FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Uma entrevista com Jane Abernethy, a A&R que contratou a Grimes e outros artistas que você ama

Quem disse que não há mulheres descobrindo novos talentos da música?

Grimes.

Emma-Lee Moss é artista e se apresenta com o pseudônimo Emmy the Great. Ela também é uma colaboradora frequente do Noisey.

Em novembro passado, Jimmy Iovine, co-fundador da Beats, atraiu indignação mundial quando sugeriu que a sua tecnologia, agora parte da Apple Music, era útil para as mulheres porque “é muito difícil para elas, às vezes para algumas mulheres descobrir música”, e que as mulheres precisam de música quando “estão por aí, falando sobre garotos. Ou reclamando dos garotos, quando estão magoadas ou coisa parecida”.

Publicidade

Embora Iovine tenha pedido desculpas depois, e a sua entrevistadora, Gayle King, tenha dito que as palavras dele foram tiradas de contexto, os seus comentários fizeram muita gente se perguntar se o deslize havia sido um vislumbre de uma mentalidade que impregna os altos escalões da indústria musical. Tendo passado quase uma década na indústria musical, como artista e jornalista, esta ideia de que os que estão no topo da estrutura têm uma visão arcaica e prejudicial das mulheres, que acaba afetando nossa posição na indústria como um todo não me surpreendeu. Nas semanas seguintes aos comentários de Iovine, me peguei desenterrando velhas memórias de reuniões e conflitos ao longo da minha carreira. Será que eu tinha perdido oportunidades por causa do meu gênero, ou apenas por causa do jeito que as coisas funcionavam? Será que este chefe de gravadora tinha gritado comigo por que eu era mulher, ou simplesmente por que ele era cruel? Enquanto repassava estes incidentes à procura de pistas, subitamente me dei conta de que estava ignorando algo totalmente óbvio. Não era uma pista, mas a prova irrefutável: todos os executivos de gravadora, publishers e A&Rs com quem eu tinha trabalhado eram homens. Mesmo que você removesse o problema do sexismo da investigação, só precisaria olhar os números para perceber uma grave crise de desigualdade de gênero na indústria musical, levando a uma cultura geral voltada para, criada para e perpetuada por homens.

Publicidade

Neste momento, pensei na minha amiga Jane Abernethy, uma A&R de sucesso no selo 4AD. Conheci Jane na University of Westminster, onde estudávamos Música Comercial. Ela era aquela pessoa nas festas que sempre fugia do óbvio na hora de colocar música, aquela pessoa cujas playlists te apresentavam a artistas que você curtiria para o resto da vida. Quando nos formamos, Jane era estagiária na 4AD, e antes dos 30 anos, como A&R, já havia contratado alguns dos artistas mais empolgantes e influentes dos últimos tempos, incluindo a tUnE-yArDs e a Grimes, lançando suas carreiras internacionais. Quando os comentários de Iovine se tornaram públicos, um tuíte dela foi parar no Guardian: “Sou mulher e ganho a vida descobrindo artistas. É Jimmy Iovine quem precisa de ajuda”.

Jane e eu começamos a compartilhar nossas experiências e pensamentos sobre o assunto. Um dia, ela apontou que, enquanto muitas matérias são escritas sobre mulheres produzindo música, poucas são feitas sobre as mulheres que trabalham na indústria. Talvez, ela ponderou, se tivéssemos equilíbrio nos bastidores, as artistas mulheres não teriam tanta dificuldade tentando receber os mesmos privilégios dos seus pares masculinos. Como tantos outros conceitos simples que fomos condicionados a ignorar como sociedade, isso não devia ter sido uma revelação, mas foi.

Segundo a British Performing Rights Society, em 2013, apenas 13% das pessoas que lucravam com a publicação de música no Reino Unido eram mulheres, e entre os membros do Music Producer’s Guild, apenas 4% eram do sexo feminino. Embora cerimônias de premiação e capas de disco possam sugerir um número alto de mulheres na música, qualquer um que tenha entrado em um estúdio ou escritório da indústria sabe que, não importa quantas mulheres você tenha na sua banda ou na equipe que você organizou pessoalmente, quando você entra em contato com outras redes, como publicação, distribuição, shows, produção, jurídico e qualquer outra engrenagem da máquina, é mais provável que você encontre um homem.

Publicidade

Aqui está o resultado da conversa que tivemos quando Jane me deixou entrevistá-la. Espero que possamos iniciar um debate mais amplo sobre as mulheres na indústria musical e encorajar mais mulheres que estejam dando seus primeiros passos na indústria a ver a função de A&R como um caminho possível.

Jane Abernethy

Noisey: Você começou a trabalhar no 4AD como estagiária na faculdade, me fale sobre isso.
Jane Abernethy: Quando me candidatei para o estágio na 4AD, era 2004 e eu tinha vinte anos, não sabia muito sobre o selo. Quando olhei o catálogo, pensei: “Adoro Cocteau Twins e os Pixies”. Me lembro de pensar que gostava de alguns artistas do catálogo daquela época, mas o selo estava saindo de um período difícil, o fundador tinha ido embora e não havia muitos artistas novos empolgantes.

O selo estava começando a se renovar quando entrei. Os Pixies se juntaram de novo bem na hora da minha entrevista, e me lembro de pensar: “Ah, sim, os planetas se alinharam, vou ganhar este estágio”. Na época, meu futuro colega parecia impressionado que, aos 20 anos, eu gostava de artistas como Joni Mitchell, e achei interessante que essa fosse uma empresa que parecia querer me recompensar pelo meu gosto musical, que era diferente das outras pessoas da minha idade na época.

Como a internet influenciou o seu gosto musical naquela época, na era de ouro do Myspace?
Na verdade, um dos meus primeiros trabalhos foi num cybercafé, e lá fiquei sabendo do Napster. Depois o Myspace se tornou uma ferramenta de descoberta ainda melhor para mim, envolvia toda a sua vida social, usando música para definir quem você era, o que é extremamente importante quando você é jovem. O Top 8 do Myspace era muito importante na minha vida, era como eu me conectava a uma comunidade musical conheci a Larkin Grimm numa turnê, e através dela descobri os Dirty Projectors num momento crucial da formação deles. Na primeira vez em que os vi, eles eram uma banda de sete integrantes, todos homens, e na segunda vez, eram uma banda de quatro integrantes, com a Amber e a Angel. Foi uma revelação extraordinária. Fiquei impressionada com a habilidade musical deles e com como eles eram absurdamente descolados. Foi muito revigorante ver mulheres tocando partes complexas de baixo e guitarra, e cantando ao mesmo tempo ainda, usando a técnica hocket.

Publicidade

Quando você deixou de ser estagiária e se tornou A&R?
Acho que eu essencialmente sempre fui uma A&R. Acho que isso é algo que as pessoas deviam saber, você se torna um A&R sendo um, e eventualmente alguém vai te pagar. Muito poucas pessoas anunciam cargos de A&R, porque tem muita gente disposta que vai chegar e dizer “deixa eu fazer isso pra você, olha só todas essas bandas”. Eu sinto que sempre fiz isso, e eventualmente achei uma empresa.

Qual foi o primeiro artista que você contratou?
A tUnE-yArDs foi a primeira que contratei, mas o primeiro artista que trouxe como estagiária foi o Bon Iver.

Nada mau.
O que rolou com o Bon Iver foi ótimo, porque eu adorava a música dele, falei para os meus chefes e eles assinaram um contrato (para a Europa). Naquele momento, percebi que não era ali que eu queria que a minha função acabasse. Eu queria mais envolvimento, mais autoridade sobre os artistas que trazia, para poder cuidar deles. O 4AD foi ótimo porque eles perceberam isto e me deixaram tentar ser gerente de produto. Foi importante para o meu desenvolvimento, porque eu não só sentava com as bandas e falava sobre as músicas de que gostávamos, mas podia falar sobre a estrutura da nossa empresa e as nossas campanhas. As primeiras campanhas que gerenciei foram a do Deerhunter e do Bon Iver, e elas foram experiências muito importantes de aprendizagem para mim.

E então você contratou a tUnE-yArDs?
Sim, meus chefes viram que eu estava pronta para assumir algo sozinha e queriam me dar a oportunidade de crescer, e a próxima artista que descobri foi a tUnE-yArDs. Na verdade, acredito que tenha sido através do Top 8 do Dirty Projectors no Myspace.

Publicidade

Agora sei qual vai ser o título da minha matéria: “O Top 8 fez a minha carreira!”
Foi assim que a Katie do Young Turks descobriu o The XX também…

Temos que falar com ela sobre o Myspace! Você me disse uma vez que quase não há nenhuma discussão sobre a mulher na indústria musical…
Acho mesmo que isso devia estar presente na discussão sobre o sexismo direcionado às artistas mulheres, porque me choca ler tantas matérias sobre isso e não ver nenhuma menção ao fato de que a maneira de melhorar as coisas para as artistas mulheres é colocar mais mulheres em cargos de liderança na indústria musical. E não só nos selos. O equilíbrio de gênero deveria se refletir em todas as áreas, nas lojas de equipamento musical, nas lojas de instrumentos, nas agências de booking, nas empresas de publicação. Conheço muitas mulheres em muitas funções, e fico feliz que as coisas estejam melhorando, mas é interessante que este crescimento ou busca pelo equilíbrio de gênero nunca seja mencionado quando é tão obviamente crucial.

É uma questão de reflexo também. Como um selo boutique de uma grande gravadora pode ter uma artista solo mulher e cinco bandas só de homens, e isso pode parecer normal porque as pessoas olham em volta no escritório e vêem a mesma proporção.
Tem a ver com a função também. Há certas funções que são dominadas por mulheres, o que faz a coisa parecer mais equilibrada no papel. As relações públicas e o marketing tradicionalmente são áreas mais habitadas por mulheres, e ajudaram a criar um equilíbrio de gênero na indústria, de modo geral, mas conheço muitas estagiárias jovens, e quando pergunto a elas o que querem fazer, elas parecem gravitar para essas funções. Pergunto a elas sobre A&R e elas dizem que nunca pensaram que podiam fazer isso. O fato é que elas podem. Não que tenham que fazer, mas gostaria que elas soubessem que têm essa opção.

Publicidade

Vamos falar sobre a Grimes, porque acho impressionante o que você conquistou com ela. Quando ela entrou no seu radar e como foi contratá-la?
Por causa da internet, há muita informação o tempo todo. Então não se trata de quando você ouve falar de alguém, mas quando essa pessoa chama tanto a sua atenção que você não pode mais ignorar. Com a Grimes, eu já tinha ouvido falar dela, ela já tinha feito dois discos e um EP. Estava indo para o Pop Montreal e encontrei o empresário dela na época, que comandava o selo em que ela estava, e descobri que eles estavam procurando uma parceria, alguém com quem pudessem trabalhar fora do Canadá. Naquela época, a música dela não era obviamente comercial, então eles estavam falando com selos independentes. Tinha muitos que gostavam dela, mas lembro de ouvir Claire dizer que éramos basicamente os únicos que lançariam Visions tal como ele era, outros selos aparentemente pediram que ela o refizesse com um produtor.

Outra coisa que eu diria sobre a Grimes é que ela estava fazendo tanto sucesso que pensei que ela já estava trabalhando com uma grande gravadora. Na primeira vez em que a vi tocar, me roí por dentro por ter perdido a oportunidade. Foi o melhor show de um artista novo que vi na época. No dia seguinte, encontrei o empresário dela, eles disseram que estavam procurando parceiros e eu literalmente corri até o meu quarto para mandar o disco dela por e-mail para o meu chefe. O que estou tentando dizer é que você não precisa mais de um selo para começar, um bom selo só vai melhorar o que você já está fazendo. Quando Claire foi contratada, ela já estava lançando discos com uma tiragem pequena, fazendo turnês e dando entrevistas, e ela tinha uma presença visual. Hoje em dia, um selo tem maior impacto se você já está fazendo as coisas antes dele se envolver.

Publicidade

Mas a Grimes teve muito mais visibilidade depois do selo se envolver, e eu sei que você teve um enorme papel nisso. Lembro de ficar muito empolgada quando soube que você estava trabalhando com ela, e descobri isso quando vi você sendo modelo de mãos para os anéis de vagina dela!
A equipe certa pode fazer uma grande diferença para os artistas, e a Grimes tem uma ótima equipe. Claire é muito inspiradora de se trabalhar, e acho que ela extrai o melhor trabalho das pessoas à volta dela, e além disso, ela é extremamente talentosa, em muitas áreas, e tudo que ela realmente precisava era que facilitassem para ela o trabalho de pôr em prática as suas ideias, o que, espero que ela concorde, a encorajamos a fazer.

Agora que você tem um pouco de poder, o que gostaria de fazer pelas mulheres na indústria? Qual gostaria que fosse o seu legado?
Me sinto muito sortuda de ter conhecido Merrill e Claire. Contratando essas artistas e as ajudando a definir suas visões, acho que ajudei de alguma forma. A música delas é maravilhosa, mas elas também são ícones feministas da nossa era. As duas são DIY, tomam todas as decisões sem medo na hora de fazer a sua música e apresentá-la. Me sinto incrivelmente orgulhosa das conquistas delas.

Emma-Lee Moss faz músicas incríveis. Ela está no Twitter. Mas você também deveria seguir a Jane Abernethy, que obviamente também é demais.

Tradução: Fernanda Botta

Siga o Noisey nas redes Facebook | Soundcloud | Twitter