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Música

'Anti' é o disco mais Rihanna da Rihanna

Certamente um dos melhores álbuns de 2016.

Na noite do último dia 28 de janeiro, a prolongada campanha (de um ano) para promover o lançamento do oitavo disco da Rihanna, ANTI, chegou ao fim não com um dilúvio, e sim com uma goteira: na noite seguinte ao lançamento mundial do novo single principal de ANTI, “Work”, o Tidal, serviço de streaming de música com o qual Jay Z, chefe da gravadora da Rihanna, a Roc Nation, fez parceria no ano passado, colocou no ar a página de compra do disco por tempo suficiente para que um grupo de fãs o pegasse e vazasse na internet. Não muito tempo depois, o site do Tidal ofereceu um milhão de downloads gratuitos do disco completo, em conluio com a gigante dos smartphones Samsung, com a qual a cantora se juntou para um quixótico jogo estilo vision quest para plataformas móveis no outono último, dois anos após o inaudito lançamento patrocinado pela Samsung de Magna Carta Holy Grail, do Jay Z. O vazamento foi intencional ou uma saída equivocada para fechar um lançamento que já andava mal das pernas? Pouco importa. O que interessa mesmo é que o disco finalmente saiu.

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Em retrospecto, o emaranhado de singles pré-disco radicalmente díspares que serviram de presságio para o lançamento de ANTI passa menos a impressão de uma artista que está disparando para todos lados para ver onde acerta e mais a imagem de uma artista que está tentando fugir às sufocantes amarras das expectativas. Rihanna é bem conhecida por ser uma artista de singles, devastadora em pequenas doses, mas que às vezes tem dificuldades para sustentar os pontos altos de seus mais vendidos, quando se trata de discos completos, embora Unapologetic, de 2012, se destaque como um forte conjunto de músicas guiadas por uma voz firme. O choque sistêmico do passeio de Rihanna pelo country em “FourFiveSeconds”, lançado no último inverno, seguido do peso industrial trap de “Bitch Better Have My Money” e da música-mensagem ousadamente política “American Oxygen”, provaram que Rihanna se nega a ser rotulada na mesma medida em que se disse, a respeito dessas músicas, que elas mostravam que Riri não sabia para onde estava indo. Ao ouvir ANTI do início ao fim, fica claro que ela vem tentando evitar seu próprio pendor por musicões de dance-pop, de modo a nos introduzir aos poucos a uma visão diferente do que ela é capaz de fazer.

“I gotta do things my own way, darling” [“Tenho que fazer as coisas do meu jeito, meu bem”], Rihanna canta no refrão da faixa que abre ANTI, “Consideration”, possivelmente repreendendo um amante pentelho, mas é difícil não ver isso como uma aceitação satisfeita da liberada persona pública e midiática da cantora. Ela é uma força ímpar no pop mainstream: Beyoncé é poderosa e sincera, mas também enamorada dos laços de família que fincam seus pés no chão, ao passo que, no outro extremo do espectro, Katy Perry reveste suas mensagens com devaneios emos e Gaga passou de seu estilo PVC e tela de galinheiro para uma dieta rica em fibras de canções clássicas estilo cabaré, imagina-se que em busca do esquivo EGOT (obter os prêmios Emmy, Grammy, Oscar e Tony). Rihanna, em comparação, é ao mesmo tempo intransigente e imprevisível, e ANTI, enquanto conjunto de sons e também de letras, confirma essas coisas em um leque aparentemente aleatório de mensagens e estados de espírito. O título do disco não é nenhum acidente; ANTI é uma rejeição da ideia de que Rihanna alguma vez precise ser uma única coisa para quem quer que seja — público, parça ou peguete.

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Nesse disco não há faixas resfolegantes de EDM; os únicos reconhecimentos indiretos dessa ala da discografia de Rihanna vêm no baixo pulsante de “Needed Me” e na colaboração com Drake, “Work”, uma brisa de pista de dança enfatizada por leves blips de sintetizador, inspirados na house, dos produtores de Toronto Boi-1da e Sevn Thomas. Nas outras faixas, Rihanna passeia avidamente pelos estilos mais díspares: “Consideration” experimenta um pesado trip-hop à lá Portishead, ao passo que “Kiss It Better” e “Desperado” brincam com vibes de moody rock. A parte final do álbum dispara uma pura faixa de R&B produzida por Timbaland (“Yeah, I Said It”), um fiel cover do Tame Impala da era Currents (“Same Ol' Mistakes”), uma arejada brincadeira na bateria acompanhada de violão que faz referência a Dido (“Never Ending”) e três poderosas faixas que arrasam a alma. É nesse ponto em que ANTI realmente se abre. Rihanna exibe suas emoções com orgulho em “Love on the Brain” e “Higher”, vendendo uma ânsia aos frangalhos ao flexionar a extremidade mais alta de seu registro, rasgando nessa última faixa de um jeito que nunca se ouviu antes.

A influência de Travis Scott, anunciada por Glass John, que colaborou em “Kiss It Better”, em uma enigmática sequência de tuítes sobre o mensageiro de Kanye tentar coagir Rihanna a fazer um disco de trap, é bastante exagerada. Scott ajuda na impetuosa canção de pé-na-bunda “Woo”, mas tirando essa, suas impressões digitais, ainda bem, são difíceis de encontrar. Foi na melhor das hipóteses imprudente quem acreditou que Rihanna — uma mulher de negócios internacional, inteligente, astuta e ilimitadamente engraçada, que pode ao seu bel-prazer jogar para o lado astros do rap e dos esportes como cascas de espiga de milho — pudesse ser a marionete de um arrivista social descaradamente ambicioso e confessadamente fodido pelas drogas como Scott. ANTI ter relativamente porra nenhuma a ver com seu reino de danças eróticas anestesiadas em boates na madrugada é um lindo desagravo. Ela tenta um pouquinho com “Woo”, supera como se não fosse nada as capacidades dele como vocalista, e joga fora para tentar outra coisa.

A multiplicidade de faces de ANTI pode ser desorientadora. Num minuto Riri anseia por conexão humana em “Work”, e depois a vemos informar a um amante que ele é “just another nigga on the hitlist” (“só mais um mano na minha lista de peguetes”), em “Needed Me”. Mas a vida é assim. É preciso topar com gente que tem fobia de compromisso, gente que é para uma noite só, desertores, e os basicões, até se encontrar alguém de verdade. Há honestidade na ambiguidade de ANTI. Ninguém deseja uma coisa só o tempo inteiro, no amor ou na música. Por que seria diferente com Rihanna? Em ANTI, ela fez um disco que é desafiador, verdadeiro, e cantado de uma maneira linda. Talvez não seja o pacote para festas que muitos esperavam, mas a vida não começa e nem termina na porta de uma boate, e reconhecimento dessa verdade por Rihanna rendeu uma das melhores obras de sua carreira.

Craig Jenkins é editor do Noisey. Siga-o no Twitter.

Tradução: Márcio Stockler

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