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Música

Straight Outta Maïssade: O rapper haitiano MC Lobenson quer conquistar Brasília

Inspirado por Jay Z, Racionais e Eminem, Lobenson Mereus é um dos milhares de imigrantes haitianos que vivem hoje no Brasil em busca de uma vida melhor. Mas não tá mole, não.

Eu sou da favela, vou cantar pra ela. Foto: Arquivo Pessoal.

“Meu lance sempre foi hip-hop”, diz o haitiano Lobenson Mereus, 24, nascido na pequena cidade de Maïssade, perto da capital Porto Príncipe. Ele vive hoje em Brasília, a 4.600 quilômetros de sua terra natal. A distância não o assusta. Todos os dias, sai de casa munido de bombeta, um par de fones de ouvido e marra suficiente para sobreviver à monumental indiferença candanga. “Eu curto muito o Jay Z”, assegura. MC Lobenson, nome artístico de Mereus, também está decidido a ter um Brooklyn pra chamar de seu.

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“Eu participava de um grupo chamado Explósion. Cantava com uma galera, a gente rimava, fazia shows”, conta. O rapper vive na Vila Planalto (“lá pra mim é tranquilo, é favorável”) e tira seu ganha-pão cortando cabelos numa barbearia na Rodoviária do Plano Piloto; é só dar vintão na mão dele pra sair com um desenho bem chavoso na nuca.

“Fiquei no Brasil porque a adaptação foi mais fácil, gosto do jeito das pessoas daqui”, diz. Há quatro anos no país, Lobenson é um das dezenas de milhares de haitianos que imigraram para cá na esperança de fazer a vida após o terremoto que destruiu o país caribenho em 2010. Antes de ancorar, passou por Jamaica, Equador, Guiana Francesa e Cuba.

Veio também mostrar seu som pro mundão, sonho dos tempos de DJ na Rádio Fraternité. Economizou por oito meses pra bancar a produção de “No Beef”, seu primeiro clipe, lançado em janeiro de 2015. “A gente tem produtor, mas a gente que banca”. No último fim de semana, fez uma apresentação em Ceilândia.

Um haitiano inspirado por rap americano cantando em creole no Brasil. Lembra quando a gente achou que dava pra parar a globalização? Nem eu.

Se os clipes não são nenhum Transformers, a pegada ostentação de Lobenson tem personalidade, incorporando alguns elementos de sua música nativa. “Lá no Haiti temos uns ritmos muito fortes, como o compas, que é a música oficial do país”. Djakout Mizik, os rappers Izolan e Fantom, Rock Family (o que isso te lembra?) e Barikad Crew são seus conterrâneos favoritos. “O rap aqui no Brasil não é muito diferente do nosso”, pondera.

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As músicas são produzidas pela NoisQFaz, e algumas têm participação de artistas de Brasília e região.

“Eu escuto muito MC Guimê, Racionais, Emicida, Criolo, mas minha pegada é mais rap americano; gosto muito de Eminem, Wiz Khalifa, 50 Cent”, diz. “Também escuto muito sertanejo, Wesley Safadão, Luan Santana, Jorge e Matheus. Quando você é artista, tem que ouvir muita música, e tem que escutar de várias maneiras pra ver qual é boa pra você”.

O cara rima em creole, francês, português e inglês e a gente não sai do português básico II.

Lobenson também é fã de Wyclef Jean, ex-integrante do Fugees (aquele disco deles, The Score, completou 20 anos em fevereiro de 2016). Possivelmente o Pelé haitiano, Wyclef chegou a tentar uma candidatura à presidência do país, mas foi impedido por não residir nele. “Ele ia ganhar, mas puxaram o tapete”, lamenta. “A população acredita nele, sempre foi um cara humilde”.

A simpatia não é a mesma por Jean Bertrand Aristide. “Nossa, esse era ladrão demais, merecia umas pancadas pesadas”, diz sobre o presidente de esquerda deposto por um golpe de estado em 2004. “Michel Martelle (presidente de 2011 a 2016) foi bom, mas nós temos muita riqueza e tem uns presidentes, como o Baby Doc e o Papa Doc, que destruíram tudo”.

As conversas com o pai pelo Whatsapp ajudam Mereus a manter a espinha ereta diante dos problemas cotidianos — como o racismo. “Se até os grandes como Nelson Mandela sofreram com racismo, não seria eu que não iria sofrer”, diz. “Mas a pessoa que tem capacidade de entender o ser humano não vai julgar ninguém pela cor da pele”.

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Lobenson conversa todos os dias com o velho, dono de uma loja de produtos alimentícios em seu país de origem. “Se acontece alguma coisa, atrasa o aluguel, ele dá uma força”, diz o rapper, que foi ainda o primeiro dos 43.375 haitianos beneficiados pela decisão do governo Dilma de conceder visto de permanência no país, em novembro de 2015.

Sem o microfone, Lobenson mete a tesoura nos populares e engravatados.

O haitiano tem se integrado tão bem ao nosso país que já tem entre seus pratos favoritos mortadela e coxinha (brincadeira). Falando sério: Lobenson é mais um baqueado pela crise. Dois conterrâneos não seguraram a bronca e tiveram de deixar o Brasil — um deles o também rapper FreeThony, de quem era parceiro. “Tá me afetando demais: antigamente eu ia e voltava do Haiti com R$ 2,5 mil, agora pago R$ 7 mil”, diz. “E minhas contas são pesadas, tá ligado?”.

Ainda assim, Lobenson embarca em breve para visitar a família no país caribenho. Na volta, sonha em estudar administração, ciência da contabilidade “ou diplomacia” e cogita abrir uma lojinha na Feira dos Importados, uma espécie de Santa Efigênia brasiliense. E ainda sobra uma disposiçãozinha pra trocar porrada. “Quando voltar, acho que também vou tentar uma carreira no jiu-jitsu”.

Ele também vai aproveitar a ida ao Haiti para coletar imagens para o clipe duma música que está terminando de compor. O som deve integrar seu primeiro álbum, ainda sem data para ser lançado. “O título provisório é “The Future is There”, é um som mais social, que fala sobre a situação dos negros”.

Lá ou cá, Lobenson, que o futuro chegue logo. Boa viagem.

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