O Mykki Blanco quer acabar com o estigma sobre pessoas com HIV

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Música

O Mykki Blanco quer acabar com o estigma sobre pessoas com HIV

O músico norte-americano, que se apresentou na sexta-feira (9) no RBMA Festival São Paulo, foi convidado pelo Coletivo Amem pra falar sobre sua condição.

Há exatos dois anos, no dia 12 de junho de 2015, Mykki Blanco estava se preparando pra receber alguns amigos para uma festa na casa dele. Depois de tomar o remédio para o vírus da HIV, com o qual convivia desde 2011, o cantor e rapper escondeu suas pílulas debaixo do colchão. Nenhum dos amigos de Mykki sabia que ele convivia com o diagnóstico em silêncio há cinco anos. Depois de ligar pra eles e cancelar a festa dizendo que não se sentia bem, ele entrou no Facebook e postou a seguinte mensagem:

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"Eu sou soropositivo desde 2011, por toda a minha carreira. Foda-se o estigma e me esconder no escuro, isso é minha vida real. Eu sou saudável e fiz três turnês mundiais mas estive vivendo em segredo, e é hora de ser tão punk quanto eu digo que sou."

Dois anos depois, com um álbum de estreia (Mykki, 2016), duas mixtapes, muitos clipes e performances extravagantes nas costas, o rapper está determinado a não deixar mais a doença definir sua carreira, e sim se tornar uma parte de sua história. Na quinta-feira (8), Mykki, que se apresentou no dia seguinte no RBMA Festival São Paulo, foi convidado pelo coletivo negro de festas Amem a falar de sua história e compartilhar experiências em questões como negritude, gênero, sexualidade, hip hop e, claro, do estigma que surge com o diagnóstico da HIV.

Em seu segundo dia da primeira visita ao Brasil, ele chegou ao Centro Cultural Zapata e assistiu a uma roda de membros de diferentes coletivos negros e LGBT se formar ao redor dele: o coletivo de arte negra Namíbia, a festa Batekoo, o grupo Produção Preta. O rapper Rico Dalasam, com quem Mykki pretende colaborar em breve, também participou do encontro. Acompanhado por um assessor que traduzia o que ele dizia, o artista contou sua história do diagnóstico, convivência e superação da HIV. Uma parte do diálogo foi transmitida ao vivo no perfil do Facebook de um dos membros do coletivo, Flip Couto.

Foto: Renata Armelin

O momento em que Mykki descobriu que portava o vírus coincidiu com o deslanche de sua carreira, no início dos anos 2010. Embora o termo 'queer rap' desagradasse o rapper, que na época se identificava como uma mulher transgênero, o rótulo criado pelo Guardian foi pelo menos em parte responsável por sua ascensão, assim como a de artistas como Le1f e Brooke Candy. De repente virando assunto de blogs e capas de revistas de música e moda, Mykki se retraiu do entretenimento.

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"Eu pensava que ser o Mykki Blanco deveria ser divertido, e falar sobre HIV não é muito divertido." Até seu impulso repentino em 2015, só a mãe e alguns poucos amigos do artista sabiam de sua condição.

Daquela semana em que falou sobre a doença em diante, porém, o assunto preferido dos mesmos blogs e revistas eram a soropositividade do rapper, que tinha assinado o contrato de gravação de seu álbum de estreia alguns meses antes. "Eu tive medo que as pessoas me fariam um porta-voz da AIDS, porque isso seria tão anos 90", ria. "É tão fácil uma indústria predominantemente heterossexual tornar tudo o que você faz uma declaração política."

Foto: Renata Armelin

Nos anos que se seguiram, Mykki enfrentou o desafio de continuar responsavelmente se manifestando sobre a importância de aumentar a conscientização sobre a HIV, mas não tornar sua música e aparição pública só sobre sua condição. Entre clipes que tinham como objetivo tratar o sexo com naturalidade, como "High School Never Ends" e "Loner", lançado em parceria com o PornHub, e o lançamento de mixtapes e seu álbum de estreia Mykki, todos com gigantescas diferenças de som e estética, o artista tentava se encaixar num mercado que o apresentava diversas barreiras: o hip hop.

"Eu adoraria ser aceito no hip hop pelos meus colegas heterossexuais, mas não é assim que acontece", conta Mykki, que destaca que o HIV colocou mais um obstáculo em seu caminho. "Eles já não gostavam do fato de que eu era gay e fazia rap, eles não gostavam que eu me apresentasse de peruca e salto alto, eles não gostavam que eu me orgulhasse do meu talento. Esperavam que eu fosse fraco, e eu queria provar que não somente eu não era fraco, mas que meu status não ia degenerar a qualidade da minha arte."

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Foto: Renata Armelin

Mykki também falou sobre o estereótipo que recai sobre as pessoas negras e LGBT no que diz respeito ao HIV, e que como o dever de aumentar a conscientização sobre o vírus deveria também vir de pessoas heterossexuais. "Os gays já fizeram seu trabalho. É a vez deles agora. Estou pronto pra passar essa porra dessa tocha", disse.

Ao final da conversa, o rapper respondeu a perguntas dos presentes e juntou todo mundo pra uma foto que postou em sua conta no Instagram. Comentando que, desde que tornou sua condição pública, nunca tinha sido chamado para falar sobre HIV de maneira tão íntima, Mykki se abriu sobre o que lhe motivou a persistir na sua carreira.

"A maneira como você pensa de você mesmo é o que cria sua realidade. As pessoas têm oportunidades diferentes, mas você não pode pensar que não merece as mesmas oportunidades. Porque quando você começa a acreditar que merece, elas vêm. Essa foi a experiência que eu tive na vida", fala. E termina apontando pro namorado, sentado ao seu lado: "É nossa segunda noite no Brasil. Queremos dançar!"

Veja mais fotos do encontro:

Foto: Renata Armelin

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Foto: Renata Armelin

Foto: Renata Armelin

Foto: Renata Armelin

Foto: Renata Armelin