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Música

Os Inumanos Estão Voltando e o Aori Chega na Frente com seu EP 'Anaga'

Temos sorte de ter este inumano como aliado, porque se fôssemos inimigos, ele já teria nos matado.

Os Inumanos não são seres comuns. Segundo a história (em quadrinhos), eles são resultado de um experimento dos aliens Kree, que geraram uma sociedade avançada a partir dos primeiros homo sapiens que habitaram a Terra. Eles prosperaram isolados do resto da humanidade, com tecnologia altamente desenvolvida.

Muitos acreditavam que seu refúgio era secreto, porém, depois de um trabalho árduo de apuração, este jovem repórter que vos fala descobriu o esconderijo: Lapa, Rio de Janeiro, lar de Aori e DJ Babão, os Inumanos brasileiros. O superpoder deles é único e imbatível: beats violentos e rimas certeiras, que eles usaram por algum tempo para combater o grande vilão das levadas esqueléticas.

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O álbum Volume X, dos Inumanos, foi lançado em 2004 como uma mensagem pro futuro. Nele, encontramos um tipo de rap que é raro até hoje: altas referências à cultura dos quadrinhos, que chegaram muito antes dessa onda geek atual. Muita rima boa, muito flow daora, mas como previsto, o disco ficou no gelo. Entre 2006 e 2007, Aori ainda participou da mixtape Rotação 33, organizada pelo mestre KL Jay. Em 2009, via seu selo Brutal Crew, a mixtape futurista Aumente o Volume foi disponibilizada aos ouvidos humanos. Hoje, depois de um jejum de seis anos, Aori chega com mais um capítulo na história dos Inumanos: seu EP solo, Anaga que, segundo o próprio, “é um interlúdio na história do Inumanos”.

Aproveitando o último lançamento e munido de criptonita, bati um fio com Aori e descolei uma entrevista e um vídeo exclusivo. Temos sorte de ter este inumano como aliado, porque se fôssemos inimigos, ele já teria nos matado.

Noisey: Para você, qual é a relação que o quadrinho tem com o rap? Porque isso já vem desde os Inumanos, né?
Aori: Com certeza. Porque quadrinhos e o rap são jeitos simples e baratos de contar histórias, algo mais do it yourself de contar histórias. É isso que um rapper faz, é isso que um autor de quadrinhos faz. E os quadros, na HQ, são como as batidas do rap, é o que dá o andamento da história. O limite do quadrinho é como o limite do tempo da batida; ali, que você só tem um limite pra desenhar e o que passa de quadro pra quadro é o andar da história. Tem um livro que se chama Desvendando os Quadrinhos, do Scott McCloud, e ele diz que aquele espaço em branco entre um quadro e outro é o espaço mais legal, que é o que o leitor preenche com a imaginação. Porque não é igual a um filme, que você vê todos os frames. Um quadro retrata um momento, aí tem aquele espaço, e vem outro quadro. E aí a gente tentou brincar com isso nas músicas, onde cada linha vem como se fosse um quadro. Eu acho que o tempo é igual o tempo de comédia, o jeito de contar a piada. O jeito que você conta muda muito a história. E nos quadrinhos, o jeito que cada um lê faz virar uma história diferente né? As vezes você escreve um rap e acha que matou a pau uma linha, um refrão, e a galera vem e fala “porra, aquela palavra que você falou me lembrou tal coisa…”, e a música já ganha uma relação completamente diferente.

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Pode crer. Tem uma música no Anaga, chamada “Levadas Esqueléticas”, que fala “degustar um bom rap, apreciado por quem tem bom paladar”. Eu achei legal relacionar o rap a um consumo, da mesma forma que os quadrinhos. Ou no caso dessa música, à gastronomia, como algo a ser apreciado mesmo.
É cara, porque o rap é um alimento pra alma. A música, a arte é um alimento pra alma. E tem muita gente que faz um rap que é tipo um miojo, joga ali na panela, põe um pózinho e pronto, o que sair saiu. Aí a gente tentou fazer nessa música algo mais elaborado. Tipo um tempero caseiro, com ingredientes diferenciados pra ter um sabor especial. Uma coisa que você pode comer, absorver ali com calma, entender o que não tinha entendido… eu tenho vários amigos que são chefs, e a gente sempre conversa dessas coisas. Isso me inspirou. Esse disco é muito inspirado nessa relação que eu tenho com meus amigos artistas, do grafite, das artes contemporâneas, da gastronomia. A galera tem esse ofício de fazer uma parada inspiradora.

Você disse que o rap é um alimento pra alma, assim como a arte. Eu acho que o rap dos Inumanos pode ser caracterizado como arte, principalmente em comparação a outros rappers que não são tão bons assim. Você enxerga seu rap desse jeito?
É uma questão de ponto de vista. Porque o jeito que as pessoas apresentam a própria arte pode ser confuso, ou não é o melhor jeito. Acho que as pessoas tem muita pressa de entrar no mercado, ser parte do grupo, e acho que arte não é isso, acho que você tem que se destacar, ser diferente, ousado. Se você não chegar na mesa pra trazer algo próprio, ficar só repetindo o que os outros falam, não precisa fazer.

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Você vê o rap como um produto?
É um produto. Tem muita coisa autêntica rolando, mas tem muita coisa também no mainstream que é mais do mesmo, que não contribui em nada pro momento que a gente ta vivendo, tudo pra agradar um momento passageiro. Eu acho que o rap quando é bom, é bom. Tipo uma receita de comida. Se ela é boa agora, vai ser boa daqui vinte anos. Por isso que a gente tentou fazer uma coisa mais atemporal, não pra agradar o que tá bombando agora, mas pra provocar uma desruptura na mente de quem ouvir, provocar novos pensamentos.

E quais são esses novos pensamentos?
Cara, acho que é aquela história básica do hip-hop, da auto-expressão, do uso do estilo próprio, do orgulho de trabalhar com sua equipe, seu crew, sua gang, fortalecer esses laços, o orgulho de mostrar pro mundo quem você é, de onde você veio, não ser um produto empacotado. Ter uma originalidade, trazer elementos originais. Quando a gente começou eu conhecia o Max B.O., o Kamau, o Parteum, o De Leve, Marechal… cada um tinha um estilo bem definido, uma onda. E acho que hoje ficou bem homogeneizado, ficou tudo muito parecido. Eu quero trazer essa provocação, do rapper ser mais independente, ser o que ele é mesmo.

Pode crer. Hoje, além do rap, você trampa com comunicação, marketing, tem um envolvimento com produção cultural e tal. Na época do lançamento do Inumanos Volume X você já fazia isso?
Eu sempre fui um cara versátil. Sempre gostei de fazer várias coisas. Eu sempre levantei a bandeira de poder fazer o que quiser. Não é porque você é jornalista que você não pode ser um chef de cozinha, um lutador, um designer. Eu gosto de transitar por várias áreas e aprender com todas. Tudo que soma, pra mim, é lucro. Acho importante não impor limites.

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Pergunto porque tive contato com o Volume X há pouco tempo e fiquei impressionado com a qualidade do som. Aí fui atrás de mais lançamentos e achei pouca coisa, e fiquei um pouco frustrado. Me explica por que desse jejum.
Depois do Volume X teve a Rotação 33, que é uma mixtape com o KL Jay, em 2006/2007. Tem a Aumente o Volume, de 2009 e minha participação com o D2 na música “Lapa”. Mas de disco, o Anaga é o primeiro mesmo. Me mantive afastado um tempo e agora tô voltando. Nesse meio tempo a gente fundou um selo, a gente produziu eventos, como a Liga dos MCs, a Batalha do Real… porque o primeiro disco do Inumanos é um resumo da vida da gente até aquele ponto, por isso que tem bastante história pra contar. E desse tempo pra cá, rolaram novas histórias que foram pro Anaga. Então eu acho que é isso, o tempo acumulado criou histórias novas pra gente contar. Eu acho que as histórias ficam vazias se você monta só por montar. Mas acho que agora a gente tá numa guinada de lançamentos mais constantes. Esse primeiro disco do Inumanos foi bem inovador e a gente ficou pensando por muito tempo pra fazer alguma coisa que continuasse a história à altura.

Em Anaga, parece que você consolidou seu personagem. Como se fosse o perfil de um super-herói.
É, vamos dizer que os Inumanos são os super-heróis e o Anaga é a identidade secreta. Tipo o Homem Aranha e o Peter Parker. Você vê isso no tom das músicas. Os Inumanos são explosivos, com rimas rápidas, analogias estrondosas, mais porrada. E o Anaga é mais reflexivo, autobiográfico… é como se eu tivesse tirado o uniforme e você estivesse vendo o dia-a-dia do Clark Kent.

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E agora vocês pretendem voltar como Inumanos?
Sim, a gente pretende voltar como Inumanos. O Anaga é como se fosse um interlúdio na história do Inumanos. Esse disco é tipo aquele livro que chega pra satisfazer a curiosidade de todo mundo que quer saber o que cada personagem está fazendo. Tipo um interlúdio mesmo, entre o Volume X e o Volume XI do Inumanos.

Agora pensando, você acha que o momento atual está mais propício pro Inumanos aparecer de novo?
Eu acho que sim, porque em 2004 a gente introduziu esse estilo alternativo de fazer rap, essa visão de submundo, com uma outra linguagem, de um rap que tá se reciclando, um rap que tava precisando de uma injeção de adrenalina. E muita coisa mudou, hoje em dia é uma nova geração, de uma galera que já encara o rap como algo do dia a dia, e a gente vem mais uma vez pra fazer a diferença, com um rap de cara nova, com uma cara underground, moderna, suja.

Vai ter porrada?
Vai ter porrada! E vai misturar um pouco dos dois mundos, um lado introspectivo do Anaga e o outro mais psicodélico afro-futurista do Inumanos. E tem uma coisa, quando você é inovador, quando você tem essa tendência afro-futurista, as vezes você tá à frente do seu tempo. Acho que o Inumanos teve isso também, das pessoas não entenderem na hora o que você quer dizer. Porque não é uma música de se entender agora e descartar, é pra ouvir, pensar, voltar a escutar e aí você vai fazendo um entendimento na sua cabeça.

Vamos ficar no aguardo do Volume XI então.
E não vai demorar, não. Muito em breve tem coisa nova, já estamos trabalhando nisso. Com o Anaga a gente começa a turnê agora em maio, com show em São Paulo, e quando você menos esperar tem música nova.