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Música

Música: John Frusciante

Por tudo o que passou, John Frusciante merecia ser beatificado como um santo.

Letur-Lefr EP
AWDR/LR2
8/10 Por tudo o que passou e por toda a quantidade de excelente música que já nos deu, John Frusciante merecia ser beatificado como um santo. Apetece muitas vezes ligar para o Papa com denúncias sobre todo o mal que os Red Hot Chili Peppers, as drogas e Vincent Gallo fizeram a John Frusciante e como isso não o impediu de continuar a gravar discos fascinantes. Triste mundo este, em que a voz de Anthony Kiedis arruinou tantas vezes aquelas canções dos Red Hot Chili Peppers que seriam muito melhores sem ele. Bastaria, por exemplo, recorrermos a “Under the Bridge” para verificarmos como é sinistra a organização dos Chili Peppers: enquanto Frusciante dá o melhor da sua alma às guitarras de uma canção que tem tudo a ver com viver na rua, Anthony Kiedis estraga o quadro com a sua voz tipicamente exagerada e teatral. A MTV e o seu público engoliram o sapo. Muitos anos depois, Frusciante volta a ser sabotado quando Vincent Gallo lhe encomenda umas quantas canções para a banda-sonora de The Brown Bunny e acaba por deixá-las de fora da montagem final do filme (mesmo à porco). O disco da banda-sonora, exclusivamente editado no Japão em 2004, acabaria por incluir cinco fabulosos temas que comprovam John Frusciante como um grande escritor de canções sobre estar na merda (o outro nome para a droga) e conseguir registar o que há de belo nisso. O ano de 2004 seria, de resto, um marco para Frusciante pela quantidade impressionante de discos a que associou o nome (oito pelo menos!). Mais impressionante ainda se pensarmos em como todos esses formavam uma espécie de diário visceral de um tipo que esteve no buraco e que de lá conseguiu sair. Em termos da música que abrangeu, 2004 foi, ao mesmo tempo, o ano em que Frusciante esteve na merda (The Will to Death é doloroso) e aquele em que se livrou dela (Shadows Collide with People é puro ar fresco). A partir daí a criatividade do ex-guitarrista dos Chili Peppers tem-se manifestado de forma mais espaçada e em discos de conceitos mais complexos e trabalhados. Sabendo-se que Frusciante tem colaborado ultimamente com Omar Rodriguez, dos Mars Volta, era natural suspeitar que este novo EP fosse um trabalho abstracto sobre uma divisão pouco utilizada do cérebro, mas Letur-Lefr  é muito mais simples do que o seu título e antecedentes fazem prever. Basicamente, Letur-Lefr é um apanhado de cinco malhas em que Frusciante viaja livremente entre a tesão psicadélica dos anos 70 e um futuro ainda por acontecer, alternando entre computadores, guitarras e sintetizadores. Esteticamente, parece uma sequela lógica para A Sphere in the Heart of Silence, o disco aventureiro gravado a meias com Josh Klinghoffer. Feitas as contas, tudo isto traduz-se em quinze minutos de música em que John Frusciante parece realmente entusiasmado com o que está a fazer e  mais importante  com o que tem pela frente (vai haver novo álbum em breve). É verdade que Letur-Lefr corre sérios riscos de alienar um monte de gente com o que tem de progressivo e com o seu hip-hop estranho (há um verso em português e RZA participa em três faixas), mas, se Frusciante quisesse o mundo aos seus pés, bastava ter continuado nos Red Hot Chili Peppers.