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Música

O Facada É o Grupo de Grindcore mais Zica do Brasil

Há uma década a banda de Fortaleza tenta derreter os ouvidos dos incautos com uma invejável, suja e caótica barulheira.

Rápido, visceral e caótico, o grindcore produzido pelos caras do Facada é de deixar atônitos até mesmo os ouvidos já escolados na música extrema. Quando você pensa que os doidos cearenses (de Fortaleza) já foram o mais longe possível na grosseria e na ignorância sonora, eles surgem com o vertiginosamente destruidor Nadir, lançado em 2013. Esta metralhadora rítmica formada há mais de uma década e com três álbuns e um CD-demo lançados, conta agora com um novo baterista, o David, que chegou à formação bem a tempo de deixar sua marca nas próximas produções, prometidas para este ano.

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Serão dois splits, um com os paulistanos do Hutt, e outro com o Expurgo, de MG. As sessões de gravação dos sons concebidos para os releases vão colocar, pela primeira vez, os guitarristas Ari - que mora em Berlim (Alemanha) - e o Danyel para trabalhar em parceria. Isto porque o Danyel entrou na banda depois do lançamento do álbum O Joio, quando o Ari já havia zarpado do Brasil, assumindo apenas os takes faltantes para finalizar o Nadir.

O Facada é uma banda muito bem entrosada. Tanto, que a química entre eles não se dissipa nem com a impessoalidade da distância. Fico de cara que mesmo as imperfeições encontradas em uma passagem ou outra dos discos, são boas de ouvir. É como se eles tivessem encontrado um jeito de estetizar os próprios derrapes de modo que isso acaba fazendo toda a diferença no apelo do som. Tudo sai quase de primeira, livre de polimentos, mantendo a energia inicial que motivou o desenho de cada riff.

Fora isso, essa turma é cheia de críticas espertas e boas referências pra passar adiante. Botei o vocalista/baixista James e o Ari em pauta pra falar das mudanças na formação, do split que vem por aí, da trajetória da banda, do lance de compor/gravar à distância, letras, inspiração e mais um pouco. O James, daqui, e o Ari, de lá. Acompanhe o bate-papo:

Noisey: O primeiro álbum de vocês, Indigesto, foi lançado em 2006, correto? Mas me disseram que, antes disso, vocês já tinham soltado uma demo, que teria saído recentemente em vinil. Onde é possível encontrar esse material?

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James Silva: A gente lançou a demo no final de 2004, mas foi em CD-R. A primeira versão tinha uma capa diferente, que abria pra cima, feita em gráfica rápida (quem tiver, essa é clássica). A gente deixou de fazer porque era tudo concebido à mão e dava muito trabalho. Eu cortava no estilete as capas, dobrava e colava. E os encartes eram xerox. Depois que a gente ganhou mil capas em formato envelope de uma gráfica offset, esse trampo nunca mais foi feito. A gente tinha a ideia, mas o 7" da demo só foi sair no ano passado, quando selos amigos decidiram fazer. Quem ainda quiser, acho que pode contatar os selos (Sonorous Records, Zuada Records, Nervura Distro e Two Beers or Not Two Beers). Ainda tem uns com a gente também.

Quando o Facada se formou oficialmente? Vocês já eram amigos e curtiam som de longa data juntos antes da formação da banda?

James: Eu acho que nosso primeiro ensaio foi em 2003. Eu conhecia o Dangelo (primeiro baterista) fazia muito tempo. Já tinha tocado com ele umas vezes. A gente andava sempre junto e ficava naquela de montar uma banda de grindcore, mas nunca ensaiava. Nós já conhecíamos o Ari, porque todo mundo tocava em outras bandas aqui de Fortaleza, daí sempre nos encontrávamos nos shows e eventos e trocávamos uma ideia, e ele morava perto da minha casa também. Um dia nós três fomos num show do Subtera, piramos no som e resolvemos ensaiar no dia seguinte. No primeiro ensaio já saíram quatro sons. Em 2007 o Ari foi pra Alemanha, aí demos uma parada. Tínhamos feito uma turnê de lançamento do Indigesto e realizado um bocado de shows. Resolvemos esperar pra ver o que faríamos. Com o tempo, eu e o Dangelo ficamos tocando com o Miguel (guitarra), que era nosso técnico de som/roadie. Ele já sabia umas músicas e a coisa foi fluindo. O Ari tinha umas músicas e não tinha porque acabar, nem ele sair da banda. O Miguel saiu assim que gravou O Joio (2010). Aí logo depois conhecemos o Danyel (atual guitarrista). A gente se deu muito bem, começamos a ensaiar e ele entrou na banda bem rápido. O Dangelo saiu em julho de 2013, última vez que tocamos como quarteto. Aí o David (atual baterista) entrou.

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A gravação do mais novo trabalho de vocês, Nadir, é a primeira com o guitarrista Danyel. Mas vocês não chegaram a incluir suas guitarras numa mesma gravação? Digo, metade do disco é contigo, Ari, e a outra metade com ele?

Ari Almeida: Isso. São duas gravações, uma comigo e outra com ele. Isso já tinha acontecido n'O Joio, só que com o Miguel. Queremos mudar isso pra não ter sempre duas gravações diferentes num disco. Ficou decidido que na próxima gravação vamos juntar as guitarras, eu gravo aqui minhas partes e o Danyel as dele, em Fortaleza. Cada um manda seu vídeo-aula pro outro e tá resolvido (risos).

Agora vocês também estão prestes a gravar com o batera novo, o David. Como rolou a seleção para a entrada dele na banda? A chegada de novos integrantes também trouxe novas influências ou uma pegada diferente ao som?

James: Teve um show que íamos fazer e o Dangelo não pôde ir, então ele indicou o David pra tocar no lugar dele. A gente chegou a ensaiar com ele e foi muito bom. O show acabou nem rolando, mas a gente não quis perder o contato e queríamos ficar tocando. Tanto que fizemos uma banda de black metal com ele chamada Monge. Então foi bem natural a escolha dele quando o Dangelo saiu. Não teve uma seleção. No Facada, a gente nunca teve uma intenção de chamar um músico, um cara que só fizesse a função dele. O cara tem que ser legal, tem que saber lidar com as situações e se encaixar na banda. A amizade ainda importa. E os caras que entraram se deram muito bem, musicalmente e pessoalmente. Cada um que chega traz suas contribuições. Bom que a gente pode explorar bem mais nossas influências, sem se limitar, mesmo sabendo que o Facada tem uma linha. Todos têm claramente isso na cabeça. Muitas vezes nós fazemos um riff e falamos que "não é Facada", como se fosse uma regra implícita que a gente não pode passar dali. Só se for pra pior.

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Ari: Lembro de uma noite em 2004 ou 2005, quando o saudoso Rogério do Scatologic Madness Possession falava pra mim e pro James sobre o David: “Ele tá tocando muito, vai ser melhor que o Dangelo”. Eu inocentemente não levei a sério e pensei que o gordinho tava bêbado demais, falando besteira. Nunca tinha visto o David tocando música extrema. Quando toquei com ele pela primeira vez, em 2013, entendi finalmente o que o Rogério me disse nove anos atrás… Ele é o único baterista da região que pode tocar e até melhorar o que o Dangelo gravou com maestria. Vejo bateristas monstros tocando todo mês e o David tá no meu top cinco mundial!

Atualmente não é mais incomum existirem bandas com membros morando em países ou cidades diferentes e, ainda assim, conseguir produzir excelentes discos. O Facada é um ótimo exemplo disso. Mesmo assim, vocês não sentem falta daquela química de ensaiar toda semana e ir talhando as músicas no convívio com os outros músicos?

James: Eu acho que cada banda tem a suas particularidades e funcionam de formas diferentes. Cada uma se vira da sua forma. E o Facada nunca foi dessas bandas que ensaiam muito. Seria fantástico ver o Ari e o Danyel compondo e ensaiando mais juntos, porque aposto que sairia muita coisa boa dos dois. Porém, eu acho que todos compõem parecido e a gente já sabe como tem que soar a coisa, então já vai cortando o que é desnecessário e simplificando. Sempre estamos ensaiando aqui e mandando as novidades pra ele lá. O Ari compõe de lá, controla o overseas e as redes sociais, manda as ideias dele. A banda funciona dessa forma e estamos caminhando. Quando ele está em Fortaleza a gente já agiliza pra ensaiar, gravar, fazer show e sempre deu certo. Da última vez, já ensaiamos umas músicas novas com o David e acho que ele vai gravar as guitarras dele em Berlim, pra gente gravar as baterias todas aqui. Tá tudo mais fácil hoje em dia, então a troca de informação flui bem melhor. Você pode gravar os seus riffs, pode filmar, pode colocar batidas e mandar pra todo mundo na hora. Se a gente fosse mais organizado, até ensaiar junto dava. O próprio Nadir, que foi feito parte aqui, parte em Berlim e mixado na Suécia, é prova disso. Acaba dando certo de uma forma errada.

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Ari: Eles tocam, ensaiam e compõem regularmente sem mim. Quando vou pro Brasil e tem algum show é bem difícil voltar à velha forma em pouco tempo e os poucos shows que fizemos como quarteto, com exceção do Abril Pro Rock, foram meio desastrosos no quesito sincronização das guitarras. Minha culpa. No dia-a-dia nem toco muito esse tipo de música, só quando tem alguma gravação em vista é que começo a compor. Por um lado é ruim não ter tempo de aprimorar alguns sons e experimentar arranjos. Por outro, mantemos a crueza e espontaneidade que é fundamental pra gente. Não tem o perigo de ficar polido e artificial como muita banda. As músicas do Nadir foram aprendidas em dois ensaios com o Dangelo e gravadas duas semanas depois, sem ensaio. Se você escutar direito vai ver que em toda gravação do Facada surgem imperfeições técnicas. Vai ter, às vezes, uma notinha errada, feedback quando não devia ter, tom saturando na mixagem, baixo soando na hora errada. Esse lado caótico e esculhambado faz parte. O disco é o que nós somos realmente e não uma mentira construída em estúdio.

Quantas músicas vocês já têm prontas para entrar nos dois splits que planejam lançar este ano, com o Hutt e o Expurgo? Essas novas faixas foram compostas em parceria ou naquele esquema de um complementar as bases já compostas pelo outro? Podemos esperar faixas com uma pegada mais black metal?

Ari: O split com o Expurgo vai ser lançado pela Black Hole Productions, repetindo nossa bela parceria no Nadir. Com o Hutt, vai ser lançado pela Criminal Attack. Até agora eu tenho seis sons prontos e as influências black metal não estão muito presentes, acho que em um ou dois riffs, no máximo. Acho que tá mais grindcore do que nunca. Já até gravei um som com bateria eletrônica pra eles aprenderem. Na minha época em Fortaleza nunca rolava muita parceria nas composições. Cada um chegava com seu som “pronto” no ensaio e só precisava praticamente acertar a bateria, que sempre foi a coisa mais fácil do mundo, graças ao Dangelo e, agora, ao David, que são bateristas fantásticos. Lembro que no Indigesto entraram dois sons que têm um riff do James num som meu e vice-versa, o resto são composições individuais.

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James: Geralmente, aqui, eu vou pra casa do Danyel e levo uns riffs, ou já um esqueleto de uma música, e ele já tem alguma coisa feita, ou a gente faz na hora e concebe a música. No ensaio, finalizamos. Faz um tempo que queremos gravar uns covers também e talvez façamos isso agora. Aí vamos ver como vai ficar a distribuição… (risos). Vai ter sim alguma influência de black metal porque é da nossa natureza, contudo, será mais na forma de tocar, não propriamente no riff. Mas a gente quer deixar as coisas mais cruas, mais diretas ainda.

Como a banda faz shows e turnês atualmente, com você, Ari, morando em Berlim, e os outros caras em Fortaleza? Isso acaba meio que rareando as possibilidades de apresentações da banda?

Ari: A banda só ficou sem fazer show em 2007. Depois disso, o Facada vem fazendo shows regularmente, sem problemas. Eu praticamente só participo das gravações e toco em algum show quando estou no Brasil, o que não acontece com muita frequência. Facada ao vivo é em 99% das vezes James, Danyel e David.

James: A gente sempre toca. E o Facada sempre foi trio, então foi fácil a adaptação. Infelizmente não podemos ter esse luxo dos dois guitarristas. O Ari poderia viajar mais conosco, participar de muita coisa, mas nem tudo é possível. Mas funcionamos dessa forma, nos damos bem, ele curte estar na banda e a gente também. No dia que formos fazer uma tour fora, talvez seja possível tocar esses shows com dois guitarras.

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Ari, tomo a liberdade de perguntar: o que motivou sua ida a Berlim? Você acha que seria uma boa se a banda toda se mudasse para a Europa, em termos de propagação do trabalho de vocês?

Ari: Resolvi me mudar com minha mulher, que é alemã. 27 anos de Brasil é muito tempo. Tava na hora de mudar. Morar aqui facilitaria tudo, em termos de shows e divulgação. Mas eles não ganhariam a vida tocando grindcore, então é inviável se mudar pra Europa somente pela banda.

Saquei. E como é a cena grind aí de Berlim?

Ari: Em relação a bandas locais, Berlim fica devendo. Pode ver que as melhores bandas alemãs, seja de kraut rock, punk/hardcore/grind ou metal não são berlinenses, com raras exceções. A maldição continua. Não existe algo que se possa chamar de cena grindcore. O público médio de um show grind é de, no máximo, 100 pessoas, o que basta pra manter a chama acesa. O que existe é uma quantidade absurda de shows de todas as sub-variações possíveis do rock acontecendo todos os dias da semana. Existem inúmeros lugares pra tocar, desde squats em porões úmidos pingando água do teto durante o inverno a clubes comerciais chiquérrimos. Tem público pra todo tipo de banda imaginável. Não raramente duas bandas fantásticas tocam no mesmo dia em lugares diferentes. É duro ser banda local aqui.

Quem escreve as letras da banda? Gostaria que comentassem um pouco sobre os ideais de vocês. O Facada tem nomes de músicas muito bons, tipo "E-Diota", "Preguiça de Interagir" e "Corumbá, Hippie do Inferno"…

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James: Quem escreve as letras somos o Ari e eu. Não é nosso forte escrever sobre esperança. É fácil perceber isso vivendo, falando com pessoas com as quais convivemos e notando o quão patéticas são suas opiniões e certezas. Como a vaidade, a necessidade de tornar pública suas vidas e de acharem que podem ser superiores são fatores que constituem a ruína delas. E quão burras e limitadas elas são. O futuro não é nada promissor ou mesmo satisfatório para ninguém. O material é vasto e é fácil perceber isso, então fica fácil pra fazer letras. Até eu mesmo já fui alvo, tem coisas que você pensa e sente e das quais é necessário se livrar pra viver melhor. Situações que a gente vive como quando estávamos chegando ao cinema e tinha uma turminha na frente, e o Danyel disse: "Bicho, tô com uma preguiça de interagir da porra!". E a gente deu meia volta e saiu fora. Depois eu percebi que ele tinha resumido uma parada que eu sempre sentia. Histórias bizarras reais igual a de Corumbá, a história real de José Vicente Matias, um hippie que disse que o demônio mandou ele matar sete mulheres. Matou seis a pauladas, pedradas, bebeu o sangue de uma, comeu o cérebro e esquartejou outra. Foi preso, mas disse que ainda falta uma pra completar o serviço. Já a letra de "E-Diota" fala de como essa geração está se tornando imbecil e controlada, incapaz de ter uma opinião sem consultar o Google ou mesmo de ler um livro por inteiro. Estão todos cheios de informação incompleta e retalhada e acham normal todo esse comportamento. Eu tentei escrever uma letra positiva, mas não consegui.

A intro do play mais recente de vocês é extraída daquele filme do Herzog, Os Anões Também Começaram Pequenos, e o disco, além de terminar com um canto em latim ao contrário pinçado de Monty Python e o Cálice Sagrado, também traz um som que homenageia o José Mojica, né? Quanto o cinema e a literatura inspiram o som, a filosofia da banda e a concepção estética de vocês, de modo geral?

Ari: Isso. Tem uma homenagem ao Mojica num som que se chama “Josefel Zanatas”. O Marcelo do Hutt divide os vocais com o James nessa faixa. Sou tão fã de cinema e literatura quanto de música. Filmes e livros inspiraram várias letras, sendo a mais óbvia e conhecida a letra (cheia de citações) de “O Cobrador”, inspirada no conto homônimo. Fico muito feliz quando alguém escreve dizendo que conheceu a obra do Rubem Fonseca por causa do Facada. No disco novo, além das referências que você pescou ainda tem homenagens a Nelson Rodrigues, Ignácio de Loyola Brandão, Slayer e Morbid Angel (que nenhum banger descobriu até agora, pelo jeito). Fazes o que tu queres, na hora que queres e do jeito que queres, esse é o meu lema pra banda.

James: O canto do Monty Python, desde quando escutei pela primeira vez, nunca mais saiu da minha cabeça, e ele combinava certinho com o final de "Guarda esse Mantra pra Ti". Resolvi colocar ao contrário porque tem um disco do Blind Guardian que usa essa parte como introdução (risos). Todo estímulo é bem-vindo nesse sentido e ajuda sempre que possível quando você quer compartilhar algo que você também sente. Pode ser numa passagem de livro ou um filme inteiro. Nem sempre como ideia de letra, mas na ideia da música, na raiva e no desprezo. Em como você consegue enxergar e transmitir as semelhança e/ou disparidades do pensamento de outra pessoa que te mostrou sua visão de mundo. Nunca certa, nem nunca errada, mas a dela. Nossa visão estética e filosofia são: 1) O mal da humanidade é o ser humano; 2) No ganja, no grind; 3) Fuck the mainstream.

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