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Música

Zine é Compromisso: Thiago Mello, do Broken Strings

Uma radiografia sobre a atropelada história do popular fanzine que deu suporte e origem ao festival Juntatribo, e que terminou com desavença nunca antes exposta entre os editores.

Uma porção de bandas interessantes surgiram no underground nacional entre os anos de 1990-93. Rolava aquela pira de misturar hardcore com alguma coisa - skacore, forrócore, rapcore -, uma pá de bandas "guítar", crossover e, mesmo a molecada que não curtia muito grunge, tinha um jeitão de ser meio grunge. Nessa vibe Plano Collor tresloucada, teve um festival em Campinas, interior de São Paulo, que serviu de marco ilustrativo daquela geração, o Juntatribo. O que nem todo mundo sabe - ou se recorda - é que o evento era nada mais nada menos do que um apanhado de bandas que passavam pelas páginas do fanzine Broken Strings, editado pelo Thiago Mello, o Ivan Christo França e o Sergio Vanalli. O impacto do Broken Strings foi tão representativo para o público e os artistas que, quando saiu a segunda edição, os caras já nem davam mais conta de despachar as cópias e responder as cartas que chegavam do correio. Segundo o Thiago, meu interlocutor para mais este capítulo da série Zine é Compromisso, eram mais de 20 cartas todos os dias. O carteiro até virou brother, tanto que a avó dele inclusive desenvolveu o hábito de servir cafezinho pro sujeito.

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O Thiago e o Ivan moravam perto e tinham entre 16 e 17 anos quando resolveram produzir um zine sobre as bandas que curtiam. O Sérgio apareceria como colaborador mais tarde, porém a tempo de participar da primeira edição. Como tantos outros adolescentes, naquela época o maior barato deles era catar um ônibus até a capital, onde passavam o dia na Galeria do Rock garimpando LPs, fitas-demo e fanzines. À noite, o rolê emendava uma ida a algum show no Retrô, no bairro de Santa Cecília, ou no Der Tempel da Rua Augusta, e só voltavam pra casa no dia seguinte ao amanhecer. O Thiago me contou que eles não conheciam muitos fanzines, mas lembra-se de voltar pra casa com edições do midsummer madness e do Esquizofrenia, os quais já perfilamos por aqui, e essas publicações eram como troféus para eles. "Fazer a própria revista de música era uma ideia que nos seduzia demais", disse.

Algumas pautas que ajudaram na repercussão positiva do Broken Strings tratavam de temas que ofereciam um olhar alternativo sobre coisas até comuns de se ler na grande imprensa, no entanto carregadas daquela linguagem cheia de ressalvas. Uma delas foi a resenha do Reading Festival, que uma amiga deles, a Márcia Bortolosso, fez para a segunda edição direto da Inglaterra. Pô, todo mundo tinha curiosidade de saber como era o clima daqueles festivais na Europa, a que poucos tinham acesso. Outra foi uma extensa biografia do Velvet Underground, que preencheu cinco páginas (o zine tinha formato A4 em paisagem, vai vendo…) do número #3, em letra miúda. Na discografia, eles se esmeraram tanto que listaram até alguns LPs piratas. "O pessoal elogiava muito os textos e isso deu uma boa credibilidade ao zine", comenta Thiago.

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Uma das matérias mais emblemáticas saiu também na terceira edição. Foi a cobertura do lendário Hollywood Rock 1992. Tão ligadxs, né? Aquele que teve Nirvana, L7 e Red Hot Chilli Peppers. A Alexandra Briganti, então baixista do Pin Ups, conseguiu acompanhar toda a passagem por São Paulo do casal Kurt Cobain e Courtney Love. Daí que ela e o João Gordo deram um depoimento colhido em áudio pelo Thiago numa entrevista na loja Zoyd, da Galeria, onde o Zé Antônio Algodoal, guitarrista do Pin Ups, trabalhava. Eles contaram em detalhes todas as paradas que o Nirvana e seus amigos aprontaram por aqui, sem censura, e o relato culminou em um artigo publicado na íntegra. O texto imortaliza cenas como uma histérica Courtney - segundo o Gordo - tendo uma crise de ciúmes por causa da Alê e, mais tarde, completamente louca, no melhor estilo sanatorinho, distribuindo dólares pros travecos e pras putas da Augusta. O Kurt, por sua vez, oferecia seringas suspeitas para "ajudar a passar uma dor de estômago"… E ainda tem neguinho que acha que o Justin Bieber é da pesada. Enfim, se liga aí na conversa que tive com o Thiago.

Noisey: Quais eram as suas fontes de informação musical quando começou a fazer o Broken Strings?

Thiago Mello:A maior parte da informação sobre música chegava através da revista Bizz, que assinávamos, e do saudoso programa na TV Cultura chamado Som Pop, apresentado pelo Kid Vinil. Nós gravávamos os clipes em VHS e as fitas quebravam de tanto que eram vistas, gravadas e regravadas. Ter um videocassete em casa era um luxo. Foi ali que ouvi pela primeira vez REM, Sonic Youth, The Fall, Replacements, Jesus and Mary Chain e tantos outros… Quando líamos uma resenha legal na Bizz, geralmente escritas pelo Kid Vinil, pela Bia Abramo, ou pelo Marcel Plasse, íamos correndo pras lojas escutar os discos. Minha seção favorita na Bizz era a das resenhas de LPs. Saiu muita coisa boa em LP no Brasil naquela época, a maioria pelo selo Stiletto. Lembro que o primeiro disco que comprei na vida foi o Substance, do New Order. Quis na verdade impressionar meu irmão que era fã do The Cure, do Echo e dos Smiths e já tinha me aplicado todos os clássicos como Black Sabbath, The Doors, Led Zeppelin, Pink Floyd, The Who… Sempre tive a felicidade de ter boa música para ouvir em casa. Minha mãe um dia chegou com o disco Meat is Murder dos Smiths, que um amigo dela emprestou, era demais tudo aquilo. Minha infância rolou no meio dos discos dos meus pais e daqueles que meu irmão mais velho trazia emprestados dos amigos. O Ivan, uma vez, descobriu uma banca de jornais na Unicamp (morávamos ao lado da universidade) que vendia alguns zines de HQ e semanários ingleses de música alternativa, o Melody Maker e o New Musical Express, que chegavam com apenas alguns meses de atraso. Foi aí que tivemos contato pela primeira vez com o My Bloody Valentine, o Ride e o Slowdive. A imagem veio antes do som. Quando finalmente ouvimos essas bandas, através de LPs (o MBV teve o primeiro disco lançado aqui) e de CDs que os amigos traziam do exterior, ou na pista do Der Tempel, o pensamento geral foi: “É isso!”.

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Em que publicações vocês foram buscar parâmetros para formatar as seções do Broken Strings?

Nos fanzines midsummer madness e Esquizofrenia, nos semanários ingleses e na Bizz, principalmente. Aprendi muita coisa também com outro amigo, o Pedro, que tocava guitarra no Kotton Crown. Tivemos um programa juntos, o Schizophrenia (por causa da música do Sonic Youth), na Rádio Muda, uma rádio pirata dos estudantes da Unicamp que existe até hoje, onde tocávamos nossos discos e cassetes. Éramos ingênuos e sonhadores. Ainda somos, na verdade.

Nessa época você era menor de idade. Mas não rolava muito aquela coisa de barrar a molecada nos clubes, né? Qual era o seu envolvimento com a cena nesse período aí, já conhecia o pessoal das bandas e tal?

Não lembro de ter problemas para entrar no Retrô ou no Der Tempel por sermos menores de idade. As mães ficavam malucas. Era a época das “guítar bands”, um termo que só existiu por aqui. A expressão “shoegazer” chegou muitos anos depois. Foi a época do hardcore e do comecinho do grunge. Eu sempre escrevi sobre música, algumas vezes apenas brincando, nem sabia o que estava fazendo, mas escrevia… No começo não pensávamos na coisa como uma cena. Era tudo uma grande diversão. Garimpar música era natural, fazia parte de ser adolescente naqueles tempos. Mas o zine só engrenou mesmo quando o Sérgio Vanalli, que tocava guitarra na banda Heaven in Hell e havia acabado de voltar de uma temporada na Inglaterra, começou a me ajudar. Ele descolou um esquema de fotocópias na Unicamp e um patrocínio com o DCE. Aí começamos a conhecer mais as bandas da cidade, do interior e da capital, frequentar ensaios, fotografar, assistir shows e a colecionar zines. Era uma diversão de amigos, pra comentar nos churrascos de domingo. Não tinha essa de “Ah, o Thiago é fanzineiro”. Saíamos pra curtir os shows. Nem bebíamos, éramos crianças. Mais tarde, vendíamos o zine na mesma banca de jornais que vendia a Melody Maker… Quase todos os meus amigos tinham bandas: Waterball, Muzzarelas, Heaven in Hell, Kotton Krown, No Class, Linguachula… A cena musical em Campinas era muito legal e variada, rolavam muitos shows e eu era metido a conhecer todo mundo das bandas. Eu fiz releases, cartazes e até ajudei na produção de alguns vídeos. Quando distribuímos a primeira edição do nosso zine em São Paulo, nas Galerias e no Retrô, eu já conhecia bastante gente. A repercussão do zine no meio foi grande, o pessoal elogiava. Mesmo antes do festival Juntatribo o zine teve destaque nos jornais locais em Campinas. Lembro de receber repórteres em casa pra me fotografar com a coleção de zines, e de ter que explicar pra eles o que era tudo aquilo. Tenho algumas dessas matérias guardadas até hoje. Acho que o zine meio que contribuiu para unir as turmas das bandas da cidade, e também para uma maior interação entre as bandas do interior e da capital. As bandas começaram a frequentar os shows uns dos outros. Metal, noise, garagem, guítar bands, punks, hardcore, os estilos de música eram diferentes, mas ficaram todos amigos, curtindo a música que os outros faziam.

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Num cenário em ebulição e com tantas tendências pintando, para que lado a biruta do Broken Strings apontava?

O Broken Strings (o nome foi dado pelo Sérgio, até hoje sou ruim para nomes…) falava sobre música alternativa. Basicamente sobre as bandas que gostávamos, nacionais ou estrangeiras. Não havia muita preocupação com estilo ou postura, ou com a “cena”. Claro, o foco eram as “guítar bands”, e lógico, apoiávamos totalmente qualquer expressão do Do It Yourself. Depois que o zine acabou, colaborei com outras publicações, mas sem o mesmo entusiasmo. Minha avó até servia cafezinho para o carteiro, de tanta correspondência que chegava, literalmente todos os dias. Chegavam LP's, montanhas de zines, fitas-demo, cartazes, filipetas…

É certo dizer que o festival Juntatribo foi a transposição da linha editorial do zine para o formato de evento musical?

A terceira edição do zine saiu uns dois meses antes da primeira edição do Juntatribo, já com o line-up na contracapa. As primeiras reuniões eram apenas eu e o Sérgio decidindo quais bandas chamar. Eram nossos amigos, foi fácil escolher. Mas não começou do nada. Antes do festival, organizamos junto com o DCE alguns shows com bandas como Pin Ups, Killing Chainsaw e Mickey Junkies na Unicamp. Lembro de um em que o palco foi a parte traseira de um caminhão, no estacionamento da faculdade de Física. Essas festas deram tão certo que resolvemos fazer um festival que fosse gratuito, como eram essas festas, mas nos moldes do Reading Festival que rolava anualmente na Inglaterra. Ou seja, um festival indie. Por sugestão de uma amiga, a Márcia Bortolosso (que ia pro exterior e tinha/tem a maior coleção de discos de rock que já vi na minha vida), adaptamos o nome de um festival gringo chamado A Gathering of the Tribes, criado em 1990 pelo Ian Astbury, vocalista do The Cult, e que rolou na Califórnia naquele ano. Esse festival foi também o percursor do Lollapalooza. A Unicamp, através do DCE, cedeu o lugar e uma pequena estrutura, nós divulgamos no esquema filipeta/cartaz em bares, rádios e universidades de Campinas. Apesar de sabermos que muitas das bandas divulgaram o festival fora da cidade e que a MTV pretendia fazer um especial de uma hora com trechos dos shows e entrevistas, no programa Mundo Cão, pensamos de verdade que fossem vir apenas umas 300 ou 500 pessoas, no máximo, por dia. Mas no primeiro dia a imprensa contabilizou duas mil pessoas.

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Como vocês reagiram quando viram a muvuca de gente chegando pro festival?

Foi assustador ver a fila enorme de carros quando chegamos no festival no final da tarde. Vimos placas de lugares como Rio de Janeiro e Goiás. Chegavam ônibus de excursão de vários lugares, muita gente acampou nos gramados e praças da Unicamp. Foi lindo. Saiu nas capas de todos os jornais da época, incluindo a Folha e o Estadão… No segundo dia até o Jornal Nacional da Globo fez uma matéria. Enfim, foi surpreendente a repercussão. Duas mil pessoas em média por noite, punks, anarcos, hardcores, hippies, guítars, góticos, todos se reuniram gratuitamente para assistir shows underground sob uma tenda no campo ao lado de uma construção chamada Observatório a Olho Nu. E quase não teve nenhum incidente sério. Foram três dias de muita paz e poeira, um bocado de drogas e muito rock'n'roll. Apenas no terceiro dia houve um incêndio no matagal próximo ao circo que foi apagado com camisetas, baldes de água e muito xixi (sim, muita gente mijou no mato pra conter o fogo), sem nenhum ferido ou prejuízo material. Engraçado foi que ninguém pensou que um bando de moleques pulando debaixo de uma tenda levantaria tanta poeira, por causa da seca do inverno. Poeira histórica, todo mundo saiu coberto de pó marrom claro. O festival ganhou o apelido de JuntaTerra. Havia um serviço de Kombis para buscar as bandas e fanzineiros na rodoviária de Campinas, e foi numa dessas Kombis que conheci pessoalmente o Rodrigo Lariú do midsummer madness. As bandas, roadies, amigos e fanzineiros ficaram hospedados em uma chácara um pouco afastada, com muitos quartos e banheiros decentes. Alguém do DCE tinha um parente que cedeu a chácara. Foi uma loucura. Me lembro das festas depois dos shows que rolaram lá. E os shows foram sensacionais. Foi a primeira vez que o Raimundos tocou em São Paulo. Muita coisa legal começou ali. Mas foi ali que muita coisa legal terminou também. No final do terceiro dia, o entusiasmo era tanto que já marcávamos a próxima edição do festival para o ano seguinte.

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Por que você diz que muita coisa legal terminou ali? Qual foi a treta que rolou?

As coisas não saíram como deveriam, o bichinho do lucro fácil mordeu parte da produção e houve um racha, nos desentendemos sobre a questão da gratuidade dos shows. O Sérgio queria organizar um festival com um patrocinador grande que garantisse um evento cobrado, segurança e infraestrutura, visando lucro. Eu queria que o festival continuasse gratuito como na primeira edição. Não fazia sentido ter lucro com aquilo, na minha cabeça era um hobby, algo feito por amor à música e às bandas que tocaram. No final das contas eu fiquei sabendo que havia sido “demitido” da produção do festival por uma matéria num jornal local… A alegação era de que queriam dar uma cara “mais profissional” pro evento. Foi criado um “escritório” para receber o material das bandas. E o Broken Strings acabou ali mesmo. Ainda assim, depois que não conseguiram armar o esquema que queriam, me convidaram para dar uma mão durante o festival, já que eu possuía um bom contato com as bandas. E eu fui, afinal, era meu zine e meu nome envolvido. No fim, fizeram o festival gratuito e de improviso, não conseguiram nem arrumar um esquema decente para o alojamento das bandas, que ficaram praticamente jogadas em salas de aula geladas, com um mísero colchãozinho de acampamento pra dormir e duas marmitas por dia pra comer. Foi triste. Levei muita gente pra minha casa. A minha sala ficou lotada de colchões e malas de gente que eu nunca tinha visto antes na vida. Mas fiz amizades que duram até hoje.

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A história que correu na época é que teve uns acidentes, banda que não conseguiu tocar, uma pá de coisa estranha nesse festival, não é?

No primeiro dia dessa segunda edição, o dia do hardcore, a primeira banda a tocar foi o Resist Control de Curitiba. Eles chamaram tanta gente pra pular junto no palco que o negócio não aguentou e ruiu. Quebrou ao meio. A estrutura metálica dobrou atingindo os instrumentos da banda IML, de São Paulo, quebrando duas guitarras e o baixo dos caras. Esse prejuízo nunca foi ressarcido pela banda ou pela organização do festival. Conclusão: não teve mais shows aquela noite, todos foram transferidos para o dia seguinte. Lembro do Sérgio, com muita coragem diga-se de passagem, sentado no palco com o microfone na mão tentado acalmar uma multidão de punks, metaleiros e demais pessoas que queriam ver os shows. Houve até um início de tumulto que ele conseguiu conter. Um dos carros da produção se envolveu num acidente, mas sem gravidade. No segundo dia eu mesmo levei um tombo do palco, dando um mosh, e caí de cabeça no chão, levantei, mas desmaiei em seguida, fiquei desacordado, um dos vocalistas do Waterball, o André, me levou pro hospital. Perdi os shows, justo os que eu mais queria ver, a “noite guítar”. Perdi uma mochila abarrotada de discos, demos, camisetas e zines que eu tinha ganhado das bandas. Quando acordei na maca, vi um monte de moleques em coma alcóolico, todos cobertos de poeira, passando mal. Foi muito trash. Nunca vou me esquecer dessa visão. Me senti responsável por isso e fiquei muito mal durante meses. Consegui ir assistir a terceira noite, ainda com uma dor de cabeça gigante. Lembro de sentar no Observatório com o pessoal da banda genial de Salvador, o brincando de deus, e meus amigos do Waterball, chapados, olhando aquele mar de gente ao entardecer. Mas o encanto já tinha passado, foi meio triste. Na última noite teve um show do Planet Hemp que foi incrível, teve o Magazine, a histórica banda do Kid Vinil, teve até um show do Kleidermann, banda do Branco Mello e do Sérgio Britto dos Titãs, que tocaram de surpresa. E foi assim que terminou o Juntatribo. Até hoje tem gente chateada comigo porque não pôde tocar na segunda edição do festival. Teve uma banda do Sul que foi mesmo sem ter sido escalada e teimou em tocar, era até boa a banda, eu tentei encaixar, mas já não estava mais nas minhas mãos. Até hoje um dos caras não fala comigo, saíram de lá reclamando do tratamento que as bandas receberam, com razão, mas como se fosse minha culpa. Enfim, coisas da vida.

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Editar o zine te inspirou mais tarde profissionalmente de alguma forma? O que essa experiência trouxe de importante para a sua vida pessoal?

Sim, inspirou muito. Toda essa vivência foi determinante para o que sou hoje e isso não exclui minha vida profissional. Sou designer gráfico e atualmente trabalho com audiovisual, especialmente documentários musicais. Penso que cresci e vivi numa época privilegiada. Tínhamos mais dificuldades para correr atrás da informação, mas ela vinha para quem buscava. Acho que dávamos mais valor pra música em geral, pro garimpo, era uma emoção ouvir um disco novo para nós, porém lançado um ano atrás. Mesmo com poucos recursos acho que os zineiros da minha geração foram verdadeiros heróis. E é importante o trabalho de resgate dessa história que vocês do Noisey estão fazendo, me sinto honrado de participar, ainda que minha contribuição ao mundo dos zines nacionais tenha sido em pequena escala.

Qual foi a edição mais marcante, ou histórica, do Broken Strings?

A terceira teve 20 páginas, ela saiu em junho de 1993, dois meses antes do Festival Juntatribo. Acho que conseguimos umas 500 cópias dessa edição, que foi em sua maioria distribuída de graça no festival. Eu lembro que fui buscar na gráfica dez caixas enormes, eram as páginas que montei e grampeei uma a uma durante umas três madrugadas seguidas. As duas primeiras edições foram fotocopiadas. A terceira foi impressa em gráfica. Ele foi montado no esquema colagem mesmo, com os textos digitados naqueles velhos 386… Será que alguém se lembra o que era isso? Tenho poucas cópias originais, mas pretendo, um dia, quem sabe, digitalizá-las e colocar tudo on-line.

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O que motivou o fim do fanzine na época? Depois, você continuou envolvido com música? Chegou a editar ou colaborar com outras publicações independentes?

O fim do zine aconteceu por conta das divergências entre mim e o Sérgio sobre a segunda edição do Juntatribo. Como ele terminou em 1993, na época do surgimento da internet eu já estava há muitos anos afastado da cena dos zines. Em 1995 mudei para Curitiba, onde apenas colaborei com alguns zines, foquei mais em aprender a tocar e a ter minha própria banda, que se chamou Isopor e fez parte de uma cena guítar muito boa que teve em Curitiba, onde a banda Tods era o grande destaque. Mudamos de nome depois que o Pato Fu usou "Isopor” para batizar um disco deles. Em 1999 fiz uma viagem para Austrália, e até toquei em uma banda lá. Dois anos depois voltei e me mudei para Florianópolis, onde vivi muitos anos. Depois fui para São Paulo, e agora estou de volta em Curitiba.

Você acha que, mesmo com a internet, ainda rola uma carência de veículos de música comprometidos com a boa música no Brasil?

Essa carência realmente existe. Acho que no Brasil o jornalismo musical nunca foi levado a sério, e o mesmo aconteceu com o jornalismo musical independente. Naquela época, começo dos anos 1990, tínhamos a Bizz e muita informação de qualidade nos jornais e nos demais canais oficiais. No entanto, em seguida tivemos uma fase muito ruim. São poucos os canais de informação hoje sobre música que me instigam a seguir. Parece tudo muito fragmentado e rápido. As pessoas não têm tempo ou paciência de ler uma matéria com mais de dois parágrafos e quem se arrisca a ser diferente disso não tem visibilidade. Infelizmente. E deveria ser o contrario, não é? A internet é maravilhosa. Mas até que ponto a informação ali, rápida e mastigadinha na sua mão, é absorvida, digerida e assimilada, é outra história. Falta um pouco de carinho ao ato de obter a informação. Mas gosto de saber que ainda hoje as pessoas fazem fanzines com colagens e fotocópias. É um artesanato radical. Vejo aqui em Curitiba muitos fanzines bons aparecendo, dentro da cena musical ou não. E o mais legal é que eles não se restringem a um único assunto. Poucos são sobre música, na verdade. Mas muitos artistas gráficos, poetas e ilustradores ainda exploram a linguagem das colagens, com resultados muito interessantes, perpetuando esse ato lúdico de produzir suas próprias revistinhas caseiras, mantendo os fanzines vivos e fazendo todo o sentido com isso. Isso me deixa realmente muito feliz.

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