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Música

Fenriz, do Darkthrone, Fala Sobre Trabalhar no Correio e Cortar Lenha

Ao mudarem o estilo da banda para black metal, eles tornaram-se lendas do underground com a clássica trilogia de corpsepaint.

Mesmo eu tendo ligado acidentalmente uma hora mais cedo, o Fenriz é extremamente simpático comigo quando acabo interrompendo seu jantar. O baterista e co-vocalista/letrista do Darkthrone já terminou seu turno no correio – ele trabalha na indústria postal norueguesa há 26 anos – e está saindo para jogar um futebolzinho essa noite. Mas neste exato momento ele está comendo um enlatado nojento. “Não sei qual seria a tradução para o inglês”, quando lhe pergunto o que é. “É uma mistura norueguesa de carne bovina, suína e outras coisinhas”.

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Fenriz casou-se no ano passado e recentemente voltou a Kolbotn, o subúrbio de Oslo em que ele e seu parceiro de Darkthrone, o guitarrista/co-vocalista Ted “Nocturno Culto” Skjellum, uniram forças em 1988 e lançaram demos de death metal antes de fazerem sua estreia oficial com o Soulside Journey, em 1991. Ao mudarem o estilo da banda para black metal, ambos tornaram-se lendas do underground com a clássica trilogia de corpsepaint composta por A Blaze In The Northern Sky (1992), Under A Funeral Moon (1993) e Transilvanian Hunger (1994). Nos dias de hoje, a sonoridade do Darkthrone envereda mais pelos campos do punk e heavy metal tradicional – como evidenciado por seu mais recente clássico, The Underground Resistance. Mas você provavelmente já sabe disso. O que você provavelmente não sabe é que a banda talvez esteja pisando no freio enquanto decidem o que farão futuramente…

Noisey: Quando te mandei um e-mail a respeito desta entrevista, você mencionou estar começando em um novo cargo em seu emprego. O que você está fazendo?
Fenriz: Bom, existem diversas vagas na indústria postal, cara. As pessoas sempre entendem tudo errado e acham que trabalho como carteiro, o que não é verdade. Trabalho na indústria postal, com máquinas separadoras de correspondências e tal e coisa. Agora eu separo as correspondências do tipo “retornar-ao-destinatário” e as exceções que cimentam esta regra. Deixa eu te falar que existem muitas dessas exceções, não tô brincando.

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Você já trabalha no setor há um bom tempo.
Estou fazendo esse lance todo de Darkthrone desde 87 e neste emprego desde 88, mas já mudei de cargo várias vezes dentro do segmento, bem como meus locais de trabalho. Agora tenho um turno bem bacana, trabalho às segundas e terças e tenho o resto da semana de folga. Mas daí tenho que tocar toda a parte administrativa e os e-mails do Darkthrone. E além disso, a contabilidade. Cuido da contabilidade do nosso merchandising. Em 87 a proporção era de 70% tocar com a banda e 30% de correio. [risos] E agora talvez eu nem toque mais e só cuide da parte administrativa até morrer, acho.

Mas você não é o responsável pelas entregas, certo? Quando alguém pede uma camiseta da banda, não é você que faz os pacotes?
Não, isso seria loucura. Seria trabalho demais só pra ganhar uns trocados a mais. Não temos controle sobre o merchandising desde 91. Vimos a coisa toda virar uma bola de neve e não tinha jeito – saberíamos que fariam bonés e aquelas manga-longas estúpidas. Então deixamos o negócio meio de lado. Não tínhamos interesse nenhum em mexer mais com aquilo, só dávamos o ok para algumas estampas. Aqui, tudo acaba sendo pirateado pelos caras da máfia italiana e os chineses, sem contar os países do Leste Europeu. Eles fazem os produtos e vendem e a gente não ganha nada. Poderíamos arrumar uns advogados pra descobrir o que rola, mas não vale a pena. É meio que um mato sem cachorro e tal. Então é, a gente fez tipo uns dois modelos de camisa por conta própria no começo – em 88 ou 89, sei lá – e o resto foi com o pessoal da gravadora. Agora tem uma outra empresa que cuida desses materiais, mas nós não estamos envolvidos nisso. Temos essas pequenas fontes de renda aqui e ali, mas obviamente eu ainda tenho um emprego.

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Servidores públicos aqui nos EUA podem se aposentar depois de 20 anos. É assim na Noruega?
[risos] Tipo como é com os tiras? Não é nada tão drástico assim pra gente, porque não estamos arriscando nossas vidas.

Nem os funcionários dos correios daqui.
Bem, acredito que a expressão “going postal” tenha surgido nos EUA.

[Nota do tradutor: gíria norte-americana usada para designar alguém que surtou ao ponto de agir com violência, especialmente no local de trabalho, referência aos incidentes ocorridos no correio americano a partir de 1986 em que funcionários atiraram em seus gerentes]

Fenriz, durante a entrevista. É sério

[risos] É verdade. Mas acho que esses ataques não rolam há um tempinho.

Não mesmo. [risos] Mas aconteceram vezes o bastante a ponto da coisa virar um termo comum, até mesmo aqui. Sabe, eu sempre estou fazendo coletâneas e podcasts, mas ainda não cheguei ao ponto de fazer uma chamada “Fenriz Goes Postal”. Por mais esta a título de coletânea mais óbvia de todos os tempos, ainda não a fiz. Mas ela já está em produção há uns dez anos agora, pelo menos. Mas respondendo à sua pergunta, nós não temos essa de aposentadoria precoce aqui. Eu só estou diminuindo o ritmo aos poucos. Há dez anos não trabalho em período integral. Baixei para 32 horas semanais, depois 28 e agora são tipo 26.25 horas [risos].

E você ainda consegue pagar as contas?
Sim, tá tudo tranquilo. Só guardando grana para um futuro aposentado. Não é normal largar o emprego cedo. Tem muita gente de 60 e 70 anos, homens e mulheres, trabalhando lá. Já eu acho que é mais saudável trabalhar pouco, talvez uma vez por semana, até completar 70 anos – ao invés de trabalhar feito louco até os 52 e depois largar tudo e ir para um resort bacana. Como é o nome daquele resort em Dirty Dancing – Ritmo Quente? Six Flags? [risos]

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Então você não se sente pronto para se aposentar logo?
Fiquei de saco cheio do meu outro cargo, mas agora as coisas estão melhores. É trabalho duro, mas os dias passam rápido e posso ouvir música o tempo inteiro. Consigo me imaginar distanciando de tudo aos poucos, mas gosto de guardar grana. Eu não fazia isso nos anos 90, quando ainda trabalhava em tempo integral. E tive um probleminha com o imposto de renda porque achei que eles não iriam reparar que minha conta estava sendo recheada com dinheiro de origens obscuras da Inglaterra [vindos dos discos e merchandising do Darkthrone]… Até que eles repararam. Então foi uma puta dívida foda que durou uns dois anos, 2001 e 2002. Eu tava bem na merda. Aí descobri que todos os cheques que recebia do Darkthrone tinham um desconto de 20% antes mesmo de chegarem até mim. Descobri isso um tempo desses então perdia pilhas de dinheiro, assim como Ted, já que estávamos pagando impostos por apenas 80% da grana, uma taxa de 60%. Daí que finalmente descobrimos que tínhamos como receber essa grana de volta do governo. Acho que compensou por todos os anos em que não pagamos imposto nenhum, então nem me sinto mal com isso. Acho que demos sorte.

Há pouco você voltou para Kolbotn, cidade natal do Darkthrone.
Sim. Parei de sair uns anos atrás, e quando fiz isso acabei economizando tipo 120.000 coroas por ano, o que dá uns… 22.000 dólares. Assim que fiz isso, logo tive grana pra investir em imóveis, então comprei e vendi umas coisinhas aqui e ali, lucrando um pouco e então voltei para Kolbotn. Mas nunca morei a mais que oito ou doze quilômetros de distância daqui durante toda a minha vida. E finalmente posso visitar amigos do metal e voltar andando pra casa – ou melhor, cambaleando. [risos]

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A quantas anda o novo disco do Darkthrone?
A gravadora sempre tem algum plano a longo prazo pra gente, mas nós mesmo não planejamos nada. Quando temos algo, temos; quando não temos, não temos. Em janeiro liguei pro Ted e disse “tô com umas paradas aqui – vamos pro estúdio agora!” Mas não rolou pra ele. Então deixei as músicas de lado e estou só esperando. Fizemos aquele esquema todo com o livro – o livro com o box set lá [Black, Death, and Beyond]. Mas do meu ponto de vista e do autor, seria um livro normal. Aí os chefões lá da Peaceville disseram “Mas nós não lançamos livros – lançamos discos!” [risos] Ah é. Mas deve ter um jeito, saca? Daí temos um livro de 72 páginas junto com um box set, mas se você parar pra lê-lo, demorará tanto quanto um livro comum. E ainda tem mais material. Então se faremos um livro comum, criaremos coisas novas. Mas não sei como está isso aí.

Espera – pelo fato do Ted não poder gravar, você jogou as músicas no lixo?
É, eu tenho um monte aqui. Estão no computador ou no meu mp3 player. São só esqueletos, mas é assim que a gente trabalha. Nos encontramos com estes esqueletos, adicionamos carne e os ossos e gravamos tudo rapidinho. Mas o mesmo vale se Ted chegar pronto pra gravar e eu disser “não vai rolar agora, bicho”. Desde 1988, quando começamos a botar a mão na massa mesmo, lançamos um monte de discos. Houve um longo período. Então acho que estamos tranquilões agora, meio que tendo uma folga. Mas quanto tempo ela irá durar? Não sei, Ted parece estar de mudança, talvez para Oslo, daí teremos que arrumar um lugar para ensaiar. Mas a gente não ensaia, saca? [risos] Agora não estamos sentindo essa gana todo. Estou bem satisfeito com o último álbum também.

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Você deveria. Como você vê o The Underground Resistance agora que o disco está prestes a completar dois anos?
Tive que ouvi-lo umas 20 vezes antes de responder a todas as entrevistas antes e depois do lançamento do álbum. Dessa vez, eram um monte de entrevistas mesmo, então meio que me enjoei da coisa. Rolaram umas 104 entrevistas, e eu preferiria responder talvez umas 60. Toma muito tempo. Quando o disco está pronto, a parte de Ted acaba, mas a minha continua por um bom tempo. Ele sempre disse “você não precisa responder nenhuma entrevista”. Mas eu sempre as respondi! Então rola um lance meio desproporcional aqui.

Por que você não fala pra ele responder umas na próxima vez?
Porque eu estou sempre respondendo elas. É natural pra mim. Mas aí você me pega aqui respondendo mais uma no meio dum hiato completo. Tô fazendo jardinagem, essas coisas, tentando deixar meu gramado bonito, arrumar as plantas e tal. Com as mãos cheias. E ainda tenho que cortar lenha! [risos]

Cortar lenha é um bom exercício…
É só mais uma dessas tarefas de casa. Mas eu curto mesmo esse negócio de aprender a viver e não ser só mais um maníaco do metal que vive no bar, coisa que rolou de 1991 a 2003. Leva um bom tempo pra se livrar dessa parada e começar a viver a boa vida, cara.

Não muito depois de você ter parado de frequentar bares, parecia que você e Ted estavam se divertindo bem mais em fazer música. Havia um senso de humor palpável que transparecia na música no The Cult Is Alive de 2006 e que continua até The Underground Resistance.
Entendo sua linha de pensamento quanto a isso, mas nós sempre fomos meio tensos com nosso trabalho. Não sei o quanto nos divertimos, não sei mesmo. Me animo muito em saber que estimulamos a imaginação assim, mas mesmo com o The Cult Is Alive, não sei o quanto estávamos nos divertindo. Nos encontrávamos, gravávamos, tomávamos nossas cervejas e eu voltava pra casa. Ted não me mostrava as músicas antes de eu ir embora, então eu esperava duas ou três semanas até que ele mixasse tudo, ansioso esse tempo inteiro. E aí discutíamos a respeito dos volumes e tal. Tem sempre uma ansiedade em torno do nosso trabalho e qual vai ser o resultado final.

É o que está acontecendo agora?
Não acho que estejamos extremamente confiantes… Mas acho que quando uma banda fica confiante demais, ela fica chata [risos]. Então não faço ideia do que vai acontecer no próximo álbum. Eu sei como soam as músicas que joguei fora, mas não sei exatamente o que quero agora. Diariamente eu penso “que riffs farei agora?” e isso é empolgante pra caralho. Mas isso também me deixa ansioso e meio agoniado porque não tenho um direcionamento. E não faço ideia do que o Ted irá criar. Mas se você der uma olhada em tudo que fizemos, provavelmente não será tão distante daquilo.

J. Bennett curte tudo que o Darkthrone já fez.

Tradução: Thiago “Índio” Silva