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Música

O Russian Circles voltou ao peso

O guitarrista da banda norte-americana Mike Sullivan fala sobre como é chegar ao sexto — e mais pesado — disco em 10 anos, o ótimo ‘Guidance’, produzido com a mão pesada de Kurt Ballou (Converge).

Russian Circles. Foto por Ryan Russell/Divulgação.

Após 10 anos de carreira, o Russian Circles não perdeu o ímpeto de fazer metal instrumental da melhor qualidade. Pelo contrário, aliás, já que o recém-lançado Guidance (2016), sexto trabalho de estúdio da banda, traz o trio de Chicago mais pesado do que nunca.

Com a produção sempre certeira de Kurt Ballou (Converge), o novo álbum da banda de Chicago obviamente traz passagens pelo pós-rock, mas a distorção no talo e os riffs metal imperam ao longo das sete faixas, com destaque para “Mota”, que poderia ter saído do já clássico Station (2008), e para as ultrapesadas “Vorel” e “Calla”, que contam até com influências de black metal nas guitarras.

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Na entrevista abaixo, feita alguns dias antes do lançamento de Guidance, o divertido guitarrista Mike Sullivan fala obviamente sobre a produção do disco com Ballou, relembra a amizade com os conterrâneos do Pelican, revela que era obcecado por Dimebag Darrell na adolescência e ainda explica como o Sepultura o levou para longe do catolicismo e para perto do metal. E ouça o disco enquanto lê a entrevista:

Noisey: Vocês acabam de lançar um disco novo, Guidance (2016), que talvez seja o seu trabalho mais pesado e dark. Concorda com isso? E foi por isso que escolheram o Kurt Ballou (Converge) para produzir o álbum?
Mike: Nós decidimos trabalhar com o Kurt antes do álbum tomar forma, sem saber se seria pesado ou não. Mas sabemos que as habilidades dele estão no lado de uma produção mais pesada, então tínhamos consciência disso durante o processo de composição. Sempre haverá uma dualidade na música, luz e escuridão e tudo isso. Nós apenas fizemos o que fizemos sem pensar muito sobre como o Kurt afetaria isso. Mas definitivamente queríamos aproveitar a tendência dele produzir coisas mais pesadas.

Mas vocês já sabiam que o disco seria pesado desse jeito quando estavam compondo? Porque o Brian (Cook, baixista da banda) me disse há alguns anos que quando vocês estavam para lançar o Empros (2011), ele sentia que não era um disco muito pesado e o oposto com o Memorial (2013), o que acabou sendo o contrário nos dois casos, já que são álbuns muito diferentes. Como foi o processo desta vez?
No início, nós estávamos meio que…não preocupados, mas tínhamos consciência que o disco não era tão pesado. E, como sabíamos que trabalharíamos com o Kurt, pensamos algo como “Ei, devemos nos certificar de ter algumas coisas fortes aí, umas músicas mais pesadas”. E, à medida que o processo de composição se abriu, começamos a gravitar em tornos de coisas mais pesadas. As partes mais delicadas e suaves geralmente surgem quando uma pessoa está compondo sozinha e então a banda meio que entra para ajudar a finalizar a música. Mas as faixas mais pesadas são verdadeiras colaborações entre todos na banda. E essas são as músicas em torno das quais gravitamos ao vivo. Por isso, quanto mais trabalhamos numa música, mais pesada ela costuma ficar. E, com isso, conseguimos levar essa faixa por mais altos e baixos, luz e escuridão e tudo mais. Então sim, nós meio que levamos o álbum para um lado mais pesado, já que estava um pouco mais suave no início. Voltando à primeira pergunta, nós trabalhamos para garantir que tivéssemos coisas pesadas.

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E por acaso há um conceito que liga os nomes das músicas, como “Lisboa” e “Afrika”, com a foto e arte da capa do disco?
Não há uma conexão direta entre esses elementos. Temos uma razão para usar essa foto na capa e outras imagens que estão presentes no encarte. Mas não há uma correlação direta entre essa parte visual e os nomes das músicas. E isso foi intencional, já que não queremos direcionar muito ninguém a ponto de dizer “Essa música é sobre isso”, “O disco tem um conceito em torno disso” ou eliminar o que quer que possa significar para os ouvintes. Não queremos tirar essa experiência deles. É mais sobre uma conexão emocional para nós do que um tema específico ou sobre algo na vida que se aplica a todos. Deveria ser mais sobre uma experiência pessoal.

Já tive a chance de ver vocês ao vivo e foi um dos shows mais pesados e barulhentos a que assisti, mesmo sendo apenas três pessoas no palco. Qual o segredo para essa transição do disco para o palco funcionar tão bem e para vocês soarem tão pesados?
Como mencionei antes, quando tocamos ao vivo é mais gratificante para nós e também para o público apenas tocar as coisas mais pesadas, porque elas soam bem no palco. Com isso, nós ficamos muito confortáveis com as músicas e sabemos como nos descobrir em termos de sons, apenas ajudar a encher o som de todas as maneiras possíveis. E também deixar buracos intencionalmente nas músicas para que, quando o baixo apareça, você realmente o sinta — e a mesma coisa com a guitarra. [O efeito] é imediato e você realmente o sente, em vez de apenas ouvir. O fato de não termos um vocalista também nos permite ter mais espaço na mixagem, não precisamos deixar lugar para ninguém cantar em cima de algo. Então os engenheiros de som ficam livres para empurrar os PAs até o limite sem precisar comprometer o volume apenas para ter um vocal no meio. Com uma guitarra, é mais direto, há menos entradas no geral. Então tudo é mais verdadeiro e barulhento. E apenas nós três ficando mais confortáveis com uma música e a tocando tempo o bastante, dando atenção aos detalhes. Não é muito divertido nos ver tocando ao vivo. Por isso, preferimos nos certificar de que soamos bem se não vamos ficar pulando por aí (risos).

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Sei que antes da banda começar oficialmente vocês queriam ter um vocalista, mas isso acabou não acontecendo. Depois de ter trabalhado com a Chelsea Wolfe em uma música do Memorial (2013), pensam em fazer talvez um disco full-length ou EP com um vocalista, como o Pelican fez recentemente?
Sim, já brincamos com a ideia, quase sempre com a Chelsea em mente. Apenas porque sinto que vocais femininos soam melhor com as coisas mais suaves que fazemos. Não há nada definido ou programado em termos de uma colaboração futura, mas somos amigos da Chelsea e vamos ver o que acontece. Não ficaria surpreso se algo do tipo acabasse acontecendo no futuro. Mas, novamente, isso ainda está um pouco longe para as duas partes no momento. Especialmente após fazer seis discos, acho que seria divertido e desafiador fazer algo diferente. Qualquer coisa que ajude a manter as coisas frescas e novas, sabe? E sempre que você faz algo assim, há uma reação relacionada ao que você fez antes. Então sei que se fizéssemos uma colaboração mais suave, as coisas a seguir seriam mais pesadas. Mas estou apenas presumindo como as coisas seriam. Tudo meio que acontece em ciclos, reagindo ao que veio antes. De qualquer forma, espero que algo entre a gente e a Chelsea possa se concretizar, mas não posso dizer oficialmente se e quando isso acontecerá.

Após tanto tempo com o Russian Circles, qual você acha que foi o “ponto de virada” para a banda? Talvez a entrada do Brian um pouco antes do Station (2008)?
Quer saber? Esse definitivamente é um marco importante. O Brian trouxe algo diferente para a banda que nós não podíamos pedir para ele trazer. No passado, havia muita discussão, algo como “Ei, vamos todos trabalhar juntos aqui para que soe de determinada maneira” — fosse uma estética que estivéssemos buscando, um estilo próprio de som. E quando o Brian entrou, foi automático. Ele tinha o timbre, o sentimento e a força. E também sabia como não tocar notas demais, tinha uma abordagem mínima. Mas isso era algo que nós precisávamos — e que não sabíamos que precisávamos até ele chegar. E sinto que ele foi ficando mais confortável neste papel a cada disco. Foi legal porque foi uma transição muito natural. Nós ainda estávamos fazendo a bola rolar para a gente, como uma banda. Naquela época, não estávamos fazendo muitos shows grandes e nem muitos shows como headliners fora de Chicago. Então tudo ainda foi muito natural, não foi uma grande mudança para nós e nem para os fãs. Assim que o Brian chegou, a química musical e pessoal estava lá. E ele entendeu e respeita o processo de composição entre eu e o Dave. Sempre que o Brian aparece, ele ajuda na edição e adiciona suas ideias à música com os arranjos e tudo mais. Ele é um compositor muito maduro. Por exemplo, se algo acontece sem ele estar presente, ele apenas apoia o que é o melhor para a música. Por isso, concordo com você que a entrada do Brian foi uma grande mudança para nós.

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Sendo uma banda de Chicago, uma cidade que tem história na música alternativa e pesada, com bandas como o Pelican e o Minsk, além do próprio Sanford Parker (produtor e ex-membro do Minsk) e obviamente da cena dos anos 1990. Vocês foram influenciados por essa cena da cidade quando começaram a banda, incluindo o Pelican e tudo mais?
Sim, com certeza. Os caras do Pelican são nossos amigos há muito tempo, antes mesmo do início do Russian Circles — toquei com eles com uma banda que tive antes. Eles são nossos amigos, nos ajudaram com shows e nos colocaram em contato com gravadoras e promotores de shows, além de terem nos levado para tocar pela região (de Chicago). Então eles realmente nos ajudaram. Não apenas musicalmente, mas profissionalmente. Eles meio que nos orientaram e sempre gostamos da música deles. E também de outras bandas de Chicago, como Shellac e Tortoise, com as quais não temos uma relação pessoal assim por dizer, mas também foram uma grande influência musical. O termo pós-rock é muito usado, mas é um lance tão diverso que colocar Pelican e Tortoise no mesmo gênero me parece ridículo. Quando começamos a banda, não sabíamos o que era pós-rock, nunca tínhamos ouvido falar do gênero. Ainda não tinha se solidificado como um estilo de guitarras com delay e reverb. A música boa era apenas o que quer que você sentisse. Mas Chicago é uma cidade que apoia muito, não há uma concorrência entre as bandas. Ontem mesmo eu estava em um show com alguns dos caras do Pelican assistindo a uma banda de outros amigos. É uma reunião musical amigável quando você vai a shows por aqui. Você vê todo mundo, incluindo o Sanford. É uma cidade legal e única porque não tenta ser Nova York ou Los Angeles, que também possuem suas próprias cenas ótimas. Mas Chicago possui uma cena tão pequena que não há espaço para competição.

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No último mês de maio, vocês tocaram no Dunk! Festival, na Bélgica, o principal festival de pós-rock/pós-metal do mundo — aliás, o próprio Pelican também tocou neste ano. Como foi chegar em um festival desses e ver que esse gênero, digamos, que vocês tocam ficou tão grande a ponto de ter um evento desse porte?
Isso foi realmente algo para a gente. Nós nunca demos muita bola para o termo pós-rock nem nunca pensamos nele como um gênero separado que pudesse ser tão diverso. E eu não sabia sobre o Dunk! Festival ser uma comunidade tão exclusiva para o pós-rock., mas foi ótimo. Nós chegamos e eu sabia que as outras bandas tocando eram do mesmo gênero, mas há um senso de comunidade realmente muito interessante sobre o estilo. E não há um visual, você não precisa se vestir de uma determinada maneira para ser um fã de pós-rock. Porque quando você toca em um festival de metal… o metal tem um determinado visual que as pessoas querem seguir e há todo um estilo ligado a ele. E aí você tem quem é mais “foda” do que os outros, sabe? Quem é metal e quem não é, todas essas coisas. No pós-rock é apenas chegar do jeito que você é. E se você não quiser chamar algo de pós-rock, está tudo bem — e se quiser, também não tem problema. É claro que havia algumas coisas em comum entre todas as bandas do festival, então você não pode apenas jogar o estilo para escanteio, dizendo “Ah, isso não é algo de verdade”. Estava lá, era palpável, você podia ver. Ao falar com as pessoas que estavam lá, tanto do público quanto das outras bandas, havia um sentimento de comunidade e conexão verdadeiros. Nós nunca vamos somente tentar ser uma banda de pós-rock, vamos apenas fazer o que fazemos, mas definitivamente posso ver que é uma comunidade que está crescendo. Então foi legal, um verdadeiro sentimento de comunidade.

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Sempre pergunto essa. Por favor, me diga três discos que mudaram a sua vida e por que eles fizeram isso.
Sim, claro. O primeiro provavelmente seria…(risos) Isso não é bom para os fãs, então não vou me alongar muito. Mas o 1984 (1984), do Van Halen, me fez gostar de rock e também me colocou no caminho da música com guitarras altas, metal e tudo mais. E, para mim, o Van Halen sempre foi sinônimo apenas de boa música. Não é o tipo de som que eu prefiro tocar, mas nunca vou perder a “mágica” de quando escuto o som deles. Esse disco me colocou no caminho do metal, me apresentou ao Metallica, Pantera, Sepultura e todas as outras bandas do estilo.

Mas o próximo da lista é o At Action Park (1994), do Shellac. Esse álbum definiu um tipo diferente de som pesado para mim. Não era apenas o jeito convencional de tocar, com o Mi (E) aberto na guitarra por um tempo e depois seguindo em frente. Tinha uma agressão tonal diferente que não era o mesmo timbre ouvido nos discos de metal. As escolhas de notas eram simples, muito simples mesmo, quase mais assustadoras. Em vez de um filme de terror gore, era um bem bizarro e psicologicamente fudido. Não era a escolha óbvia por intensidade, era intenso por razões diferentes. Então esse álbum meio que moldou a minha visão do que é peso, dissonância e tudo mais. Há alguma coisa no som da guitarra do Steve Albini e nas letras bizarras que não há nenhuma outra palavra que venha à mente que não seja “errado”. Tudo apenas parece errado. Muitas coisas acontecendo de forma errada que levam a uma coisa tão única e incrível.

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É difícil dizer o terceiro. Acho que para o Russian Circles seria o Come On Die Young (1999), do Mogwai. Esse disco me mostrou que você podia fazer rock sem vocais. Que você ainda podia ter uma narrativa e levar o ouvinte para outro lugar com uma música sem precisar de letras para isso. É um formato muito livre. E a faixa a seguir pode ser muito diferente, com tempo, sentimento e arranjo diferentes, tudo na mesma banda. Isso apenas abre totalmente as coisas no sentido de que não há um modo errado, você pode fazer qualquer coisa que lhe pareça certa dentro de um disco. Esse não é o meu disco favorito do Mogwai, mas me acertou em cheio quando estava no Ensino Médio. E era um álbum que tinha o seu próprio peso. Não eram guitarras distorcidas e um timbre barulhento de baixo, era algo muito, muito simples, mas que, de alguma maneira, tinha o seu próprio peso elegante. E eles apenas cresceram a partir daí nos lançamentos seguintes, fortalecendo as qualidades únicas que possuem como uma banda. O que provavelmente parecia normal para eles (os caras do Mogwai), era algo totalmente diferente para mim na época.

E se você me fizesse essa pergunta em qualquer outro momento, eu provavelmente te daria respostas diferentes. Mas é isso que me vem à cabeça agora.

Aliás, quando você começou a tocar guitarra? E quais eram os seus heróis naquela época?
Eu tinha 11 anos quando comecei a tocar guitarra. Era um grande fã dos Beatles, mas adorava o Eddie Van Halen e gostava muito mesmo do Dimebag Darrell, do Pantera, de verdade. O Dimebag era meio que o meu herói. Fazia desenhos dele todos os dias nos meus cadernos da escola (risos). Era obcecado por ele de uma forma nada saudável. Escrevia para todas as empresas que patrocinavam ele pedindo por pôsters gratuitos. Isso foi antes da Internet, é claro. Por isso, fazia o que podia para ter fotos dele na minha parede. Como uma garota colegial ou algo assim, mas obcecado por um “deus da guitarra”. Ele era o cara que eu mais curtia. A minha mãe até costumava fazer piadas com isso (risos), ela é uma mãe legal. Mas o Eddie e o Dimebag. Depois disso, comecei a curtir coisas mais punk, como Fugazi, mas eles não eram heróis para mim. Era diferente, porque vocês os respeita e a banda deles e como eles trabalham juntos. Mas eu definitivamente entrei de cabeça no lance de heróis da guitarra com os caras do metal nos anos 1990.

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E você conseguiu assistir a algum show do Pantera?
Sim, vi dois shows deles. O meu favorito foi um show que juntou White Zombie, Pantera e Megadeth. E eu adorava todas as três bandas na época. Para a minha versão ainda muito jovem, foi algo como “Se eu morrer aqui, está tudo bem. Esse deve ser o ‘paraíso’ se eu ficar aqui para sempre. Consigo lidar com esse show no repeat pela eternidade (risos)”. Mas tive a sorte de vê-los ao vivo. Eles eram incríveis, cara. Demoraram um pouco para encontrar o que estavam fazendo como uma banda, mas depois que acharam todo aquele lance do groove, definitivamente era algo impressionante ao vivo.

Você falou agora pouco sobre o Sepultura. Conhece outras bandas brasileiras? E também curtia bastante Sepultura nessa época que conheceu Pantera?
É, não conheço nenhuma outra banda brasileira de metal que tenha me impactado além do Sepultura. Mas é engraçado, tem uma história boa com o Sepultura (risos). Eu fui criado como católico, como muitas pessoas nos EUA — e é apenas o jeito como as coisas são, você nem pensa duas vezes, não importa se você acredita ou não, é mais um lance cultural. Enfim, uma das coisas que tinha de fazer no catecismo era escrever uma passagem chamada Confirmação. Então quando estava na oitava série, aos 13 ou 14 anos, lembro de estudar para essas perguntas religiosas estúpidas enquanto escutava Sepultura (risos). E a combinação de estudar sobre Jesus e ouvir Sepultura ao mesmo tempo, foi algo como “Quer saber? Escolho o caminho do Sepultura. Se essa é uma confirmação, então eu confirmo que estou com esses caras. Sem ofensas Jesus, tenho certeza de que você era um cara legal, mas a sua organização toda não é para mim (risos)”. Foi divertido, foi uma parte da minha vida em que pensei “Ok, posso escolher o meu próprio caminho aqui”. Mas o Sepultura era incrível, semprei adorei eles. Por algum motivo, foi uma das bandas que conheci e continuei gostando.

Já que estamos nesta conversa sobre metal mais extremo e religião, lembrei de algo. Desde o Empros (2011) venho percebido algumas influências de black metal nos seus riffs de guitarra. No disco novo isso fica bem evidente em músicas como “Calla”. Concorda com isso?
Concordo totalmente (risos). É meio uma tendência agora, o que eu odeio. Nunca vou dizer que temos influências de black metal e tudo mais. Se as pessoas apontarem, fico feliz de falar sobre isso. Mas nunca vou dizer que temos elementos de black metal, até porque a bateria e o baixo não soam assim. Penso que é um veículo interessante para melodias, a maneira como as guitarras são tocadas no black metal. Especialmente em bandas como Craft e Gorgoroth. Há algo realmente perturbador nas linhas de guitarra do Gorgoroth. E do Burzum também. Acho que há um senso de melodia, que pode ser até meio orquestral, neste tipo de música e que se presta a manter uma linha de baixo repetitiva na guitarra e então você também pode fazer uma melodia mais aguda ao mesmo tempo. Quase igual ao violão clássico, em que um instrumento fornece base para estruturas melódicas. Digamos que você possui um acorde e o mantém, mas fica “puxando” notas diferentes para fazer uma melodia antes de seguir para o próximo acorde. Sempre gostei disso no black metal apenas porque é uma maneira legal de compor, você consegue passar muita informação para o ouvinte ou ajudar uma música sem precisar de mãos extras para isso. E também gosto de como soa dark, é apenas algo que parece certo de tocar e também muito honesto. Não entro muito na questão política e do satanismo, realmente não ligo para isso, mas respeito o gênero. Fico hesitante em usar a palavra, mas com certeza sou um fã.

Ok, essa é a última pergunta. Após esses 10 anos, do que você tem mais orgulho na sua carreira com o Russian Circles?
Acho que do fato de podermos fazer as nossas próprias coisas, de termos liberdade para fazer o que quisermos. A nossa gravadora, a Sargent House, nunca nos disse nada quanto a sugestões ou críticas. Então podemos seguir qualquer ideia de música que achamos interessante. E, de alguma forma, isso funcionou. Ninguém nos disse não. E felizmente podemos sair em turnê e as pessoas aparecem nos shows e ainda se importam com cada disco. Não tomamos isso como pouco, nos sentimos totalmente abençoados e agradecidos por poder fazer isso. A cada disco que fazemos, temos consciência de que pode ser o último. Não há nenhuma garantia que as pessoas vão gostar da sua música. Se você compõe para agradar aos seus fãs, penso que isso não é honesto. Toda turnê e todo disco são lembretes de que somos uns sortudos do caralho. E isso faz você trabalhar um pouco mais, uma espécie de contemplação para perceber: “Ok, como posso fazer isso de forma diferente para eu mesmo e para a música?”. Outras coisas legais como abrir para o Tool, tocar com uma banda que você adora, como a Chelsea Wolfe e outros artistas que nos inspiram. Mas essas coisas vem e vão, elas continuam acontecendo. Acho que apenas o elemento recompensador da música, em que você pode compartilhar com outras pessoas e elas se conectam. Quero dizer, reviews, críticas e quando falam se o seu disco é bom ou não são legais, mas quando você tem uma conexão com uma pessoa que chega para falar com você depois de um show sobre o que a sua música significa ou como impactou a vida dela, isso é real. Quando esses momentos acontecem, não é algo que você planejou, eles surgem do nada. Talvez você esteja guardando seus equipamentos e querendo tomar uma cerveja e alguém chega para dizer algo desse tipo. Não tomo isso como algo qualquer, são momentos significativos com os quais você cruza espontaneamente. Então posso dizer que essas conexões significam muito para nós.

E também o fato de a gente pode fazer turnês. Isso ainda é incrível para mim. Quando eu era criança, tudo que queria fazer era tocar. E quando tinha a minha banda antiga e nós viajávamos mais de 1 mil quilômetros nos EUA, só conseguia pensar “Uau, estamos realmente fazendo isso. Vamos tocar para 40 pessoas em um porão. Não posso acreditar que nós chegamos. Vou poder dizer aos meus filhos que viajei cinco dias em uma van para fazer shows” (risos). É óbvio que as coisas cresceram desde então… Mas as coisas aconteceram de uma forma tão lenta e orgânica que não foi um salto gigante para o sucesso ou algo assim. Foi um processo ano a ano e isso te ajuda a lembrar daqueles dias em que você viajou para Nova York para tocar para duas pessoas em um porão, algo como “Ok, isso não deu muito certo (risos)”. Mas eu adoro isso, sou muito agradecido, te ajuda a manter tudo em contexto.

Luiz Mazetto é um jornalista paulistano e o lance dele é entrevistar metaleiros e lançar livros. A segunda edição do Somos a Tempestade chega às lojas em breve.