Como tem sido um "braço armado" do executivo de António Costa, o Partido de Catarina Martins pode sofrer nas legislativas com a descida do número de deputados no Parlamento e vir até a ser considerado o Partido "Tuk Tuk". (Foto por Ajay Suresh via Wikimedia Commons - Creative Commons Attribution 2.0 Generic license).
Ver o quotidiano através dos famosos olhos azuis de Ricardo Robles, é sentir os desaconselháveis ares da ambivalência política. A compra do prédio em Alfama por 347 mil euros (a que se junta um gasto de cerca de 700 mil em obras de recuperação) e a tentativa de o vender com um lucro de 500 por cento, não deixam dúvidas de que existem dois Ricardos. O bom, que fala em nome do interesse da população que pretenda arrendar e viver em Lisboa com preços decentes; o mau que, por detrás dessa capa samaritana, deseja tirar vantagem de um mercado imobiliário com um olho no turista e outro no milionário. Está a ser incoerente, contraditório…e hipócrita?Adquirir um empreendimento por mais de cinco milhões de euros não é para todos e, por isso, não estou a ver Ricardo Robles e a irmã Lígia - com quem divide o investimento - a alugar qualquer um dos onze apartamentos por uma ninharia (mesmo que tenham estendido o contrato com um anterior inquilino por uns meros 170 euros mensais).Ambos têm todo o direito de ambicionarem avultados ganhos financeiros com a aposta numa área da moda, mas o engenheiro civil, especialista em reabilitação urbana e eficiência energética, não é uma pessoa qualquer. Foi candidato à Câmara Municipal de Lisboa pelo Bloco de Esquerda, utilizando um discurso feroz contra os especuladores do universo imobiliário que defendem o mercado livre, tendo exercido o lugar de vereador desta edilidade para a Educação, Saúde, Direitos Sociais e Cidadania antes da recentíssima e inevitável demissão.No meio da azáfama de artigos e comentários sobre este assunto, há zonas cinzentas que faltam esclarecer. Por exemplo, quais foram os critérios para a formulação da lista de meia dúzia de candidatos a comprar o edifício - estando em hasta pública em 2014 - e até que ponto a família Robles e os outros tiveram informação privilegiada? Houve favorecimento dentro de organismos do Estado? O prédio pertencia à Segurança Social e acredito que muitos seriam os interessados se tivessem tido acesso ao leilão.Para quem, como eu, votou sempre Bloco de Esquerda desde o seu aparecimento em 1999 - em alguns momentos preferi abster-me e, por circunstâncias pessoais, em determinadas eleições não exerci este direito de cidadania -, penso que Catarina Martins perdeu uma excelente oportunidade de mostrar que este era um Partido diferente quando visse elementos seus envolvidos em controvérsias.Para ser honesto, fiquei bastante surpreso que a líder fosse inflexível na defesa de Ricardo Robles, se escudasse nas insuficientes explicações dadas pelo seu colega e atacasse o trabalho da imprensa (vá lá que na edição desta segunda-feira, 30 de Julho, do jornal I, um dos fundadores, Luís Fazenda, foi mais ponderado ao salientar que o BE deve "reflectir" e "tirar conclusões").Nunca esperei que os bloquistas fossem perfeitos, imaculados e gostei de muitas bandeiras fracturantes que foram lançando ao longo dos seus quase vinte anos. Entre as principais personalidades que por lá passaram e que por estes dias dão a cara, há umas pelos quais tenho enorme consideração - como Ana Drago, João Semedo (que faleceu este ano), Joana Amaral Dias, Mariana Mortágua (que, desta vez, borrou a pintura), Marisa Matias e Rui Tavares. Porém, desde que resolveram aliar-se a este PS morto de confiabilidade pós-era Sócrates (e com muitos dirigentes desse tempo no presente elenco governativo), pressenti que a minha relação com o Bloco teria os dias contados.Agora, como ex-simpatizante devido à gota de água oriunda do caso Robles (infelizmente este tipo de polémica no negócio do imobiliário não é virgem entre representantes do povo), espero que esta formação política aproveite o Verão para refrescar os seus ideais e que não se iluda com futuras jogatanas socialistas. É que, depois do grupo parlamentar do "Táxi", como já foi apelidado o CDS, a contínua conivência com os caminhos sinuosos do PS pode levar o BE a diminuir o número de deputados e a vir a ser o partido "Tuk Tuk".
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