O "Girl Power" foi apenas uma mentira da indústria musical?
Ilustração principal por Marta Parszeniew.

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Entretenimento

O "Girl Power" foi apenas uma mentira da indústria musical?

Do movimento Riot Grrrl, às Spice Girls e à mercantilização do feminismo. O legado de um slogan.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE UK.

Eu tinha 11 anos quando ouvi pela primeira vez as Spice Girls a gritarem sobre "girl power". Morava num dos municípios mais pobres do Reino Unido, era vizinha de gente sem poder, geralmente sem emprego e que acabaria bastante prejudicada pelos 17 anos do Partido Conservador no poder. Naquela época, idolatrava os gajos da escola de artes: Blur, Suede e Pulp. Agarrava-me ao swag arrogante dos Oasis. Era o rock feito por homens que me libertava, não a pop mainstream.

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Mas, de repente, a cena do "girl power" mexeu comigo. "O silêncio é de ouro, mas gritar é divertido" era o lema das Spice Girls. "O feminismo precisa de um pontapé no rabo". Eu nem seuqer precisava de saber o que era mesmo o feminismo. Ali estava um grupo de raparigas normais - filhas de empregadas de limpeza e vendedores de seguros -, na televisão, a dizerem que, enquanto rapariga, era fixe fazer barulho, ocupar espaço, ser ousada, impetuosa e desbocada… e fazer isto tudo ao lado de outras mulheres.

Vinte anos depois, encontro-me com Geri Halliwell - agora Horner - para falar sobre o slogan que a tornou famosa. Hoje, o termo é motivo de divisão na história do feminismo moderno. Desprezado academicamente, mas adorado pelo público e, dependendo do que se lê e onde se lê, o "Girl Power" tanto pode ser o salvador do feminismo moderno, como o seu leito de morte.

O "girl power" foi um slogan que despertou milhões de raparigas para a ideia básica de igualdade de género, ou um mero "soundbite" de marketing, que transformou as vitórias políticas do feminismo em consumismo barato?

"'Girl Power' era uma missão. Era do género 'sentimo-nos assim e achamos que há uma geração inteira de raparigas que também se sentem assim'", diz Geri.

Mas, aquela geração cresceu. E crescemos a acharmos que tínhamos direitos. Disseram-nos que poderíamos ter tudo, mas fomos largados num mundo onde não podemos ter tudo. Não é coincidência que, 20 anos depois de as Spice Girls terem lançado Spice, o feminismo nunca mais tenha parado de ser defendido, escrutinado, desmontado, vendido por grandes empresas e adoptado por celebridades. Mas onde, afinal, nos deixou o "Girl Power"? Foi um slogan que despertou milhões de raparigas para a ideia básica de igualdade de género, ou um mero "soundbite" de marketing, que transformou as vitórias políticas do feminismo em consumismo barato?

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Afinal de contas, seria o "Girl Power" uma mentira?

O girl power surgiu em Olympia, Washington, como definição de uma então cena punk feminista efervescente que ficaria conhecida como Riot Grrrl. A sua base filosófica assentava na ideia de "Revolution Girl Style Now!" - um apelo radical que pretendia despertar o potencial revolucionário inexplorado das raparigas como "uma força que pode e vai mesmo mudar o Mundo".

O movimento Riot Grrrl desenvolveu-se como parte de uma reacção contra a faceta crescentemente misógina da cena punk de DC. Em parte, uma forma de lançar alguma luz sobre os horrores do abuso sexual, mas também mostrar a frustração de se estar calada, de ser degradada, vilipendiada e ridicularizada pelo simples facto de se ser uma mulher a tentar fazer música.

O Riot Girrrl não tinha líderes, mas a influência das Bikini Kill estava na espinha dorsal do movimento. A vocalista Kathleen Hanna lembra a primeira vez em que usou o termo "girl power" no começo dos anos 90, quando ela e a baterista da banda, Tobi Vail, estavam a baptizar a segunda fanzine de Bikini Kill. "Tobi e eu estávamos a discutir que palavra pareceria totalmente errada ao lado de com 'rapariga'", diz-me Hanna por e-mail. E acrescenta: "Chegámos a poder".

O trailer de relançamento da primeira demo de Bikini Kill, "Revolution Girl Style Now!"

O objectivo, disse-me Hanna há alguns anos atrás, era fazer do feminismo algo que pudesse ser abordado por todas as mulheres - não só universitárias brancas de classe média - numa era onde capas de revista anunciavam a morte do movimento.

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"Nos anos 90, havia essa grande resposta negativa contra o feminismo. Havia essa crença de que as mulheres já eram iguais. Eu preocupava-me com o feminismo. A minha irmã e eu fomos as primeiras pessoas da família a frequentar a faculdade. Parecia-me muito importante partilhar com toda a gente o conhecimento que estava a receber na escola. Até com pessoas que achavam que o feminismo era não depilar as pernas e odiar os homens. Havia o estereótipo de que as feministas não se divertiam", salienta Hanna.

Não demorou até o Riot Grrrl atrair a atenção dos media mainstream. Depois do primeiro artigo na LA Weekly, em Julho de 1992, toda a gente queria um pedaço delas, Rolling Stone, New York Times e até a Playboy. Mas, apesar da atenção da imprensa ter dado ao movimento um público global, acabou por, também, de certa forma, ridicularizar a causa. Numa entrevista ao Melody Maker, Hanna comparou a atenção que geralmente recebia a ser reduzida a uma Riot Barbie. Outras vezes eram mostradas como um covil de bruxas. O jornalista da Pitchfork, Matt Kessler, recorda os rumores que ouviu no liceu: "Supostamente, algumas riot grrrls teriam amarrado um rapaz a uma árvore e 'sexo oral até ele sangrar'. Essa era a lenda".

O escrutínio intenso era complicado. "As pessoas diziam-me 'então, o teu pai violou-te? É por isso que tens tanta raiva?'", conta Hanna. Como resultado, em 1992, ela pediu um bloqueio do movimento aos meios de comunicação. Uma decisão que, agora, na era da Internet, parece ridícula e que acabaria por causar uma fragmentação, ainda que o impacto do movimento viveria por muito tempo depois de as Bikini Kill se separarem em 1997.

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Apesar da atenção da imprensa ter dado ao movimento Riot Girrrl um público global, de certa forma, também ridicularizou a causa.

Pergunto à ex-Spice, Geri Horner, se, na altura, ela tinha ouvido falar de Hanna e do movimento Riot Grrrl. Ela sorri, faz uma cara confusa e abana a cabeça. "Não". Então de onde veio o "Girl Power"? "Das Shampoo", assegura. "Vi-as e pensei 'meu Deus, isto é muito bom'".

De certa forma, as Shampoo foram uma ponte entre o Riot Grrrl e a pop mainstream. Elas vestiam-se como um pastiche das meninas cor-de-rosa. Usavam t-shirts que diziam "tart" e "dolly bird" (uma versão mais SFW de quando Kathleen Hanna rabiscou "slut" numa t-shirt). Elas eram selvagens, grosseiras, agressivas e preguiçosas. Durante uma entrevista ao Melody Maker, embebederam-se, destruíram um quarto de hotel, espalharam curry na cama e dormiram em cima do estardalhaço. Eram tudo o que disseram que as adolescentes não deveriam ser. A faixa-título do seu álbum, Girl Power, de 1996, começava assim: "I don't wanna be a boy / I wanna be a girl / I wanna play with knives / I wanna play with guns / I wanna smash the place up just for fun".

"As Shampoo eram um ultraje", diz Peter Levine, editor da revista Top of the Pops na época e que, hoj,e é empresário de bandas como os Saturdays. "Fui entrevistá-las a casa, em Shepherd'd Bush, e elas tinham apanhado uma valente na noite anterior. Eram revoltadas, [o que significava que] não eram simpáticas para um público mais alargado", diz.

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Geri acha que "roubou" alguma coisa às Shampoo. E ao Riot Grrrl? "Acho que fomos influenciadas", diz. E acrescenta: "Quando compões, olhas à volta e absorves coisas da vida que te rodeia. É uma questão de passar o testemunho". E arrepende-se? "Era uma definição que tinha impacto", salienta enquanto encolhe os ombros. Mas, para quem estava envolvido no Riot Grrrl, não se tratava simplesmente de estarem a retransmitir um slogan, mas sim de mercantilizarem e adoptarem as suas ideias, por dinheiro.

"As Spice Girls tinham muito dinheiro por trás delas", salienta a jornalista musical Sylvia Patterson, que trabalhou na Smash Hits e depois no NME. "As Shampoo fundaram uma editora indie bastante pequena [depois assinaram com a EMI] e, como eram mal-humoradas e miseráveis, não havia forma de as pessoas se identificarem com elas, ainda para mais com a concorrência da parafernália espectacular das Spice".

As Spice Girls apertaram o botão certo no momento certo. "'Feminismo', na época, era um termo que ninguém estava efectivamente a usar. Não fazia parte do ambiente da altura como palavra, ou como força. Claro que durante o Britpop tínhamos algumas vozes femininas muito kitschy e coloridas, mas era um mundo muito dominado pelos homens", realça a jornalista. E Peter Levine acrescenta: "Entre 1990 e 1996, houve uma calmaria no que respeita a estrelas femininas na pop. Se colocávamos uma mulher na capa da revista Top of Pops as vendas caíam".

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A ascensão da cultura lad dos anos 90 (em 1997, a circulação das três principais revistas masculinas "lad", FHM, Loaded e Maxim, era de mais de 1,2 milhão) gerou um pânico moral sobre as chamadas ladettes - mulheres desbocadas que beliscavam o rabo dos homens e diziam piadas porcas como forma de autodeterminação. Se os gajos iam agir assim, porque não agir como eles?

"As raparigas estavam lá, a beberem tanto como os rapazes, a meterem tantas drogas como eles, a divertirem-se tanto como eles", diz Patterson. "A música de dança tinha muito a ver com isso e o ecstasy também. Parecia uma época muito livre, como se pudéssemos fazer qualquer coisa. Achávamos que devíamos curtir a festa tanto como os gajos, porque, bem, era isso mesmo".

Uma capa da 'FHM' de outubro de 1995.

Geri diz que estava muito presente na cena rave e que isso influenciou a sua visão política. "Vi a primeira mulher ser eleita como primeira-ministra. Ganhei uma bolsa de estudos só para raparigas. Depois fui para raves e vi milhares de pessoas de todas as raças, culturas e status social a juntarem-se num campo e a dançarem juntas. Quando conheci as outras meninas, estava a tentar começar uma carreira a solo, mas, de repente, ocorreu-me que havia uma coisa muito poderosa na ideia do 'nós', quando mulheres, ou pessoas em geral, realmente se apoiavam entre si".

Em 1996, as Spice Girls deram uma entrevista à Spectator, na qual Geri e Victoria pareceram muito pró-monarquia, anti-Europa e pró-Tory. "'Nós Spice Girls somos verdadeiras Thatchers", disse Horner. "Thatcher foi a primeira Spice Girl, a pioneira da nossa ideologia – girl power".

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Que Geri tenha saído da iluminação colectiva da cena rave para defender a primeira-ministra de Inglaterra - que, em 11 anos no poder, só promoveu uma mulher no seu gabinete, não se preocupava com trivialidades femininas como direitos maternais, teve de ser forçada a introduzir exames de cancro de mama e afirmou que "essa coisa de sociedade não existe" - parecia, na melhor das hipóteses, ignorante e, na pior, uma traição da irmandade feminina sobre a qual ela tanto gostava de falar.

Pergunto-lhe se, agora, olha para trás e se arrepende do que disse e ela pensa durante um bom bocado. "Acho que usá-la foi um ponto sensível, porque, obviamente, ela é como Marmite. Há uma grande polaridade entre as pessoas que gostavam ou não dela por causa do que ela fez enquanto primeira-ministra. Mas, para mim, foi como ver uma mulher onde nunca tinha havido uma antes, como primeira-ministra. Isso foi grande em si… eu não tinha idade suficiente para entender o que ela estava a fazer e quem estava desagradado".

Mas, é possível "colocar isso de lado"? Como julgar uma figura política separadamente das suas políticas? "Acho que sempre que há o primeiro de qualquer coisa – Obama como primeiro presidente negro, por exemplo - é sempre uma mudança. Quando estás num clube de rapazes e és a única mulher e te destacas, não é fácil escolheres essa vida".

As Spice Girls com o Príncipe Charles em 1997. Foto por John Giles / PA

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De certa maneira, as Spice Girls tinham muito mais em comum com Blair do que com Thatcher. A espinha dorsal académica do "blairismo" (e, nos EUA, de Clinton) era uma ideologia conhecida como "Terceira Opção", que visava casar socialismo e neoliberalismo. Na sua essência, o que advogava era que podes ficar rico, desde que pagues impostos para ajudar os que não são. Era uma vertente semelhante ao mantra do "Girl Power", de individualismo e emancipação pessoal, combinada com irmandade e amizade. Vê o filme Spice World, por exemplo, no qual a melhor amiga do grupo engravida de um rapaz, que a deixa assim que vê o sinal de positivo no teste de gravidez. As artistas deveriam ir fazer o maior espectáculo da vida delas e, em vez disso, estão no hospital a apoiarem a amiga no parto.

A política feminista estava a passar por um rebranding nos anos 90 e o "Girl Power" foi essencial nisso. "Quando era mais nova, sentia que o movimento feminista era tão extremo que não era algo com que eu podia identificar-me, por isso não entendia o seu verdadeiro significado", diz Geri. "Girl Power" era algo que podia "dizer alguma coisa a toda a gente. "Ou seja, era algo que tinha um sabor, uma sensação, algo que podia ser traduzido", acrescenta.

"Nos anos 90 foi a primeira vez que vozes femininas alternativas estouraram no mainstream. Do nada, mulheres como eu estavam na capa das revistas", diz Shirley Manson, vocalista dos Garbage, cujo single "Stupid Girl" – um ataque mordaz à despolitização e sexualização das mulheres no mundo pop – foi um grande sucesso em 1995. Manson acrescenta: "Todas essas vozes alternativas da perspectiva feminina estavam a ser divulgadas. E isso já não era apenas 'aquela miúda punk'. Estávamos a ouvir gente como Fiona Apple, Missy Elliot, Lil Kim, Gwen Stefani, Elastica, Hole, Breeders… Parecia que, finalmente, tínhamos mulheres que não estavam a jogar pelas leis tradicionais estabelecidas para elas. Estávamos a vencer e isso era emocionante".

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Ainda assim, as Spice Girls venceram até na chamada imprensa alternativa. Em 1997, o NME colocou a banda na capa. "O NME está aqui e até eles acham que somos verdadeiras, foda-se", gritou Mel B numa sala cheia de jornalistas para aquela edição. "E sim, achamos mesmo", respondeu a revista. "Achamos mesmo".

Shirley Manson. Foto: Yui Mok / PA Archive.

"Sempre odiei o termo girl power", diz Manson. "Sempre achei as Spice Girls detestáveis". Dito isso, ela admite que não era exactamente o público-alvo da banda: "Eu tinha 30 anos quando elas apareceram, acho… [Mas] sentia que elas seguiam um guião. Que eram controladas por homens que tinham pensado no slogan e as tinham juntado. Aquilo era fingir ser uma mulher com o controlo, mas nenhuma delas assumiu o controlo. Elas não estavam a compor, não estavam a produzir, não estavam a tocar… Achei aquilo tudo uma farsa".

Mas basta sugerir a Geri que o "Girl Power" foi uma construção da indústria musical e de empresas de marketing e ela fica visivelmente irritada. "Isso é de rir. Nós éramos incontroláveis".

Tecnicamente, as Spice Girls foram inventadas por uma empresa em 1994, depois de vários testes de casting. Mas elas eram muito ambiciosas. "[Geri] sabia exactamente o que queria e como a coisa toda ia parecer, provavelmente muito mais do que eu sabia na época", garante o empresário original da banda, Chris Herbert. Em 1995, a banda invadiu o escritório de Herbert, roubou as gravações originais das suas músicas e fugiu no carro de Geri, que se tornou, ela própria, a empresária da banda durante algum tempo.

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Mais tarde, em 1998 – no pico da carreira – demitiram o seu segundo empresário, Simon Fuller. Foi uma acção bem mais convincente e inteligente do que se esperaria das "Pop Tarts" (o termo usado pela Rolling Stone), como elas eram retratadas. Fuller tinha definitivamente ajudado as Spice Girls a enriquecerem. Como o jornalista David Sinclair aponta no seu livro de 1997 sobre a banda, Fuller ajudou-as a assinarem contratos com a Pepsi, Walkers, Impulse e Playstation e licenciou a sua imagem para tudo que possas imaginar, de bonecas a jogos de lençóis e cartões de telefone. "Fizemos muito dinheiro, mas o meu pensamento era 'se posso fazer a Pepsi gastar 40 milhões de dólares no que é, basicamente, um anúncio para o meu grupo, aleluia!'", diz Fuller.

As Spice Girls eram detestáveis… Aquilo era fingir ser uma mulher com o controlo, mas nenhuma delas assumiu o controlo – elas não estavam a compor, não estavam a produzir, não estavam a tocar… Achei aquilo tudo uma farsa. – Shirley Manson

Mas, para as riot grrrls que tinham concebido o "Girl Power", ver um movimento que tocava em questões pesadas como violação e abuso sexual ser adoptado por lucro foi devastador. Talvez nada resuma mais o sentimento do que a música "#1 Must Have", das Sleater Kinney, lideradas por Corin Tucker, cuja banda anterior, Heavens to Betsy, era parte do movimento Riot Grrrl. "They took our ideas to their marketing stars / Now I'm spending all my days at girlpower.com / Trying to buy back a little piece of me", canta.

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"Eu não era o público-alvo quando as Spice Girls surgiram", diz Lauren Mayberry, vocalista e compositora da banda Chvrches. "Era estranho para mim, agora que sou adulta, ver como algo que poderia ser empoderador e empolgante para as raaprigas ser usado para vender todo o tipo de merdas".

"Éramos miúdas dos anos 90, que tinham crescido sob a influência do dinheiro e da produtividade", diz Geri quando lhe pergunto se realmente precisavam de tanto merchandise. No começo da entrevista, citei uma frase dela do livro Girl Power Spice Girls, onde diz: "O feminismo precisa de um pontapé no rabo". Ela diz que não se lembra. Havia tanta coisa, tantos produtos, que era impossível acompanhar tudo o que saía.

Imagino que seria muito diferente entrevistar Geri nos anos 90. Mais arrogância divertida, menos conversa de terapia. "Acho que educação e bondade espiritual são importantes. [Girl Power] era uma mistura de altruísmo e materialismo", diz. Mas a visão política dela parece ter mudado com os anos. Em 2001, apoiou publicamente o Partido Trabalhista.

Ela fala ainda sobre o trabalho depois das Spice Girls, quando se tornou embaixadora da boa vontade da ONU, a promover os direitos reprodutivos das mulheres. "Quando educas as jovens, ajudas no controlo populacional, ajudas a economia, ajudas a saúde das pessoas e tudo começa a prosperar", assegura.

As Spice Girls nos BRITS, em 1997. Foto por Fiona Hanson / PA

Nesse sentido, Geri estava à frente do seu tempo. Hoje vivemos a era de ouro do altruísmo das celebridades. E a liberação feminina é a causa da moda, defendida pelas maiores estrelas do Mundo: Beyoncé e Taylor Swift. As Pussy Riot, um colectivo de arte feminista que antigamente receberia o status de bruxas dado ao Riot Grrrl, tornou-se celebrado globalmente. O feminismo é vendido em campanhas publicitárias e aparece nos desfiles da Chanel, a iconografia das Bikini Kill foi descaradamente surripiada. Até a Barbie entrou nessa. Mas a questão principal que o "Girl Power" levantou, se o feminismo pode passar para o mainstream sem que a sua mensagem seja dissolvida, nunca foi mais relevante.

"Sempre que me perguntam como descobri as ideias feministas, eu queria ter uma história mais profunda para contar", diz Lauren Mayberry. "Mas, a maior parte das coisas que apanhei foi da cultura pop". Mayberry é hoje uma activista veemente contra o sexismo na indústria da música e comanda um clube nocturno e uma fanzine inspirados no Riot Grrrl. "Tirar o feminismo dos livros e colocá-lo na vida era, assim como na cultura pop, muito importante", diz. "Passamos muito tempo a lutar entre nós, quando deveríamos olhar para a frente e mandar a luta para lá".

É estranho, agora que sou adulta, ver algo que poderia ser empoderador e excitante para as raparigas ser usado para vender todo o tipo de merdas. – Lauren Mayberry

Estaria a mentir se dissesse que ainda sou uma fã hardcore das Spice Girls. Quando tinha 12 anos já achava a Baby Spice uma infantilização idiota. Mais tarde comecei a ouvir PJ Harvey, Hole e Elastica, cujas letras escritas pela vocalista, Justine Frischmann, sobre pinar em carros, pareciam bem mais emancipatórias que o slogan "gritar é divertido!" das Spice Girls.

Ainda assim, nunca me esqueci do "Girl Power". As críticas às Spices Girls são válidas e necessárias, mas o que, com frequência, lhes escapa é um facto muito simples: o "Girl Power" nunca pretendeu ser uma perspectiva feminista académica; nunca quis promover uma visão pós-estruturalista de um futuro utópico onde a hegemonia masculina foi derrubada. Era música pop feita para raparigas para as inspirar a serem confiantes, acreditarem nas suas capacidades e apoiarem as suas amigas. Era uma ideia simples, fácil de entender e muito básica. E esse era exactamente o objetivo.

Geri levanta-se para ir para o seu próximo compromisso, uma sessão de fotos para uma campanha publicitária. Eu digo que gosto muito do Instagram dela. Principalmente das fotos de comida. Acho muito inspirador que uma mulher que sofreu de bulimia durante grande parte da vida consiga encontrar outra vez prazer na comida. Ela adoptou o Instagram há pouco tempo, garante. "As pessoas são todas retocadas e perfeitas. Não entendo. Só quero fazer a minha conta mais real, percebes?" Mas, acrescenta: "Bem, acho que é uma geração diferente, não é?".

Pergunto-lhe qual é, na sua opinião, o verdadeiro legado do "Girl Power". "Havia vozes corajosas antes das Spice Girls e continuaram a existir vozes corajosas depois de nós. Ouço outras artistas dizerem 'eu ouvia a tua música, ouvia a tua mensagem e isso significou alguma coisa para mim' e isso deixa-me muito orgulhosa. Mas não são só artistas. São mulheres com as mãos afundadas num lava-loiça a dizerem: 'a tua música ajudou -me a superar alguma coisa e fez com que a minha vida mudasse'. E isso é tudo o que importa".

E por mais foleiro que pareça, ela tem mesmo razão.

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