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Música

O Cidadão Instigado Volta mais Maduro e Psicodélico no Disco 'Fortaleza'

Seis anos depois do ensolarado 'Uhuuu!', Catatau e sua banda retornam com refrães progressivos, acordes elétricos e carregados e a sonoridade de um trovão cancioneiro.

O Cidadão Instigado é daquele jeito: discreto, mas não acuado; reservado, mas não arredio; tímido, porém intenso. “Esse lance de correr atrás de si tem a ver com o trabalho inteiro do Cidadão. É a busca de um caminho de vida”, foi o que me disse Fernando Catatau, vocalista e cabeça pensante dos melhores hinos do indie rock romântico cearense.

Seis longos anos se passaram desde que o ensolarado Uhuuu! embalou nossas coreografias secretas, cantorias no chuveiro e tímidas tamboriladas com os dedos no banco da frente do busão. É claro que esse tempo não foi perdido. Durante esse período, o Cidadão assumiu a responsa de fazer algumas apresentações pelo projeto 73 Rotações, tocando nada menos que o Dark Side of the Moon, clássico absoluto do Pink Floyd, na íntegra, ao vivo.

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Aproveitando esta veia roqueira pulsante, eles lançaram, no última sexta (3), o quarto disco da banda, Fortaleza. O álbum traz, entre refrães progressivos e acordes elétricos e carregados (um pouco diferente dos discos anteriores), a sonoridade de um trovão cancioneiro. A formação também mudou, Catatau nos avisa: “O Régis era guitarra e passou pro baixo. Falei pro Dustan gravar os teclados”. As letras, ainda românticas, seguem o velho estilo de Catatau: o que têm de reflexivas, têm de viajadas, cheias de metáforas e significados próprios, com que só um verdadeiro cidadão instigado tem a sensibilidade de se identificar.

Nesta quinta-feira (9) e sexta-feira (10), os caras fazem os shows de lançamento do álbum, na Choperia do Sesc Pompeia, em São Paulo. Nesse fluxo, liguei pro Catatau pra conversar sobre essa fase roqueira madura, inspirações, Fortaleza e Zés Doidins. Enquanto lê a entrevista, por que você não aproveita e ouve o disco?

Noisey: Como foi o intervalo pós Uhuuu!? Confesso que cheguei a pensar que não haveria mais nenhum lançamento.
Fernando Catatau: A gente considera normal esse tempo que levou. Eu comecei a pensar num disco novo depois de um tempo. Eu já tinha as músicas, mas não tinha ideia do que ia acontecer. Só tinha a ideia de que eu não queria que fosse a mesma coisa de antes. Então, com o tempo, fui pensando em outras ideias e, pensando junto, a gente decidiu mudar os postos da banda. A gente foi fazendo pouco a pouco, pra poder realmente fazer uma transformação entre nós, pra poder sair da zona de conforto, tentar fugir do óbvio. Porque a gente acaba se viciando em nós mesmos. Por isso que demorou tanto. Foi um processo de se entender. A gente não tinha pressa, até porque não tinha grana, então tinha que seguir de acordo com o que ia acontecendo. É muito de colaboração esse disco. Fomos fazendo com os amigos, do jeito que dava. Às vezes fazíamos show, ganhávamos uma grana e pagávamos como podíamos.

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Vocês fizeram alguns shows tocando Pink Floyd. Isso influenciou a composição de Fortaleza?
Cara, todas as músicas já estavam prontas antes desses shows, então, em termos de composição, não influenciaram em nada. Mas Pink Floyd, Led Zeppelin, The Cure, Portishead e todas as bandas que a gente curte muito nos influenciaram durante a vida inteira. O louco de fazer aqueles shows do Floyd foi que pegamos uma marra que a gente não tinha antes, de pegar um disco clássico do rock e tocar na íntegra. Essa tarefa não foi fácil não. Eu mesmo nunca tinha feito uma coisa dessas. O mesmo serve pra Led Zeppelin, Black Sabbath, que são muito difíceis. É um lance de quase pisar num altar. É muito especial porque são as nossas origens. Pra gente foi meio que uma escola remunerada.

Até porque, mesmo com as músicas mais românticas e dançantes, vocês sempre se consideraram essencialmente uma banda de rock, né? Isso ficou claro no disco novo.
É, o espírito da gente é esse. É o que a gente mais gosta. Mas a gente não é fechado, sabe? Existe uma coisa que eu acho que é o espírito, que você sente na sua postura de vida, que vai além da música. Esse disco é o que talvez esteja mais próximo das nossas origens. Quando a gente começou a tocar, no começo dos anos 90, a gente tinha duas bandas, que era a Companhia Blue, em que eu era guitarra e voz e o Regis era o baixista, e a Tribo, que o Dustan fazia o baixo. Agora, no Cidadão, o Dustan voltou pra guitarra e o Régis foi pro baixo, entende? Foi quase voltando aos nossos princípios.

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Pode crer. E cara, a densidade das músicas do Fortaleza remete a um simbolismo de autossuficiência, de encontrar força em si mesmo. Isso é reforçado nas letras, até. Essa interpretação procede? Porque essa parada de “Fortaleza” me remeteu a um forte, uma construção fechada que serve pra proteger o que está dentro dela.
Cara, esse lance de correr atrás de si mesmo tem a ver com o trabalho inteiro do Cidadão. Quando eu escrevo as letras, é sempre muito pessoal. É a minha visão das coisas do mundo, e das minhas também. O próprio nome, Cidadão Instigado, era isso, a busca de um caminho de vida, desde o princípio isso nunca mudou. São as minhas percepções da vida. E o nome Fortaleza é atribuído a várias coisas. Ele é o nome da minha cidade e é também o que a gente vai se tornando. A cidade é uma das mais lindas que eu já vi, e hoje muita coisa mudou. A gente costuma dizer que a cultura do cearense é a cultura do desapego, tanto que tem cearense espalhado pelo mundo todo. Então as pessoas derrubam e constroem outras coisas, e esse “sonho Miami” em que elas insistem o tempo todo. Constroem aquelas torres espelhadas e tal, e isso sempre me incomodou, desde pivete. Eu gosto de ter referência do que sou. Gosto de passar num lugar e me lembrar de quando fui criança ali. Mas isso é algo com que a gente é acostumado a vida inteira a se desapegar. Eu sempre falo que a gente vai criando fortalezas para poder aguentar as coisas mesmo. Sem falar das mini fortalezas dos condomínios fechados, das casas cercadas com arame farpado.

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Doido. E essa ideia de fazer alguns versos em inglês?
Olha, pra você ter uma ideia, isso nem é de agora. “Land of Light” eu fiz na época do Ciclo da Decadência, que é de 1999, 2000. Eu tinha esse refrão e a gente só pegou e continuou. Agora nessa pira de escrever em inglês, “Green Card” fala dessa característica Miami de que eu falei, essa vontade de estar passeando pelas palmeiras. Tanto que eu falo depois, naquele inglês bem turista, “beautiful shopping for me”, sabe essas coisas? [risos]

Já que você falou do Ciclo da Decadência, a faixa título desse disco, “Fortaleza”, segue o mesmo estilo da saudosa “O Homem na Corda Bamba”…
É porque é um repente. Aí ela segue aquela métrica de repente. Mas eu nem faço como os repentistas de verdade, eu faço a minha visualização da parada, do meu jeito. O repente é blues pra caramba, mas ao mesmo tempo, tem uma linguagem meio árabe. Tem um repentista no Ceará que eu sou fã. Ele se chama Lucas Evangelista e é tipo um repentista marginal, que fala das coisas do mundo e da própria vida, e eu me identifico muito, mesmo não sendo um deles.

E “Fortaleza” é uma declaração de amor à sua cidade?
É uma prova de amor. Eu amo minha cidade, desde sempre. Costumam até falar pra mim “você sai de Fortaleza, mas Fortaleza não sai de você”. Mas tem seus problemas, como qualquer outro canto tem. E também esse conflito da burguesia, de coisas que sempre me incomodaram. E, naquela música, eu falo das coisas que eu vejo na minha cidade, não acusando nem nada, mas é sobre o que eu vejo e o que eu sinto.

Diferente do Uhuuu!, que é um disco bem divertido, bem alegre, o Fortaleza segue uma linha bem mais pesada, mais distorcida, mas numa fórmula que funciona muito para este estilo. Vocês têm intenção de atingir um público roqueiro maior com esse disco?
Rapaz, a gente não faz música pensando nisso não. A gente faz porque a gente gosta. A nossa vida é isso, a gente é tudo quarentão, e escolheu fazer isso desde pivete. O público que vem é porque se identifica. A gente está muito feliz de ter conseguido chegar nisso em termos de som. É nosso caminho, escolhemos fazer isso. Não estamos nem aí pro mercado. Não que seja algo ruim, mas às vezes é feito de maneira errada. Às vezes a música é vista só como um produto e eu não acredito nisso, música pra mim é um lance muito sério. Eu gosto de aprofundar, pra não fazer qualquer coisa e ficar sofrendo depois. Eu e os meninos da banda somos amigos de infância, e tocamos juntos desde a adolescência. Então é um lance de acreditar na parada. A gente é trabalhador e não tá pra brincadeira.

Pra finalizar, quem é o Zé Doidim de “Quando a Máscara Cai”?
No primeiro EP, tem a “El Cabrone (O Caçador de Zé Doidins)”. No Ciclo da Decadência, tem a “Zé Doidim”, e agora eu fechei com essa “Quando a Máscara Cai”, que foi feita na época do Ciclo da Decadência e finalizada agora. Eu sempre falo que o Zé Doidim e o El Cabrone estão dentro de cada ser humano, é uma luta interna, de você contra você mesmo. E “Quando a Máscara Cai” é bem isso, de quando você perde esta máscara e se mostra real. Não tem lado bom e mau, nesse caso, porque tem horas em que você precisa se mascarar. E eles ficam se caçando. O El Cabrone caça o Zé Doidim em busca de justiça, o Zé Doidim usa máscara porque é medroso. Você pode ir pra qualquer lado, só depende de si mesmo. Todo mundo é diferente. Isso é mais pra ilustrar os conflitos internos. E que um lado não vive sem o outro.

Cidadão Instigado lança Fortaleza
Quinta (9) e sexta (10), às 21h30
Choperia do Sesc Pompeia - Rua Clélia, 33 - Barra Funda/SP
Ingressos nas bilheterias da rede Sesc
R$ 9 - R$ 30
Mais informações aqui.

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