Este comercial do início da década unia  casais da era pré-Tinder
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Este comercial do início da década unia casais da era pré-Tinder

"Pessoas me criticavam e algumas até pediam conselhos amorosos, era divertido!", revela o ator Luis Sandei.

Acho que foi o meu comparsa Júlio César que, pela primeira vez, comentou comigo a respeito do comercial do Super Papo, um serviço de conversas por telefone, tipo um disque-amizade, em meados de 2010. Ele não andava dormindo muito bem à época e, durante essas noites em claro, disse ter assistido a uma propaganda hipnótica, que não saía de sua mente. Não dei muita atenção, esse meu truta sempre foi meio exagerado, para você ter uma ideia, ele gostava tanto de jaca que chorava quando tinha oportunidade de comer a fruta. No entanto, não levou muito tempo até que, em casa, zapeando os canais na madrugada de sexta-feira para sábado, eu me deparasse, na RedeTV!, com o vídeo em questão.

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Fiquei petrificado.

É muito difícil explicar em palavras as sensações que os pouco mais de 10 minutos desse curta-metragem causaram em minh'alma. Uma tela azul repleta de elementos em cores escalafobéticas exibe um letreiro com o nome do produto, Super Papo, o número do telefone e uma frase: "milhares de pessoas querem te conhecer agora. Ligue e participe do chat mais seguro que existe"! Até aí, tudo bem, era uma forma de chamar a atenção dos sonolentos olhares da madrugada à tela da TV. O que vinha depois, como dizem meus colegas da redação da VICE, era "ouro".

Algumas imagens externas mostram que o dia amanheceu na cidade. A luz do sol invade o quarto e acorda o jovem protagonista, de camiseta machão, shortinho e meia escura, dormindo todo torto numa daquelas camas tão cheia de cobertores e lençóis que mais parece um ninho de abutre. Desde o seu primeiro olhar matutino, há a clara impressão que algo não está legal.

O que se desenrola é fracasso atrás de fracasso.

Ele está solitário. Toma café sozinho. Caminha até o trabalho como se estivesse carregando 30 kg de chumbo nos bolsos, sem a menor motivação. Chegando na repartição, a coisa piora ainda mais, era como se portasse uma cesta com material radioativo nos braços – onde ele chega, o pessoal vai embora. Três belas mulheres tomam, sorridentes, um cafezinho, basta nosso protagonista chegar com um pulôver amarrado nos ombros, que elas chegam a se empurrar para sair da sala imediatamente. Que situação, esse cara estava na pior, viu.

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Imersão

Ao notar que outras pessoas também estavam fascinadas pelo curta-metragem, passei a me interessar cada vez mais pelo tema e confesso que desenvolvi uma certa obsessão pela peça. Um detalhe que favorecia esse sentimento era o looping. Isso mesmo, meus amigos, esse comercial rodava sem parar, em uma repetição constante. Uma reportagem publicada em 2011 já abordava essa onipresença noturna da atração – na semana que o artigo foi escrito, a história do sujeito solitário tinha ido ao ar, ininterruptamente, por impressionantes 15 horas!

Ainda em 2011, era colaborador do extinto blog de videogames e humor chamado Freeko - Sangue, Violência e Tetris e, na ocasião, chegamos a conclusão que era imprescindível que descobríssemos mais sobre essa narrativa que tanto mexia com nossos corações e mentes. Em meio a cervejas e salgadinhos de franquias norte-americanas embalados em tubos, um dos malucos de nossa equipe trouxe a informação de um milhão de dólares (mas convertidos em estalecas, a moeda do reality show Big Brother Brasil): "O nome do ator é Luis Sandei".

Nesse exato momento começava a busca pelo personagem. Chegamos a rascunhar possíveis perguntas para a pauta e, durante algum tempo, tentei localizá-lo na internet, em sites e blogs que continham seu nome nos créditos. No entanto, foi tudo foi em vão, inconclusivo.

A primeira reviravolta do destino aconteceria anos depois, em meados de 2013. Caminhando pela região central de São Paulo, mais especificamente, nas proximidades do metrô República, eis que vejo uma figura conhecida atravessar a rua. Não sei se vocês também têm essa mesma atitude em grandes metrópoles. No interior todo mundo conhece todo mundo, mas, por aqui eu primeiro tenho uma percepção inicial, "opa, acho que conheço esse sujeito"; em seguida, seu HD interno vai vasculhar em todo seus arquivos quem deveria ser essa pessoa, "seria um primo de terceiro grau da Vila Formosa ou uma celebridade do YouTube?", e por aí vai.

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Nesse caso eu demorei pouco mais que alguns segundos para reconhecer e, sem pensar duas vezes, o interceptei no caminho: Sandei!

Era Luis Sandei, ator, diretor, profissional dedicado a área da cultura. Vive em Tietê, no interior do Estado, mas sua imagem já ultrapassou há tempos os limites do município que, nos anos 1940, viu nascer o presidente interino Michel Temer.

Luis Sandei.

Foi super simpático. Estava com um chapeuzinho panamá na cabeça – aliás, em 2013, quem não estava, não é mesmo?

Me passou seu e-mail, disse que gostaria muito de participar da entrevista, ficou honrado com os elogios. Infelizmente, o site Freeko já não mais existia… À época, cursava uma pós-graduação e pensei seriamente em incluir o vídeo do Super Papo e seus bastidores em alguma produção textual acadêmica. Riram de mim.

Passados quatro anos desde a primeira vez que tinha assistido à propaganda, naquele momento, eu era a encarnação da tristeza e decepção do personagem de Sandei.

Um novo começo

O tempo passou, o mundo deu algumas voltas, o cantor Justin Bieber amadureceu e passou a ser respeitado por sua música no cenário alternativo, Breaking Bad teve sua season finale e, desde então, é muito comum encontrar uma rapaziada com a camiseta dos Pollos Hermanos na rua. Finalmente, troquei uma ideia com Sandei no início de 2016.

"No início, o projeto do Super Papo era bem tímido e a ideia era passar o vídeo somente nas madrugadas, porém, como a RedeTV! estava começando e o Super Papo era quase um produto da emissora, começaram a inserir o programa em toda grade, onde havia um espaço eles colocavam", conta o ator que, no período, também aparecia na TV em um comercial da Renault, onde encarnava o personagem Zé Uruca, um azarado que ganhava um carro, papel que lhe rendeu até uma participação no então programa Pânico na TV. "Com toda essa mídia, seria impossível não ser reconhecido nas ruas", diz.

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Durante anos, Sandei recebeu e-mails, mensagens nas redes sociais e comentários nas calçadas dizendo que a sua história era linda e, inclusive, lhe desejando felicidades. As pessoas confundiam a ficção com a realidade. "Outras me criticavam e algumas até pediam conselhos amorosos, era divertido!"

Fan Art - Rebecca Morac

A fase ruim da trajetória do personagem começa a mudar de rumo quando ele descobre… Adivinhem! O telefone do Super Papo. A partir daí até a música fica mais alegre, com o hit gospel Eres mi sol, do uruguaio Alex Campos. Sandei, digo, o solitário rapaz finalmente marca um encontro com sua donzela. Eles marcam de se encontrar em um bar e, a partir daí, tudo passa a dar certo. Os dias são mais felizes, as noites de sono são maravilhosas e os amigos do trabalho passam a enxergá-lo com outros olhos. Bando de falsianes!

Rapaz…

No vídeo, o foco é em Luis Sandei. Na internet e nas ruas, a tietagem vinha para cima do tristonho e solitário ator. Mas quem foi o responsável pela ideia e concepção do curta-metragem? Veio das mãos de Eduardo Mascarenhas, sim, o Xaropinho do Programa do Ratinho! Rapaz…

Sandei era professor de teatro em uma das empresas de Mascarenhas. Quando surge a proposta de uma peça publicitária para a empresa Tecnet, que atua na área de tecnologia em telecomunicações, multimídia e segurança, o bigodudo e esquentado rato-fantoche dá lugar ao diretor, que entra em ação e enxerga nas marcantes expressões artísticas de Sandei o seu personagem perfeito.

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"Decidi bolar uma história de um nerd que se dá bem no final. Aliás, esse é um tema muito explorado nos cinemas e sempre traz bons resultado", explica o diretor.

E aquele povo todo no caminho do tristonho rapaz? Mascarenhas explica: "Como o orçamento era muito baixo, resolvi propor para algumas escolas de teatro parceiras. Os figurantes não foram escolhidos, quem veio foi aproveitado".

O diretor lembra também que, ao apresentar o material para o cliente, não fazia a menor ideia de sua reação, pois teve total liberdade para criar qualquer produto para o Super Papo. "Tinha em mente uma novelinha e quando o vídeo foi exibido em uma mega TV para os diretores da empresa, em Alphaville ( distrito localizado na Grande São Paulo), o resultado surpreendeu. Soube que o filme aumentou consideravelmente o faturamento da empresa, pois trouxe ares mais reais ao produto", afirma.

Edson Pinheiro era da equipe da Tecnet à época do comercial. Além do Super Papo, a empresa conduzia atrações como o Lance Perfeito: Leilão da Mercedes e o Interligado. Sem mencionar valores, ele confirma a informação de que "a reciprocidade com o vídeo foi muito boa e atendeu até mesmo acima das expectativas".

"Era meio que o último suspiro do serviço, eles iriam tirar as gotas e finalizar as operações em meses", recorda-se Mascarenhas, que ressalta que a nova campanha não apenas aumentou o faturamento como estendeu a vida do serviço a ponto de produzirem outra campanha. "Mas aí não fui convidado, acho que porque trocaram a diretoria".

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Uma história de superação

Luis Sandei acredita que, se o objetivo principal era apenas mostrar o funcionamento do serviço de disk-amizade, a peça passou a interagir com o "emocional das pessoas que assistiam, que estavam acordadas de madrugada e, possivelmente, eram românticas e carentes".

Para Mascarenhas, a história era simples, mas com alma. "Sabíamos que poderia cair num clichê de brega, ridículo, mas a alma do filme falou mais alto. Me identifico com o personagem do Sandei, acho que todo mundo tem um pouco de nerd, meio rejeitado, então quando ele se dá bem, o público adora", finaliza.

O usuário do Twitter @fannVEVO, além de fã do comercial do Super Papo, exibe o rosto do próprio Luis Sandei como capa de sua página. E não é qualquer foto do personagem, mas a do exato momento em que ele encontra seu par perfeito no encontro marcado pelo telefone. "Essa cena dele me lembra que não devo desistir só porque está difícil, as melhores coisas levam tempo. Já outras, o tempo leva", me contou o tuiteiro, que é fã da obra de Sandei – dentre tantos trabalhos, ele participa do filme As crônicas de Xaropinho (2011), fez comerciais, dirige peças e é professor de interpretação.

Montagem sobre Reprodução

O carioca J., que preferiu não se identificar, me contou que tinha acabado de terminar um longo relacionamento e, por não sair muito à noite, ficava assistindo ao comercial. "Morava sozinho e estava me sentindo exatamente como o Sandei na primeira parte do comercial: cheio de autopiedade."

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O fascínio pela produção rolou com ele também. "Primeiro me encantei com aquela novela tragicômica com final feliz e uma série de cenas hilariantes, daí realmente comecei a ficar fã daquele comercial – via por horas seguidas, ria, analisava, divulguei para meus amigos, busquei informações na internet", hahah bem-vindo ao clube, meu caro.

No entanto o que começou como simples "galhofa", como o próprio J. define, se transformou em algo mais sério e conforme sua admiração pelo trabalho de Sandei aumentava, resolveu ligar para o Super Papo. "Não foi fácil, fiz mais de duas dezenas de ligações e até saí com algumas mulheres que não deram em nada. Mas uma delas eu dei sorte e nos apaixonamos, foram três anos de um relacionamento muito bonito que acabou porque ela foi morar fora, mas até hoje nos falamos e somos amigos", conta.

Simples, engraçado, triste, romântico, ousado, repetitivo, tosco, longo demais, curto demais? Já ouvi de tudo sobre esse pequeno filme desde que ele me fisgou pela primeira vez, há seis anos.

O tempo passa e, às vezes, quando estou dando aquela reinada no YouTube me pego, novamente, conferindo esse vídeo – tem mais de 76 mil visualizações. Como gosto desse comercial. Mais que uma trama que me agrada, ele traz à memória uma época tão boa de minha vida. Como era engraçado unir os amigos e comentar sobre as proezas de Sandei antes de ele finalmente encontrar seu grande amor. E daí entrava a vinheta e a história se repetia! Como disse o Mascarenhas, acho que todos nós enxergávamos naquele seu olhar inocente e tristonho, um pouco de nós mesmos, nossos medos e imperfeições.

Esse sentimento não tem preço.

E com vocês, a saga para arranjar uma namorada. A paixão. A queda e ascensão do personagem vivido por Luis Sandei. Vejam com seus próprios olhos o comercial do Super Papo!

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