FYI.

This story is over 5 years old.

Música

“Não É Só Paixão, São Negócios”: Rodrigo Lariú Mostra o Outro Lado do Disco

Depois da estreia do documentário ‘O Outro Lado do Disco’, o diretor e cabeça pensante da Midsummer Madness conta as dores e as delícias de ter um selo independente no Brasil.

Estreou no domingo (5), no Canal Brasil, o primeiro episódio do documentário O Outro Lado do Disco, com direção de Rodrigo Lariú, a cabeça pensante por trás do lendário selo indie Midsummer Madness. A série em quatro episódios fala das gravadoras independentes que traçaram um caminho paralelo ao das grandes da indústria fonográfica: o caminho de desbravar, meter as caras e lançar seus próprios discos. “Antigamente, se você fosse um artista, ou tinha que ser contratado de uma gravadora ou não lançava. Você dependia de uma indústria, porque era tudo muito caro. As sedes das gravadoras brasileiras eram grandes parques industriais”, contou Lariú, por telefone.

Publicidade

O objetivo da série é mostrar como estes selos conseguem se sustentar, e qual o caminho que os grandes exemplos trilharam para alcançar o sucesso. “Uma gravadora independente se mantém, basicamente, com as próprias receitas que gera, e não é vinculada a nenhuma multinacional, ou seja, não é uma major" explica. “A Continental era uma empresa gigantesca que tinha o tamanho de uma multinacional mas tinha o capital 100% brasileiro, tinha um catálogo de artistas gigantescos e vivia basicamente da venda de discos. Ela não era uma major porque gerava o próprio dinheiro. A Deck é um exemplo de gravadora grande, independente e brasileira. O João Augusto, presidente da Deck, fala que eles vendem o almoço pra pagar o jantar. Eles só vão lançar o próximo disco se venderem o atual. A primeira definição de independente é não ser um braço de algum outro investimento".

Influenciado pela longa história de seu próprio selo, Rodrigo Lariú decidiu recortar a história da indústria fonográfica brasileira em 45 anos, desde os primeiros lançamentos, nos anos 70, até a tecnologia atual, que permite que músicos e artistas sejam responsáveis por todos os estágios de produção de suas músicas, desde a composição até a distribuição. Para saber o que ele pensa sobre este momento, batemos um fio com o diretor:

De onde veio a ideia de documentar tudo isso?
A Midsummer Madness tem 26 anos, então eu acompanhei essa história toda. A ideia veio de achar que já dava pra contar essa história, mesmo. Usei como fio condutor todas essas mudanças de mercado. E além de eu ter uma gravadora e ter vivido parte disso, a gente tentou contar uma história paralela à história recente da música brasileira. Nosso recorte é de quatro décadas, e se você for procurar isso nas mídias convencionais, vai ler muito sobre MPB, Chico Buarque, Elis Regina, Jair Rodrigues e a gravadora Phillips, EMI e tal. Mas cadê o outro lado da história? Por isso que se chama Do Outro Lado do Disco. A intenção foi contar os altos e baixos dessa história lado B. A Continental era independente e lançou o Secos e Molhados, lançou o Walter Franco. A Eldorado lançou a Daniela Mercury, lançou o Thaíde e o DJ Hum, investiu no rap nacional lá nos anos 80.

Publicidade

Quais foram as pérolas que você conseguiu trazer para a superfície com este doc?
No primeiro episódio teve a Lira Paulistana, com Itamar Assumpção e outras bandas que você nunca ouviu falar. Nos anos 90 teve os artistas da Monstro Records, de Goiânia, teve o Tamborete, do Rio de Janeiro. Como o fio condutor da série é realmente a questão do mercado, a gente não foca muito nas bandas, a gente não falou com os artistas, só com o pessoal das gravadoras. O foco é os selos, a Monstro, a Tamborete, a Banguela, a Rocket, a Radical. Aí naturalmente colocamos as bandas pra ilustrar, mas o foco é os selos. Entrevistamos uma galera de Belém, chamada Discos ao Léo, que decidiu só lançar vinil. Também tem o pessoal da MAWW, de São Paulo, que só lança música eletrônica, e só em K7.

No documentário, Eduardo Fioti, do Laboratório Fantasma, explica sua lógica alternativa de produção de conteúdo.

Qual é o recado a se passar para as novas gerações de produtores musicais, principalmente os que estão fazendo música de maneira autônoma, em seus quartos e tal?
Todo mundo, das grandes gravadoras independentes até quem tá começando a compor seu disco em casa, entende a mesma coisa: se você monta uma gravadora, um selo independente, você tá querendo uma parceria, trabalhar junto, você ama aquilo e quer se juntar a pessoas que também amam e que ajudem aquilo a ser difundido, divulgado. O principal recado é esse, essa paixão, se juntar com pessoas que amam o que você faz. Hoje é possível gravar com qualidade de orquestra, sozinho, dentro do seu quarto e tal, jogar isso na internet e foi! Mas na maioria das vezes, o selo é alguém querendo te ajudar a divulgar melhor aquilo. É isso: é legal estar associado a alguém que gosta da mesma coisa que você. O selo é um coletivo de artistas que ama sua música e quer te ajudar, e serve pra te colocar num nicho, porque pode ser que ninguém te conheça, mas de repente você entra numa gravadora e o público supõe que a sua música seja boa sem te ouvir.

Publicidade

A Motown virou um exemplo disso, a Subpop também é uma referência, então é isso, a gravadora é uma opção, uma referência, um selo, no sentido literal mesmo. O quarto episódio tem um depoimento do gerente de labels da Deezer da América Latina que defende que a gravadora é um facilitador, um prestador de serviço. Ele diz que prefere mil vezes falar com uma gravadora que vai disponibilizar um catálogo inteiro do que falar com um por um. O Laboratório Fantasma saiu dessa lógica de lançar disco, de fazer show de lançamento de disco, hoje eles produzem conteúdo pra internet, fazem clipes, documentários. A Kuarup é uma gravadora de mais de 40 anos, que ainda está atuando e que entende o digital e traz valor pra um disco que foi lançado em 1977. Se não fosse uma gravadora, eu duvido muito que cada um dos artistas estivesse fazendo isso.

Você considera a cena independente mais unida atualmente? Como você a enxerga?
Infelizmente, não. Eu achava que hoje estivesse tudo mais fácil, porque o cara do interior do Pará tem como fazer sua banda estourar. Mas não é bem assim. Entre todos os entrevistados, foi unânime a opinião de que não existe crise na música, mas nos formatos em que ela era produzida. Mesmo assim, não adianta pegar essa banda do interior do Pará, gravar e colocar as músicas no Soundcloud, porque ainda falta aquela interação entre o artista e o público, seja através de um show, de uma conversa, de uma música, ou de um clipe. Você tem que tocar as pessoas, tanto o seu público quanto quem trabalha com você.

De certa forma, a tecnologia separou as pessoas, ao invés de juntar. Se o cara colocar as músicas lá e não fizer mais nada, achar que isso é suficiente, não colocar seu bloco na rua, não adianta. Não adianta você achar que é fácil gravar, que é fácil divulgar. É tudo falso. Você faz um evento de Facebook e 300 pessoas confirmam presença, mas só 30 vão. Se você vai num show que tem cinco pessoas e o artista conseguir tocar o público, no próximo vai ter 50, no outro 500, 5000 e assim por diante. As mudanças aconteceram, a tecnologia veio para o bem, mas as pessoas têm que se lembrar que o intuito não pode ser apenas publicar sua música num site, não são só números. Não é só paixão, é um negócio.

Você acha que as gravadoras independentes ganharam o espaço que as majors perderam depois da crise do CD? Isto está mais equilibrado?
Está sim mais distribuído, desde a crise que o MP3 gerou no mercado. Não sei se está mais democrático. Porque a discussão das gravadoras independentes atualmente não é mais sobre o monopólio de majors, problemas de distribuição e tal. A discussão delas é com outros grupos igualmente gigantescos, tipo Apple, Google, referente a royalties, a dinheiro mesmo. Hoje tem muito mais espaço, que veio graças às mudanças tecnológicas, que de certa forma continuam tendo que disputar espaço e negociar com grandes grupos que às vezes olham pra gravadoras independentes como um pixel numa grande cauda longa.

Quem falou isso muito bem foi o Fabrício Ofuji, do Móveis Coloniais de Acaju. Ele é meio empresário da banda, que é autogerida. Ele diz que hoje em dia é muito mais fácil gravar, divulgar e distribuir sua música, mas a competição também é muito maior. Por exemplo: pra uma gravadora pequena lançar um disco e conseguir destaque nos meios virtuais, ela tem que negociar da mesma forma que se negociava nos anos 80, 90, com as assessorias de imprensa. Tem que ficar enchendo o saco do jornalista pra conseguir uma notinha no jornal, que chame a atenção do lojista que esteja interessado a comprar seu disco, e negociar pra que ele coloque seu disco no melhor lugar da loja. Pra você conseguir este espaço é tão difícil quanto antes, porque agora tem muito mais gente fazendo. É mais fácil produzir, democrático nem tanto. Por isso que é melhor contar com o respaldo de uma gravadora.

O Outro Lado do Disco é um documentário de quatro episódios exibido todo domingo às 21h30 no Canal Brasil. Reprises às quintas às 12h30 e sábados às 17h. Assista o primeiro episódio aqui.