta do bar pra poder pegar as vagas que eram preenchidas já de manhã, e a noite ainda rolava uma fila de espera caso algum MC faltasse. Desta vez foi realizada uma parceria com as 16 rodas de rima espalhadas pelo RJ, cada uma delas indicou quatro MCs, e coube ao Nuno MC, veteranos no xarpi (onde assinava Nuno DV), escolher 16 dentro desses 64 nomes, "Me senti meio que o Orfeu tendo que escolher os 16 Neos que iam participar da Matrix que é a BDR. Quando [a lista] estava em 30 nomes, não tinha mais nenhum motivo para tirar ninguém da lista, todos eram ótimos". O resultado dessa garimpagem revelou uma galera de alto nível, e inédita no palco da Batalha do Real.

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As expectativas para a volta da Batalha do Real se inflaram depois da rima arrepiante lançada por Marechal na polêmica "Quem Tava Lá?", do Costa Gold, que também contou com participação do Luccas Carlos. No flow, Marechal apresenta sua biografia desde seus tempos como "Bell boy" da Zoeira, a festa que fez o rap acontecer no Rio, até seu Projeto Livrar, no qual ele distribui livros em seus eventos. A rima segue passando por todas suas conquistas na Batalha do Real e Liga dos MCs, lembrança coroada com a frase: "Pode perguntar pro Aori", frase imediatamente memetizada. "PóperguntápoAori" foi a senha pra descolar o desconto de R$20 pra R$10 na entrada do evento. Também foi a piada mais recorrente durante todo o evento, "Virou chavão! Haha! Logo quem?", disse em algum momento ao microfone o DJ Babão, seu comparsa na clássica dupla Inumanos.

O evento foi apresentado pelos MCs Marechal e Coé, todas as bases usadas na batalha foram exclusivas, produzidas pelos DJs Machintal, Mr Break e GoriBeatzz. Cada MC rima duas vezes, e a plateia escolhe o vencedor, em raríssimos casos rola um terceiro round. Logo após uma das primeiras rodadas, Marechal e Babão interromperam o evento para dar um toque: "sem xenofobia, sem preconceito, sem pederastia, sem maldade, sem precisar baixar o nível. E sem contato físico porque o contato é verbal". O termo xenofobia tem uma história antiga, de 2003, quando o MC Angolano Kakacula, constantemente sacaneado pelo seu sotaque, reclamou da xenofobia ao microfone, o termo pegou e é usado para qualquer tipo de agressão verbal que vão de homenagens a mãe alheia a insinuações de cunho sexual. Lamentavelmente, ainda assim teve MC vacilando, como um mané aí que falou pra MC Natalhão, assumidamente homossexual, que "de noite ela era João". Vacilão do caralho!

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A noite ainda teve shows do Inumanos, MC Funkero, Kayuá, e os MCs da Pirâmide Invertida (Akira, Sain, Nectar Gang, etc). Ao final do show puxaram um "Fora Temer" e disseram que a "galera tem de se posicionar, lembrar das origens do hip hop, e ir pras ruas!". O campeão da noite foi o MC Xan, logo numa de suas primeiras batalhas ele respondeu um cara que citou o Sabotage em sua rima assim, "tu cita o Sabota mas o que tu ouve é Projota!". Xan escreveu seu primeiro rap em 2008, mas já frequentava a Batalha do Real. Ele integra o Vandal Corp, que tem este videoclipe aqui.

Batalha é aquilo, grandes momentos e muita merda também. Teve um cara que falou pro colega "pegar na minha Pokébola". Jura, mano? Mas o mais bonito de ver foi o encontro das gerações, o máximo respeito imposto aos MCs da antiga, que retribuiam o carinho com depoimentos emocionados. O MC Funkero disse: "fico feliz porque a Batalha faz parte da minha história e hoje tem outra história. E eu sou só um cara feliz". "Não foi bunda nem droga que me conquistou pro rap", fez questão de lembrar o MC Coé. Havia sempre a preocupação de passar uma mensagem, deixar a galera esperta. O rap do Rio revelou muita coisa boa, mas ultimamente espalhou muita merda, lembra daquele videoclipe merda com o Márcio Garcia? Pois é.

Perguntei pro Marechal o que ele achou da Batalha e da cena atual: "Gostei bastante, todo mundo está mais preparado e entendo o propósito da parada. Sempre tem os excessos, mas muitas vezes são excessos de emoção mesmo. Os MCs que foram pras semifinais estavam muito no ponto. Hoje em dia temos fontes de referência nossa mesmo para poder estudar, evoluir. Todo dia no YouTube você vê vídeos de sete, oito batalhas novas. Calculando isso por ano, são mais de mil batalhas. O pessoal respeita a responsabilidade da Batalha do Real, tem isso, e eu vejo que por mais que tem muita gente ainda evoluindo, de repente não falando algo tão concreto, [o agora] é uma fase. Daqui a cinco anos a coisa vai estar mais forte, com essa molecada nova apresentando uma outra galera de repente." É claro que eu tive de perguntar do disco, "Já estou fazendo esse disco a um tempão, já fiz e desfiz e ele, mas estou bem feliz com o que ele tá ficando agora. E provavelmente o Papai Noel vai trazer pra galera."

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O Rap aguarda ansiosamente. Mas enquanto o disco não vem, veja como foi a (nova) Batalha do Real em imagens:

DJ Babão nos toca discos, fundador da Brutal Crew que tem como lema "Brutal, só sinistro". Foto por Matias Maxx.

MC Aori se reúne ao DJ Babão para formar a dupla Inumanos, uma das pedras fundamentais do rap underground carioca. Foto por Matias Maxx.

Mc Coé foi um dos muitos MCs revelado na cena da Batalha do Real e Liga dos MCs no inicio dos 2000s. Foto por Matias Maxx.

Foto por Matias Maxx.

A presença constante do MC Marechal, sempre sério e prestando atenção nas rimas, intimidava os jovens batalhantes. Foto por Matias Maxx.

MC Coé e Marechal. Foto por Matias Maxx.

MC Xan no microfone em seu primeiro round de batalha. Foto por Matias Maxx.

MC Xamã se apresentando para mais uma batalha. Foto por Matias Maxx.

MC Samantha Zen e MC Rayzen. Foto por Matias Maxx.

Após a primeira rodada de batalhas rolou uma pausa para o som pesadão do Kayuá. Foto por Matias Maxx.

MC Funkero e MC Marechal tentam trocar uma ideia na escada do backstage, interrompidos de dois em dois minutos por selfies. Foto por Matias Maxx.

Bonde da patifaria no camarim: Rico Neurotico, Xamã, Gil Metralha, Sheep Rimador, Nato, DJ Mohamed Malok, Negra Rê, Schackal e Lápide. Foto por Matias Maxx.

Marechal tava lá! Foto por Matias Maxx.

MC Iguin aguenta as marteladas do campeão da noite, MC Xan. Foto por Matias Maxx.

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Mas sempre rola um troco, e o Marechal de olho em tudo ali atrás. Foto por Matias Maxx.

MC Ruiva e MC Xamã. Foto por Matias Maxx.

MC Natalhão (à direita) foi destaque na noite, mas não conseguiu avançar pras finais. Foto por Matias Maxx.

A galera que decide quem é o campeão da rodada, fazendo barulho, e quando há duvida a decisão é feita levantando a mão. Foto por Matias Maxx.

Quando a galera do selo Pirâmide Perdida subiu no palco, abriu a roda de pogo geral! Foto por Matias Maxx.

MC Funkero fez um show aceleradissímo, como é de costume. Foto por Matias Maxx.

Dá pra rimar MC Xan com MC Xamã? Foto por Matias Maxx.

É sempre divertido registrar a cara de merda que um MC faz pro outro. Foto por Matias Maxx.

DJ LP foi um dos residentes das primeiras Batalhas do Real. Foto por Matias Maxx.

MC Marechal. Foto por Matias Maxx.

MC Marechal entrega livros para a plateia como parte de seu Projeto Livrar. Foto por Matias Maxx.

Stephan Peixoto, vulgo Sain do TTK, no palco com a galera do Pirâmide Perdida. Foto por Matias Maxx.

Muita expectativa pela decisão do campeão da Batalha do Real especial 13 anos. Foto por Matias Maxx.

MC Aori, desde a rima do Marechal em "Quem tava lá", eleito a bíblia do rap underground carioca. Foto por Matias Maxx.

​Aaliyah, filha do Aori, encerra a noite pedindo pra galera jogar o braço pro alto. Filha de peixe… Foto por Matias Maxx.

A Batalha do Real continua! Vai lá no site oficial ou no Facebook deles para saber mais.