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Música

O que Queremos dos Pop Stars em 2015

Tudo, menos polêmica.
Emma Garland
London, GB

Da liberdade dos mamilos de Rihanna ao sotaque falso de Iggy Azalea, passando pelo freestyle de Eminem sobre dar um soco "bem na cara" de Lana Del Rey, a música teve uma boa quantidade de polêmicas em 2014. Ainda tivemos outros casos (mas sem esgotar a lista) como a briga no elevador entre Solange e Jay-Z, a bunda de Nicki Minaj e todas as ocasiões em que Justin Bieber entrou em contato com algum meio de transporte. Parecia que todos os pop stars estavam metidos em alguma polêmica que originava mil artigos de opinião, mas a única coisa comum entre todos é que nada ali era digno de polêmica.

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Uma polêmica costumava ser algo que gerava acalorados debates públicos. Os tipos de assuntos que deveriam ter entrado nessa categoria ano passado foram coisas como: as numerosas acusações de agressão sexual feitas a R. Kelly significam que não é mais aceitável por "Ignition (Remix)" para tocar na boate? A predominância do sexo masculino em praticamente todos os festivais de música é mostra dos valores patriarcais da nossa sociedade ou indica apenas uma escassez de artistas do sexo feminino de grande destaque? Quais são as consequências éticas do uso das letras de hip hop como evidência nos tribunais para processar pessoas? Mas o tópico que pareceu gerar a maior quantidade de discurso público foram os seios de Rihanna e o que eles andam aprontando.

Quando Rihanna apareceu na Paris Fashion Week no último mês de março, com os mamilos flamejando, era natural esperar que isso aparecesse na imprensa. Por mais compreensível que seja Rihanna aparecer nas manchetes por ser a única pessoa na história a ficar bem vestindo um arrastão manga longa (embora eu creia que todos já saibam que Rihanna é objetivamente fabulosa, e que isso não mais pode ser considerado "notícia"), o fato de que sua nudez ser considerada "polêmica" não fez qualquer sentido, considerando que o fenômeno "pagar peitinho" é sistematicamente documentado pelos tabloides desde que estes existem. Da mesma forma, Lana Del Rey demonstrar falta de tato ao fazer um comentário sobre querer morrer em uma entrevista ao jornal britãnico The Guardian, perceber que isso provavelmente foi um pouco fora da sua "marca", e depois fingir que a coisa nunca aconteceu é tão interessante quanto o debate sobre se os seus lábios são naturais ou não. Eis a total dimensão da maior "polêmica" da carreira de Lana: ela fez merda.

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Nossa preocupação com os mesmos "escândalos", entra ano, sai ano, está tornando a cultura pop cada vez mais banal. Considerem o seguinte: na Inglaterra, os dez discos mais vendidos de 2014 foram todos ingleses, todos (com exceção de um) de homens, e todos tediosos. Uma das poucas coisas "ousadas" que aconteceram na música britânica ano passado foi a Fat White Family, e isso apenas porque um dos seus clipes consiste literalmente em um ânus viajando pela tela, e seus shows ao vivo adotam o tipo de espontaneidade arrojada que desapareceu do nosso tecido cultural no dia em que Pete Doherty evacuou o distrito de Camden. Não estou dizendo que Sam Smith roubar drinks alheios em todas as cerimônias de premiação seja resultado direto de nossa obsessão pela anatomia de RiRi, mas diria que ambas as coisas são indicativos da tendência geral da cultura pop de celebrar o que é "seguro", e abordar com cautela qualquer coisa que possa ser considerada desafiadora.

Quer estejamos tratando de FKA Twigs assumindo a sua sexualidade ou do cantor do Fat White Family se remexendo no palco como se estivesse sendo molestado por um fantasma, um artista "polêmico" deve fazer algo progressivo, confrontar o status quo ou ambas as coisas. Mas sempre que a palavra "polêmica" é usada para descrever uma pessoa ou situação específica, ela é usada como se de algum modo explicasse exatamente como ou porquê tal pessoa ou situação é polêmica, quando na verdade isso não é mais do que jogar a batata quente no colo dos outros. É uma palavra usada para não descrever as coisas que deveríamos encarar de frente, e o resultado é que acabamos evitando fazer críticas genuínas, e a coisa "polêmica", qualquer que tenha sido, é repetida por outra pessoa na semana seguinte. Vejamos, por exemplo, Eminem ameaçando socar e estuprar suas colegas mulheres. Não só é a mesma merda violentamente sexista que ele vem espalhando desde os anos 90, com a amarga arrogância de alguém que nunca superou a dor de cotovelo causada pela namoradinha do colégio, como também é a mesma merda violentamente sexista que vemos ocorrendo no mundo inteiro, todo santo dia. Se Eminem quisesse fazer algo realmente controverso, ele talvez devesse ter soltado uns compassos sobre o quanto as mulheres recebem menos que os homens, ou sobre o fato de que praticamente um terço das mulheres dos EUA já sofreu violência doméstica. Não se está fazendo oposição nenhuma quando se encoraja a ocorrência tragicamente comum da violência contra as mulheres, e não há nenhum "debate acalorado" a se fazer a respeito disso; mal chega a ser digno de atenção. Da mesma forma, o desdém deliberado de Iggy Azalea pela cultura da qual ela se aproveita, intencionalmente ou não, usando de sua condição privilegiada, não é nada além da repetição de um comportamento que já vimos muitas e muitas vezes. Iggy é um exemplo perfeito de uma pop star que ergueu sua carreira nas costas do debate público, e existe puramente em uma bolha das críticas que se fazem a ela. Quando se exclui o diálogo que cerca sua contribuição à apropriação cultural e suas questionáveis habilidades no freestyle, não sobra mais nada de interessante a dizer.

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Considerando os pop stars que foram acusados de "flertar com a polêmica" em 2014 (Nicki ter uma bunda, Bieber ter um ego, Katy Perry ter zero noção etc.) cada um deles foi na verdade prova do contrário. Foram banais, desinteressantes, exemplos velhos dos mesmos padrões comportamentais institucionalizados e não-escândalos cuspidos por uma linha de produção de porcarias desgastadas que hoje já nos assombram há tempo demais.

Todos somos culpados de passar mais tempo reclamando de pop stars por eles fazerem coisas com as quais não concordamos do que elogiando os que tentam fazer as coisas de um modo diferente. E não tem problema – existe um certo nível de satisfação a ser obtido em meter o dedo na ferida que é a inexplicável popularidade de Macklemore –, mas casos de sexismo, racismo, apropriação cultural, "hiper-sexualização" e congêneres na música não deveriam ser apresentados como sendo as grandes polêmicas do nosso tempo. Devem ser abordados como o que na verdade são: atitudes idiotas da velha guarda que precisam acabar o mais rápido possível.

Na verdade, se um pop star deseja ser realmente polêmico, a coisa mais "ousada" e "insana" que ele pode fazer é realmente começar a confrontar alguns dos constrangimentos culturais dos quais temos reclamado desde o nascimento da hashtag. Quando isso acontecer, talvez cheguemos a um ponto em que o fato de todo mundo enlouquecer com o mamilo de Rihanna como um bando de pré-adolescentes que acabou de descobrir Sex and the City seja menos relevante do que a atitude dois-pesos-duas-medidas da CBS ao cortar a introdução dela de uma partida de futebol americano, mas permitir que Chris Brown participe dos Grammys todo santo ano (como observou o jornalista esportivo Tony Manfred).

2015 precisa é de pop stars que sejam considerados polêmicos porque tumultuaram a narrativa convencional, porque geraram uma conversa que não seja uma variação de alguma que já vem rolando nos últimos cem anos, e porque eu não suporto passar por mais um ano em que outro cara branco e de classe média com cabelinho militar vence tudo simplesmente porque ninguém consegue achar nada de ruim para dizer a respeito dele.

Dito isso, o primeiro e maior (ou será o menor?) debate do ano até agora gira em torno da autenticidade do volume intra-cuecas de Justin Bieber, então não estou com muitas esperanças até o momento.

Emma Garland está no Twitter.

Tradução: Marcio Stockler.