Quando boxe e rap se encontram no ringue
Foto por Larissa Zaidan

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VICE Sports

Quando boxe e rap se encontram no ringue

Colamos no 'Das ruas para os ringues', projeto que une música, batalha de rimas e esporte para trazer brinquedo e entretenimento para a molecada da zona norte de SP.

São 16h55 na Comunidade (CDC) Clipper, na Vila Albertina, zona norte de São Paulo. É véspera de eleições municipais e, dentro do galpão, é possível ouvir alguém tocar um cover de "São Paulo", do Inocentes. Dava até pra pensar se tratar de reflexão política. Mas a impressão durou pouco. A mesma banda logo emendou uma versão da machistinha "Ciúme", do Ultraje a Rigor, e "Whisky a Go Go", do Roupa Nova, e atestou que era só mais uma banda de rock do bairro. Tudo bem também, né?

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O galpão em que se apresentava a banda – chamada Velho Malte – tinha como grande destaque, no centro do espaço, não o palco, e sim um ringue. Isso porque estava prestes a rolar a segunda edição da festa Das ruas para os ringues, uma mistura de batalhas de rap e boxe, com objetivo de arrecadar brinquedos e mantimentos para a molecada da região. "Demos kits de brinquedos, lanches, deixamos as crianças à vontade pelo espaço e proporcionamos entretenimento para a molecada do bairro", diz o organizador Fernando Menoncello, o Bolacha. "Também estamos arrecadando brinquedos e alimentos para dar no dia 12."

O organizador do evento Fernando Menoncello, o Bolacha. Foto por Larissa Zaidan

Quando os roqueiros deram espaço ao DJ Makola, por volta das 17h30, o ringue enfim virou o centro das atenções pela primeira vez. Comandados por Thiago Guma, do Reduto Rap, os primeiros rounds foram de rimas. Dois a dois, com luvas de boxe simbólicas, eles subiam ao ringue e se desafiavam em batalhas de rap. Seis MCs se enfrentaram em cinco confrontos até Diego Preto se sagrar bicampeão. "Fazer uma festa voltada às crianças com apresentação de palhaços, atrações musicais, pintura de rosto, distribuição de doces, tudo isso é muito importante porque a gente tá semeando algo bom, tá proporcionando lazer para essas crianças", explica Guma.

Batalha de rap no ringue. Foto por Larissa Zaidan

Batalha de rap no ringue. Foto por Larissa Zaidan

Enquanto lá fora rolava muito churrasquinho e breja gelada, a academia do Bolacha, acessível depois de um corredor e uma escada estreita, funcionava a todo suor. Embora tenha apoio da Everlast com equipamentos, o espaço é simples e sem luxos. Nas paredes Dinas, Gago, Kadu, Menos 1, Ralph e Vulgo pintam grafites que ornam com boxe. Em outra sala, meninos de quimono tentam prestar atenção nas instruções do professor de judô apesar do barulho, da música e do cheirinho de carne.

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Um dos espaços de treinamento. Foto por Larissa Zaidan

O hino nacional começa a tocar às 18h26 com todos os lutadores, treinadores e árbitros no ringue. Na plateia, tem a presença ilustre de celebridades do boxe como Éder Jofre – que subiu ao ringue para ser homenageado e saiu discretamente antes do final – Rose Volante e Douglas Ataíde.

Éder Jofre. Foto por Larissa Zaidan

A primeira das nove lutas é disputada entre dois veteranos. Eles entram no ringue ao som do mais maravilhoso e clichê do universo da porrada: "Eye of the Tiger", do Survivor. A música de Rocky estoura nos alto-falantes enquanto Rivaldo José e Nivaldo Capixaba se apresentam ao público. O confronto parece treta de boteco. Pouca técnica, muita disposição. Logo nos primeiros segundos, Capixaba, o lutador da casa, derruba seu adversário. O juiz abre contagem, mas Nivaldo se levanta e segue até o fim do terceiro assalto. Vitória de Capixaba, por pontos.

A segunda luta é entre dois meninos pequenos. Categoria infantil, de 13 a 14 anos, até 40 quilos. Um direto de Davi Porto, lutador da casa, abriu o supercílio de Mauricio Botelho, que precisou de atendimento, mas resistiu até o terceiro round. O Das ruas para os ringues ganhou novamente por pontos. No total, foram nove duelos com cinco vitórias de atletas do projeto de Bolacha. "Aqui a gente já fez três campeões infantis da Galo de Ouro, um campeão paulista e dois bronze", diz o organizador. "Fizemos um vice-campeão brasileiro cadete (até 15 anos) da Confederação Brasileira de Boxe, fizemos um campeão do Luva de Ouro e uma campeã feminina no primeiro torneio Tyson Tigre. Em um ano e meio de projeto a gente tem seis atletas de alto rendimento no melhor do esporte."

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Alguns dos lutadores da categoria infantil. Foto por Larissa Zaidan

Foto por Larissa Zaidan

Durante a sexta luta, entre dois atletas que não treinavam ali, o cachorro-quente começou a ser distribuído de forma tímida. Um, dois, três, dez. A luta ficou em segundo plano diante do pão, salsicha e molho com guaraná no copo de plástico. No meio da sétima luta, disputada entre Luciano Tancredi e Diego Felipe Ferreira, na categoria adulto, de 75 quilos, o rango já era. Luciano ganhou também por pontos. Foram apenas dois nocautes técnicos. Um na quinta luta, conquistada por Vinicius Cordeiro, categoria cadete (15 a 16 anos), 75 quilos, e outro no penúltimo confronto, disputado entre dois atletas do Das ruas para os ringues na categoria juvenil (17 a 18 anos) e peso até 91 quilos.

Luciano Tancredi e Diego Felipe Ferreira. Foto por Larissa Zaidan

Perto do final das competições, o público já era bem menor. Havia apenas meia dúzia que fazia questão de incentivar os lutadores locais. O confronto entre Rafael Jonke e Rodrigo Figueroa, ambos do projeto do Bolacha, terminou com vitória de Rodrigo. Também por pontos.

Foto por Larissa Zaidan

Às 21 horas as cadeiras começaram a ser recolhidas ao som de "O Hip Hop é Foda Parte 2", do Rael. O churrasquinho já não fazia mais fumaça, a molecada, pintada de Capitão América ou com cara de fada, já tinha vazado, mas algo muito bonito foi feito ali. Foram arrecadados mais de uma centena de brinquedos e cerca de 20 cestas básicas de alimentos não perecíveis que serão distribuídos na comunidade dia 12 de outubro. E tem quem ache que o boxe não é esporte. Só lamentamos.

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